Jean-Philippe Béja. Artigo tirado de SinPermiso (aqui). Tradução de À Revolta entre a mocidade. Jean-Philippe Béja é um reconhecido sinólogo francês, diretor do Centro de Estudos Francês sobre a China contemporânea em Hong Konk, entre 1993 e 1997.
Jean-Philippe Béja reseñó para a revista Etudes Africaines o livro do grande africanista filomarxista francês Jean-Loup Amselle: L'Occident décroché. Enquête sul lhes postcolonialismes [O Occidente descolgado: uma exploração dos postcolonialismos], Paris, Ed. Estoque, 2008, 320 págs.
Costuma dizer-se que França leva muito atraso, porque só agora começa a acolher os debates sobre o pós-colonialismo e o subalternismo. A boga do multiculturalismo, a busca de novos paradigmas nas ciências sociais que se instalam em culturas demasiado tempo aplastadas por Occidente, o provincialismo da Europa: teorias populares, todas, tanto entre pessoas da extrema esquerda como entre antropólogos e outros especialistas de regiões culturais. Mas Jean-Loup Amselle não se deixou levar por este entusiasmo. E no entanto, este antropólogo especialista na África poderia ter todos os motivos para abraçar é (não tão) novas teorias. Jovem judeu nascido durante a guerra no seio de uma família atea, tinha "vergonha da França, vergonha de ser francês" (p- 54), o que lhe levou a comprometer com a independência de Argélia. O tercermundismo representava uma "opção de saída" para os membros da sua geração naquele momento. Um tercermundismo descoberto nos condenados da terra de Franz Fanon. Ele optou por África, estimando que judeus e africanos pertenciam a comunidades de sofrimento e chegando a sustentar que os primeiros estavam particularmente bem dispostos para simpatizar com os segundos. E o facto de "não pertencer à religião ou à cultura dominante do seu 'próprio país' " (p. 59) poderia fazê-lo muito apto para ser considerado como um sujeito tão pós-colonial como um africano.
Isso é que Jean-Loup Amselle lhe dá a volta à análise do colonialismo de Hannah Arendt, e afirma que "as políticas de exclusão étnica e religiosa dos Estados espanhol e francês [...] têm por consequência a "subalternização" -sinaladamente baixo o marbete de 'porcos'- de segmentos inteiros das suas populações e que essa tecnologia social foi depois exportada às colónias", e não ao revés (p. 61).
Amselle tinha-o tudo, por conseguinte, para se converter no abanderado ideal do pós-colonialismo e do subalternismo. Mas não foi em absoluto o caso. Todo o seu livro é uma denúncia apasionada, sustentada em um imponente leque de leituras, dessas teorias. Desmonta-as partindo da sua genealogia, fazendo-as remontar até a French Theory dos Foucault e os Derrida releídos por académicos norte-americanos. Edward Said, como é notorio, serviu-se das teorias de Foucault sobre o relacionamento entre saber e poder para denunciar o "orientalismo" e mostrar que existe um estreito vínculo entre ciência social e imperialismo e colonialismo. (Não se priva Amselle de apontar ao paradoxo de que Foucault estivesse a viver na Tunísia quando redigia a sua tese, sem manifestar jamais o menor interesse pela cultura árabe que lhe rodeava.) Mas Amselle reprocha sobretudo a Said -o que vai constituir o núcleo do seu argumentação- o ter construído um Oriente imutável e "fetichizar, por simetría investida, a Ocidente" (p. 16). O verdadeiro é que o livro de Amselle é um alegato apasionado e apasionante contra a construção de categorias inmutáveis: África, a Índia, a China (ele não a menciona, mas se pode acrescentar), que se constroem então em contraposição com um Occidente assim mesmo imóvel e caracterizado pela sua vontade de dominação colonial (intelectual e prático-politicamente). A esses conceitos rigidamente afixados opõe Amselle a importância dos intercâmbios que sempre existiram entre as civilizações, e reintroduz a história, o qual, todo contado, não é banal para um antropólogo. "A cultura indiana é a decorrente de múltiplos intercâmbios que se produziram entre ela e as culturas vizinhas e menos vizinhas no curso da história" (p. 162). Cito o que diz sobre a Índia, mas para ele isso ocorre com todas as culturas, incluída a mais "fechada" das culturas africanas.
