08/07/2014

James K. Galbraith sobre a proposta modesta, Europa e Grécia. Entrevista

James K. Galbraith. Artigo tirado de SinPermiso (aqui) e traduzido desde o castelhano (tradução de David Torres Pascual) por À revolta entre a mocidade.Galbraith é professor da Lyndon B. Johnson School of Public Affairs da Universidade de Texas (Austin). O seu último livro é Inequality and Instability: A Study of the Worl Economy Just Before the Great Crisis (2012) e proximamente tem previsto publicar The End of Normal: The Great Crisis and the Future of Growth (2014). 
 
Nesta entrevista com um jornalista grego, com o galho do lançamento da tradução grega do livro The Modest Proposal de Yanis Varoufakis (do que temos falado em À Revolta entre a mocidade; vid. tag "Varoufakis", James), James K. Galbraith argumenta que Itália e Grécia podem jogar um papel importante na mudança dos termos da "discussão" em Europa, de tal jeito que as soluções racionais e minimalistas, como a sua proposta modesta, podam ter a oportunidade de salvar a Eurozona. Também explica que a implosão grega foi uma medida política procedente de Berlim e Francforte; e que se a pressão da troika diminui deve-se ao sucesso de SYRIZA - e não aos "êxitos" do programa de austeridade. Por último, responde à importante pergunta sobre as estratégias de inversão do governo chinês em Grécia e no resto da Eurozona.





A "proposta modesta" sustenta-se sobre a análise de que a crise financeira pode resolver-se se três instituições, a saber, o Banco Central Europeu (BCE), o Fundo Europeu de Inversões (FEI) e o Banco Europeu de Inversões (BEI), assim como o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEDE) se empregam na direção de criar um espaço comum entre as economias europeias, já seja através da emissão de euro-bónus ou mediante um novo "New Deal" [literalmente Novo Trato, pacote de estímulo da economia desenvolvido por Roosevelt nos EUA após a crise de 1929; ÀReaM]. No entanto, em última instância, estas são decisões de caráter político rechaçadas pela maioria dos estados do norte de Europa, que sentem que já têm feito suficiente pelo sul nos últimos 50 anos. Este sentimento exprime-se através do apoio aos partidos eurocépticos nas recentes eleições. Considera este recente câmbio perigoso para o euro e para a UE? Na sua opinião, como é que se pode frenar esta tendência?

Sim é perigoso. Embora haja que assinalar que o grupo eurocéptico não o fez de tudo bem na Alemanha, que é a nação decisiva sobre estes assuntos.

Para começar, é mester encontrar um discurso claro e convincente para o sul de Europa. Acho que este processo já está em andamento, tanto em Itália quanto em Grécia. O fundamento desse discurso não pode ser que os estados em crise precisam "ajuda". Deve ser que o projecto europeu está em perigo, que deve ser salvo, que pode ser salvo - e que essas medidas requerem uma mudança de ideias e de política. 

Depois será preciso começar as negociações com os companheiros europeus encarregados das mudanças  nas medidas políticas.

Ainda está por ver se a opinião pública no norte de Europa pode modificar-se a favor dum câmbio deste teor. Porém, um giro favorável apenas é possível se os líderes políticos começam a exprimir-se com novas ideias e com uma nova direção na prática.


Quanto a sua proposta de um novo "New Deal", os críticos assinalam que os programas de crescimento e estímulo têm fracasado anteriormente na UE (por exemplo, durante a presidência de Delors na Comissão Europeia) e que, em lugar de isso, deveríamos centrarmo-nos na competitividade. Quê é que lhe leva a pensar na sua proposta como uma boa solução para Europa? 

A nossa proposta não está baseada em "estímulos". É uma mudança coordenada em quatro áreas: a dívida pública, o sistema bancário, um programa de inversões e um programa de solidariedade social. Baseia-se, em parte, nos princípios da sucedida estabilização das condições económicas que teve lugar nos Estados Unidos, e que também se deu "no interior" das grandes economias do norte de Europa. Sustenta-se sobre ideiais e políticas provadas. Por outras parte, uma estrategia baseada na "competividade" está destinada ao fracasso, já que não há jeito de que o sul de Europa poda diminuir os ordenados reais  tanto como para ser competitivos frente ao mundo não europeu. Pelo contrário, os recortes nas instituições de bem-estar social no sul de Europa estão destruindo os cimentos duma economia avançada, fazendo menos atrativa a inversão e piorando a competitividade.

Em relação à crise Humanitária, você propõe que os estados e os bancos cheguem a um acordo para reverter a tendência seguinda com TARGET2. Isso implicaria necessariamente um giro desde a "competitividade" à "solidariedade" e refletiria uma mudança nos corações e nas mentes das elites europeias. Poderia-se decidir e aplicar esta mudança sem modificar os princípios básicos do pensamento económico e político dominante atualmente na UE?

Não. Requer-se uma mudança de pensamento. Graças por fazer esta pergunta. Acreditamos que é a nossa tarefa ajudar a aclarar este ponto. Quanto à nossa proposta para financiar os cupões  de alimentos utilizando o juro acumulado de TARGET2, lembro-lhe que este dinheiro não reflete a competitividade do Norte. Reconhecendo esta competitividade, "recompensa" às nações centrais mediante excedentes na sua conta corrente. O juro acumulado de TARGET2, pela contra, reflete a fragmentação do euro; não podemos cavilar nesses quartos como uma recompensa para as decisões empresariais tomadas pelas entidades dos estados centrais.

