16/03/2011

Wirikuta ou a fim do mundo

José Luís Lezama. Tirado de aqui e traduzido por nós.

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"Viricota, Viricota, quem sabe por que choram as rosas", Fernando Benítez.

 
Muitos ignoramo-lo, mas a peregrinação milenária do povo Wixárica (huicholes) desde as míticas e exuberantes terras do ocidente de México até as desérticas regiões de San Luis Potosí, onde se iniciou a vida e à que chegam para agradecer aos seus deuses o milagre da criação e a existência humana, não é a prática egoísta de um povo que só procura a sua própria salvação. É, antes de mais nada, um ato para isentar a todas as criaturas do mundo. Em Wirikuta, onde unem a sua beleza a montanha e o austero deserto, cerca de Real de Catorze, em San Luis Potosí, o mesmo que em Leunar (Cerro do Queimado), local onde nasceu o sol e foi salvo pelo Deus Tamatz Kallaumari (Grande Veado Azul) para originar a vida planetária, os Wixaritari reatopam-se com os seus deuses, transcendem os rancores, o efémero, o que é contraditório, o passado e o presente, os cortes geracionais e também as penúrias do tempo atual. Venerando os deuses que criaram o mundo recebem o sinal divino, a saúde dos meninos, a fertilidade das terras e a importância de ser alguém, todo aquilo que hoje lhes é particularmente negado.

 Nas terras sagradas de Wirikuta, onde abunda o deserto, o híkuri (pejote), as montanhas de reluzentes cores e onde as flores dos cactus, as brancas colinas e a luz solar testemunham o triunfo da vida e a beleza da criação, a companhia canadiana First Majestic Silver recebeu do governo mexicano, por 3 milhões de dólares, 22 concessões mineiras, as quais somam um total de 6 mil 326 hectares em plena terra santa do povo Wixárica. As atividades da companhia mineira terão local sobre uma zona altamente vulnerável, de grande marginação, que carece de água e que, a mudança da prata e o ouro que obsequiou, recebeu contaminação e pobreza. As substâncias tóxicas abundam em Wirikuta, estão na superfície, nos corpos de água e no cactus sagrado. O pejote que ingerem os Wixaritari não só escasseia pelo saque de grupos alheios aos Huicholes e pelos turistas que o colectam com a tolerância da autoridade, senão que também parte dele está contaminado por chumbo e cianuro, como o demonstrou um estudo da Universidade de Guadalajara.

 Os representantes da companhia mineira asseguram que as suas atividades extrativas não magoarão a zona sagrada, que operarão a dois quilómetros de distância do Leunar e designadamente do buraco no Cerro do Queimado, sítio específico do nascimento do sol. Não entendem o reclamo do povo Wixárica contra a instalação da companhia mineira, que os levou a lançar um manifesto pela sobrevivência, no que propõem uma moratória permanente contra a atividade extrativa no território onde os seus deuses criaram o mundo. Para este povo, o carácter sagrado não o possui unicamente o cerro ou um pequeno terreno delimitado de Wirikuta, senão toda a região. Enquanto para a companhia mineira, que no ano passado produziu mais de 6 milhões de onzas de prata e que cota na Saca de Nova York (A Jornada, 2 de março, 2011), as montanhas e o subsolo são simples espaço de negócios, para os Wixaritari são fonte de sustento material e de profunda vida espiritual que abarca a montanha, o deserto e toda a sua rota migratória de cerca de 500 quilómetros, a qual se vê ameaçada por diversos projetos modernizadores (construçom de estradas, mineiros, turísticos) com os quais se procura civilizar e fazer rendíveis a povos e paisagens. Como o diz Fernando Benítez no seu livro En la  tierra mágica del Peyote, é esta "uma terra santa descomunal. Ali realizaram os deuses as suas façanhas criadoras, no tempo originário e mal há rocha, manancial, fochanca, planta, caverna, abismo ou cerro que não estejam unidos a um facto mítico ou a um ritual complicado... o que nós vemos como uma pedra ou como uma planta para eles é um Kakaullari, um ser sobrenatural que não resistiu a prova da criação e ao nascer o sol ficou transformado em rocha ou em arbusto".

 Não se pôde encontrar local mais inapropriado para levar a cabo as atividades mineiras da First Majestic Silver. Wirikuta é local sagrado protegido pela UNESCO, Área Natural Protegida e Santuário de Aves. O mesmo presidente Calderón, no 2008, fungiou como testemunha do Pacto Hauxa Manaka, baixo o qual governadores de diversas entidades federativas se comprometeram a preservar a Terra Santa do povo Wixárica. Os protestos destas comunidades chegaram à cimeira climática de Cancum, ao Senado mexicano e instâncias internacionais. O fim do mundo dos Huicholes está por chegar. A First Majestic Silver e as autoridades que a autorizaram a operar em Wirikuta parecem entusiasmadas em executar esta sorte de decreto de morte. Os índios e a natureza parecem a cada vez mais prescindíveis.

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