Amselle mostra bem que, no seu entusiasmo por denunciar ao Occidente colonialista, os bandeirados das teorias subalternistas terminam defendendo um esencialismo das culturas africanas, índias e amerindias. Ao negar o carácter híbrido que caracterizava a essas culturas muito antes do capitalismo, confluem com os bandeirados mais tradicionais da etnología colonial. Por exemplo, pôr a astrologia como estandarte da hinduidade é a erigir em essência oponível à ciência ocidental. O nosso autor não é, empero, um positivista beato: "Por outro lado, apresentá-la como uma mera superstição vem a fazer tarefa impossível a de reconstruir o itinerário que, a partir de um lar comum, pôde conduzir, por vias divergentes, à produção da ciência 'ocidental' em um caso e de uma técnica adivinatoria... oriental, no outro" (p. 163).
No seu apasionado alegato contra a criação de categorias inmutáveis, empreende-a contra a negativa dos subalternistas a tomar em conta a história. "Ao desligar a história do escrito -Mahmadou Diouf quer recuperar uma história anterior ao Estado e a escritura-, o que fazem [os subalternistas africanos e índios] é negar a história, não só a história ocidental". E isso, não sem recordar à etnologia colonialista mais rança das sociedades da rejeição da escritura, da rejeição da história, e portanto, da rejeição do Estado" (p.164).
Todas essas considerações encontrarão um eco innegável nos especialistas na China. Efetivamente, se os teóricos chineses da nova esquerda ou do neoconfucianismo moderno não se proclamam abertamente partidários do subalternismo, a sua tentativa de criar uma ciência social emancipada da de Occidente e supostamente fundada nos recursos da "tradição" peca da mesma tendência a criar categorias fixas rígidas. A "tradição chinesa" é assimilada ao confucianismo, uma espécie de pensamento fechado que estruturaria o Império do centro durante dois milénios: do que tratar-se-ia é de "redescubrí-lo". Empresa tanto mais absurda, quanto que os novos achados científicos mostram que na época do seu apogeu a cultura chinesa se desenvolveu em um ambiente de intensos intercâmbios entre China, Índia e a Ásia Central.
Jean-Loup Amselle descreve minuciosamente como essas teorias se desenvolveram concretamente na história. Não se contenta com apresentar uma genealogia dessas ideias, senão que nos oferece uma análise em profundidade dos locais em onde se produziram as teorias. Generosamente influído pelo marxismo, Amselle está, efetivamente, convencido de que as ideias são inseparáveis das instituições que as produzem: leva-nos, para começar, a Dakar no apogeu do CODESRIA, dirigido desde a sua fundação em 1973 por Samir Amin, um dos primeiros em se alçar contra o eurocentrismo; faz-nos/fá-nos seguir o itinerário de alguns dos seus pesquisadores, como Paulin Hountondji, quem levou tão longe a sua crítica das ciências sociais impregnadas de colonialismo, que chegou a defender a ideia de uma "ciência africana" (p. 79), avatar da ciência proletaria de Lysenko- Mostra-nos também a deriva de determinados investigadores índios, os fundadores do subalternismo, que terminaram por confluir com o fundamentalismo indiano.
Também se interessa pelos trabalhos de certos etnólogos dos países andinos, desejosos de reconstituir as "culturas índias". Em soma: esta obra é extremamente rica, e mostra excelentemente as derivas dos movimentos pós-colonialistas, subalternistas e pós-modernistas que, sob capa de se opor à categorização ocidental das culturas do povo colonizados, terminam com frequência criando categorias rígidas que recordam à mais reaccionária das etnologia coloniais.
Uma obra refrescante nestes tempos de imperialismo do "politicamente correto".
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