Esther Vivas. Tirado de Altermundo (aqui). Esther Vivas é co-autora de El campo al
plato. Los circuitos de producción y distribución de alimentos (Icaria
ed., 2009), entre outras publicações; é membro do Centro de Estudios
sobre Movimientos Sociales da UPF. Artígo publicado em Le Monde Diplomatique, 197. (Tradução: ADITAL)
Nas últimas décadas, a
produção e o consumo de carne aumentaram em escala mundial. Os padrões
de consumo, bem como os métodos produtivos pecuários mudaram
radicalmente. Porém, quais os impactos sociais, ao meio ambiente,
trabalhistas… da indústria pecuarista? Quem ganha e quem perde nesse
negócio? No presente artigo, abordamos ditas questões.
Uma revolução pecuarista?
A partir dos anos 50 a
produção de carne em âmbito mundial multiplicou-se por cinco. A
produção de porco, seguida pela de frango e de terneiro são as que
registraram maiores aumentos(1). O consumo de carne nos países do sul
multiplicou-se por dois entre 1964-66 a 1997-99, no qual passaram de
consumir 10,2kg anuais por pessoa para 25,5kg; e, para 2030, espera-se
um incremento de até 37kg. Porém, esse crescimento tem sido desigual,
registrando-se um aumento significativo da demanda no Brasil e na China,
enquanto que na África subsaariana as cifras permanecem estancadas. Nos
países do Norte se prevê o consumo de carne por pessoa/ano de 88kg em
1997-99 para 100kg em 2030(2).
A indústria pecuarista converteu-se em um elemento central do crescimento da agricultura
em todo o mundo, apostando por um modelo de pecuária industrial e
intensiva, que tem recebido o nome de "revolução pecuária”(3). Esse
sistema significa um incremento exponencial da produção e do consumo de
carne e derivados, seguindo o mesmo padrão produtivista da revolução
verde (uso intensivo do solo, insumos químicos, "melhoria” genética
etc.) ao mesmo tempo em que modificou nossa dieta alimentar. Um modelo
que tem promovido a concentração empresarial, deixando em mãos de um
punhado de multinacionais do agronegócio a capacidade de decidir sobre
que carne e derivados consumimos, quantos e como são elaborados.
Porém, se a revolução
verde prometeu acabar com a fome no mundo e não conseguiu; ao
contrário, as cifras de famintos não param de aumentar, superando 1
bilhão, conforme indica a Organização das Nações unidas para a
Agricultura e a Alimentação (FAO)(4); o aumento na produção de carne
tampouco significou uma melhora na dieta alimentar. Pelo contrário, e
como analisaremos a seguir, o aumento do consumo de carne tem gerado
maiores problemas de saúde e sua lógica produtivista tem tido um impacto
negativo no meio ambiente, no campesinato, nos direitos animais e nas
condições trabalhistas. Aumentar a produção não implica em um maior
acesso àquilo que se produz, como bem demonstra o fracasso da revolução
verde e da revolução pecuária.
Planeta em xeque
Hoje, a pecuária
representa 40% do valor bruto da produção agropecuária mundial,
superando 50% nos países do Norte; e é a principal utilitária de terra
agrícola, seja por via direta, mediante o pastoreio ou pela via
indireta, pelo consumo de ração e forragem(5). Geralmente, ambos usos
são resultado do desmatamento de bosques virgens e de selvas tropicais,
com a consequente degradação dos solos e dos recursos hídricos.
Devido a essas
práticas, milhares de camponeses foram expulsos de suas terras, agora
destinadas a monocultivos de cereais para a alimentação animal. A
pecuária camponesa, diversificada, local e familiar está sendo
substituída por um modelo intensivo, monopecuário, corporativo e
exportador, com o qual os primeiros não podem competir.
Outro impacto reside
na geração da mudança climática. Calcula-se que a pecuária industrial
produz 18% dos gases de efeito estufa, superando o setor de transporte.
Concretamente, é a responsável por 9% das emissões de CO2, devido ao uso
intensivo da terra e ao desmatamento; por 65% do óxido nitroso, a maior
parte procedente do esterco; por 37% das emissões de metano (muito mais
prejudicial do que o CO2), originado pelo sistema digestivo dos
ruminantes; e por 64% do amoníaco, que contribui significativamente para
a chuva ácida(6).
Apesar de que a
revolução pecuária disse "melhorar” as raças de gado em resposta aos
interesses do mercado e promovendo as mais produtivas, resistentes a
enfermidades, de fácil adaptação ao meio etc., isso não significou um
enriquecimento de nossa alimentação. De fato, a variedade de raças
animais, bem como de espécies vegetais reduziu-se drasticamente nos
últimos anos. Calcula-se que 30% das raças de animais domésticos estão
em perigo de extinção, o que significa o desaparecimento de três raças
domésticas a cada duas semanas(7). A cada dia, nossa alimentação depende
de menos variedades animais e vegetais, o que implica uma maior
insegurança alimentar.
O uso intensivo e a
contaminação da água é outra das consequências derivadas da revolução
pecuária. Atualmente, a agricultura e a pecuária consomem entre 70 e 80%
do total da água doce disponível, segundo dados do II Fórum Mundial da
Água (Haya, 2000). Produzir um quilo de proteína animal na industrial
pecuária requer 40 vezes mais água do que a produção de um quilo de
proteína cereal ou 200 vezes mais do que um quilo de batatas(8). Como
bem assinala o filósofo e ecologista Jorge Riechmann: "Em um mundo
finito, onde a escassez de água doce tem se convertido em um fator
limitante essencial, consumir 1 é o mesmo que consumir 40?(9) Plantar
espinafres não é a mesma coisa que plantar comida para vacas. A mesma
quantidade de terra produzirá 26 vezes mais proteínas para consumo
humano se cultivarmos espinafres em vez de forragem(10).