 
Mario Draghi anunciou recentemente a fixação de taxas de juro negativas, com o propósito de fazer frente à deflação. Na sua opinião, será isto avondo?


Não. As armas do banco central neste aspeto são muito débeis.

A ideia das taxas de juro negativas parece fundamentar-se em que os bancos deveriam ter um incentivo para emprestar as suas reservas. Porém os bancos não prestam reservas. Os bancos criam depósitos através de empréstimos, e concedem empréstimos apenas quando têm solicitantes credíveis, com boas expetativas e garantias. O Banco Central Europeu pode calmar o pânico. Pode-se pôr fim a esta especulação coordenada contra os estados pequenos. Porém, por sim próprio, o BCE não pode criar as condições gerais para a reanudação da expansão generalizada de crédito. Por isso teimamos no papel do BEI e do FEI, e na necessidade de implementar a grande escala a capacidade destas instituições.


O presidente do principal partido da oposição em Grécia, SYRIZA, Alexis Tsipras, reclama, entre outras cousas, o indulto duma parte da dívida. Parece-lhe realista essa demanda? Pode sair Europa da crise sem algum tipo de redução da dívida dos estados do sul? 

A ideia desenvolta na proposta modesta consiste num mecanismo que funciona através do Banco Central Europeu para ajudar a que dívida soberana de Grécia e de outros estados em crise seja mais manejável, acompanhado de medidas para ajudar a restaurar a atividade económica e, já que logo, (finalmente) a capacidade fiscal do estado heleno. Acreditamos que esta proposta é totalmente realista, especialmente se se aplica dentro do marco da legislação europeia existente. Particularmente, no caso de Grécia, uma vez que a sua dívida em poder das autoridades públicas europeias se voltasse manejável, deveria ter pouca dificuldade controlar a dívida que fica em mãos privadas.

Permita-me assinalar que, nestas situações, se não se tomam as medidas práticas, com o tempo, outras medidas mais duras serão necessária. Uma dívida que não se pode sustentar, não sustentar-se-á. Assim que as cousas põem-se mais difíceis a medida que passa o tempo se não há uma ação prática.


 No seu informe anual, o MEDE insiste em que Grécia está seguindo o caminno correto e que se encontra na senda do crescimento, como demonstra o índice de competitividade del Banco Mundial, em que o país escalou 29 posições em comparação ao ano 2009. (Pode leer o informe do MEDE aqui). O MEDE afirma explícitamente que se avançou devido à redução de los costes da mão de obra no país.
Sim o MEDE é a sua autoridade nestes assuntos, não podo fazer muito mais por você. Sugiro-lhe pegue uma vista de olhos às suas predições anteriores.

Por outra parte, o primeiro ministro chinês visitou Grécia no dia de hoje coma intenção de assinar acordos de 7 biliões de euros em setores como o do ferrocarril e as infraestruturas, o turismo, etc. Deveriam ser considerados como signos da confirmação de que a austeridade funciona? Se não é assim, qual seria a sua interpretação?

Acho que os chineses estão mostrando interesse para ganhar-se a vontade do Estado grego e para conseguir aprofundar neste tipo de cooperação com o fim de assegurar-se um maior acesso aos mercados em Europa. Também estão interessados na diversificação da sua carteira de ativos, embora em menor medida. Não creio que estas inversões sejam, em sentido estrito, uma proposta de negócios para eles; quase nada do que China faz no campo da inversão estrangeira tem a ver mais com os negócios que com motivações políticas. Portanto, e com muita claridade, esta medida não tem nada que ver com o suposto sucesso do programa de austeridade. Mais bem é uma oportunidade que surge do fracasso de Europa à hora de iniciar este tipo de inversões, que poderiam ter sido feitas baixo a proteção do Banco Europeu de Inversões.


O governo afirma que o resgate está chegando a sua fim e que no futuro não serão necessárias mais medidas de austeridade. Partilha você essa opinião? 

Sobre este tema, espero que o governo tenha razão. Se o que diz o governo é certo, estaria refletindo um importante câmbio de posição por parte da troika. E a causa dessa mudança - e se produziu- não é difícil de averiguar: podemos encontrá-la em SYRIZA. A hipótese mais provável é que os sócios europeus de Grécia estejam reagindo perante o câmbio no clima político grego e sintam preocupação por poder encontrar-se negociando frente um interlocutor muito mais duro representando ao próximo governo grego.

Por suposto, o que esta mudança demonstra é que as medidas de austeridade aplicadas ao longo deste tempo tiveram uma motivação política mais do que económica. As medidas tomaram-se, sobretudo, por raz4oes de política interna na Alemanha. Agora, toda vez que o governo alemão se instalou de forma certa após as eleições, surge uma motivação política mais ampla, que requer a mudança de políticas. E mudam-se.

Conclusão: durante todo este tempo, a economia não teve nada a ver com as políticas de austeridade.


E, por último, teve a oportunidade de assessorar o governo social-democrata do PASOK e ao então Primeiro Ministro, George Papandreou, em 2009. Alguma vez lhe pediram o seu conselho? 

Visitei Grécia várias vezes durante o governo do Primeiro Ministro Papandreou. Ele é um velho amigo, e como sabem os laços entre as nossas famílias remontam-se à década de 1940. Os meus comentários para o governo consistiram basicamente em expor as minhas razões para um profundo pessimismo sobre o rumo das políticas europeias, especialmente em relação a Grécia. O governo grego, nesse momento, tinha uma visão mais otimista e esperançada, e não os culpo por isso. Porém temo-me que as circunstâncias deram-me a razão.

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