Os dejetos animais,
os antibióticos, os hormônios, os produtos químicos, os fertilizantes,
os pesticidas são os principais agentes contaminantes. A pecuária
industrial, por exemplo, é a principal responsável pelas emissões de
amoníaco que contaminam e acidificam águas e solos. E o sobrepastoreio
impede a renovação dos recursos hídricos tanto da superfície quanto os
subterrâneos.
Nossa saúde ameaçada
Trata-se de impactos
que afetam as comunidades. "Os gases emitidos por uma granja suína em
escala industrial são muito tóxicos. Há muitos gases voláteis misturados
com pó, bactérias, antibióticos e formam uma mistura muito complexa de
mais de 300 ou 400 substâncias as quais estão expostos os vizinhos,
famílias, crianças”,afirma David Wallinga, do Institute for Agriculture
and Trade Policy, no documentário Pig Bussiness (2009), de Tracy
Worcester, com o consequente aumento de doenças de diferentes índoles
que atingem os que vivem nas proximidades dessas instalações.
Nossa saúde é outra
prejudicada por esse modelo pecuário. Somos o que comemos e está claro
que se consumimos carne produzida com altas doses de hormônios,
antibióticos, rações transgênicas etc. tem um custo para nosso
organismo. As dietas excessivamente carnívoras geram problemas
cardíacos, de hipertensão, câncer, obesidade, diabetes. Apesar de que
esse é somente um elemento a mais de um sistema agrícola e alimentar que
nos enferma, tal como analisa Marie-Monique Robin, em seu documentário Notre poison quotidien (2010), ou como demonstrou Morgan Spurlock,
submetendo-se durante trinta dias a uma dieta a base de "comida lixo”,
no Mc Donalds e que documentou em seu filme Super Size Me (2004) (A
dieta do Palhaço, em português).
Direitos dos animais
Os animais
converteram-se em matéria prima industrial e as granjas deixaram de ser
granjas para converter-se em fábricas de produção de carne ou modelos de
"pecuária não ligada à terra”, como é denominada no setor. A mesma
lógica capitalista e produtivista que rege outros sistemas impera no
modelo pecuário atual; porém, nesse caso, as mercadorias são animais.
"aplicam-se à criação de animais sistemas industriais desenhados para
fabricar carros e máquinas. É algo incrivelmente cruel que nenhuma
sociedade deveria tolerar”, afirma Tom Garrett, do Welfare Institute, no
documentário Pig Bussiness.
A prática
produtivista converte aos animais em enfermos crônicos. Instalações que
impedem seu movimento, má alimentação, isolamento, estresse etc. são
somente algumas amostras do maltrato animal. Para compensar seu estado
de saúde recebem antibióticos para combater infecções crescentes, bem
como hormônios reprodutores para compensar sua perda de fertilidade. Na
Europa, a pecuária industrial utiliza a metade dos antibióticos
comercializados. Desses, um terço são administrados preventivamente,
junto com a ração(11).
Smithfield Foods, un exemplo
A revolução pecuária
implica em um crescente monopólio e integração vertical do setor, onde
umas poucas empresas controlam todo o processo de produção de carne,
desde a criação até o abate e embalagem.
Por exemplo, a
multinacional estadunidense Smithfield Foods e a maior produtora e
processadora de carne de porco, com ingressos de 11 bilhões de dólares
anuais, em 2010, contrata 48 mil pessoas e desde sua sede nos Estados
Unidos expandiu-se para 15 países(12). E para evitar as regulamentações
trabalhistas e de meio ambiente estritas, Smithfield Foods trasladou
grande parte de suas operações para outros países com legislações mais
flexíveis.
Entre 1990 e 2005,
seu crescimento foi de 1.000%, aumentando seu controle sobre cada ponto
da cadeia produtiva e ganhando novos mercados a custa de acabar com
pequenos pecuaristas(13).
Smithfiels Foods é
conhecida pelas inúmeras acusações e denúncias que tem recebido por
contaminação ambiental. A mais importante, em 2009, quando Granjas
Carroll, uma de suas empresas subsidiárias no México foi acusada de ser o
epicentro do brote de gripe suína, Gripe A, que assolou o país e se
propagou globalmente(14).
A vulneração dos
direitos trabalhistas é outra de suas práticas habituais. Escalada no
número de acidentes trabalhistas, demissões, abusos verbais… são alguns
dos casos recolhidos no relatório "Empaquetado con abuso”(15), elaborado
pelo Sindicato United Food and Commercial Workers Union (UFCW), que
analisava as condições de segurança laboral no matadouro e planta de
empacotamento de Smithfield Foods, em Tar Hell, Carolina do Norte, o
maior do mundo, com 5.500 empregados. E onde a UFCW tentou durante mais
de uma década organizar seus trabalhadores, com a oposição frontal da
empresa, e que, finalmente, conseguiu em umas eleições sindicais no
final de 2010.
Segundo um relatório
de Human Rights Watch, publicado em 2005-6, trabalhar na indústria da
carne é o emprego fabril mais perigoso nos EUA. Esse informe assinalava o
abuso sistemático da mão de obra imigrante sem documentos, a
intimidação, a falta de indenizações, as represálias e as ameaças de
demissão contra os que denunciam abusos etc. Umas práticas que foram
recolhidas à perfeição no filme Fast Food Nation (2006), de Richard
Linklater Fast.
Definitivamente, um
sistema de produção pecuário que nos adoece, acaba com a
agrodiversidade, vulnera os direitos dos animais, contamina o meio
ambiente, destrói a pecuária camponesa e explora a mão de obra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário