Dos EUA à Índia, avança corrida por combustíveis fósseis
rarefeitos e de extração dificílima. Quais são, e por que é desastroso
explorá-los?
Por Charlotte Wilson, no Zmag | Tradução: Vinícius Gomes
Alguns anos atrás, nas vésperas das negociações climáticas em
Copenhagen, a indústria dos combustíveis fósseis parecia estar na
defensiva, com o crescimento da pressão para cortar as emissões de
carbono. A elevação dos preços no setor energético e as dúvidas a
respeito de sua capacidade em aumentar a produção de petróleo, faziam a
indústria parecer um dinossauro em luta para sobreviver. Hoje, ela está
na ofensiva e, longe de enfrentar restrições, empanha-se na expansão
maciça da extração de combustíveis fósseis, em novas áreas do globo.
Não há melhor medida para essa mudança que a ExxonMobil, a maior
empresa privada de petróleo no mundo. Em 2008, estava financiando,
agressivamente, a negação da mudança climática e fazendo lobby intenso
contra as restrições impostas a seu negócio. Acelere o filme para o
último verão. Na esteira da caricata conferência Rio+20, o
diretor-executivo da Exxon, Rex Tillerson, em palestra para o Conselho
de Relações Exteriores, não apenas reconheceu a mudança climática mas
também a “abraçou” dizendo que era um “problema de engenharia” e uma
oportunidade de negócio.
Os fatos são alarmantes. O preço do barril de petróleo permanece nas
alturas e a concentração de dióxido de carbono na atmosfera ultrapassará
400 partes por milhão este ano, pela primeira vez na história da
humanidade. O que mudou radicalmente é o volume da retórica empregada
para negar essa realidade. Até as ações de mera fachada estão
desaparecendo. Agora, o foco está no surgimento de “planos de de planos
para suposta “reparação”, por meio de tecnologias como captura e
armazenagem de carbono (CSS) ou geo-engenharia, em um futuro distante.
Por trás de toda essa cortina de fumaça, há um mundo real não tão
suscetível a esses truques. De um lado, o aumento constante da
temperatura indica o que a mudança climática pode representar; de outro,
o aumento nos custos energéticos marca o contínuo esgotamento dos
combustíveis fósseis.
Mas os depósitos combustíveis fósseis não são poço de tamanho
determinado, que está sendo consumido e em certo momento irá se esgotar.
O uso das rochas betuminosas, as perfurações no Oceano Ártico e a
extração de petróleo por fragmentação hidráulica (“fracking”)
demonstram que, embora as reservas de extração mais fácil estejam
acabando, existem sempre outras, mais difíceis de explorar, para
substituir as primeiras, se você estiver suficientemente desesperado.
Esses combustíveis fósseis de extração mais difícil vêm, entretanto, com
um custo adicional – como se não bastasse a emissão de carbono.
Nestes casos, a exploração anda quase sempre de mãos dadas com a
devastação ambiental. Isso é bem claro, por exemplo, na destruição
causada nas florestas boreais em Alberta, Canadá, para extração em
rochas betuminosas. Mas não apenas lá. Seja na passagem para a mineração
a céu aberto, quando o carvão ficou cada vez mais escasso, ou no
impulso para extração de petróleo em águas profundas, o resultado tem
sido maior pressão sobre o meio-ambiente. Áreas cada vez maiores do
planeta têm de ser destruídas para um retorno cada vez menor.
Os impactos sociais desses métodos mais extremos são igualmente
perturbadores. Maior esforço direcionado à extração para fins
energéticos significa maior trabalho e recursos consumidos. Na última
década, o peso do setor de energia mais que dobrou na economia mundial –
de menos de 5% para mais de 10%. Mercados complexos e mecanismos
políticos têm ocultado a verdade por trás das manchetes: enquanto o
setor energético cresce, o resto da economia é achatado e aqueles com
menor poder político são os primeiros a sofrer.
Rumo aos extremos
A mudança para métodos ainda mais extremos, à medida em que se
exaurem os recursos fáceis de extrair, exige uma cuidadosa consideração:
onde esse processo irá acabar? Quando a energia usada na extração
tender a se tornar maior que a produzida, em que momento já não
poderemos falar em uma “fonte de energia”? Na prática, problemas sérios
surgem muito antes de este ponto ser atingido. Imagine um mundo onde a
principal fonte de energia precise de metade da energia produzida para
manter em funcionamento o processo de extração. Não apenas metade de
toda a economia será destinada à extração de energia, mas o nível de
destruição ambiental será aterrorizante.
O Reino Unido é hoje, como quase sempre, a maior ameaça no que tange
extração não-convencional de gás e petróleo (coloquialmente conhecida
como fracking); de gás e óleo de xisto; de metano em jazidas de
carvão (CBM, em inglês) e gaseificação de carvão subterrâneo (GCS).
Esses métodos consomem enorme quantidade de energia e requerem imenso
volume de recursos, como plataformas avançadas de perfuração. As
características comuns incluem poços densos de perfuração horizontal,
algum tipo de fraturação hidráulica ou (desidratação). As quantidades de
energia produzidas em cada poço são relativamente pequenas, e o período
de produção é curto.
A gaseificação de carvão subterrâneo (GCS), o método mais extremo que
conhecemos até o momento, envolve atear fogo no carvão subterrâneo e
trazer à superfície o coquetel tóxico produzido. O Reino Unido é o
pioneiro, com 21 licenças de GCS já vendidas, em seu litoral, perto de
grandes cidades como Swansea, Liverpool e Edimburgo. Algo sem
precedentes: uma nova licença está à venda em terra firme, no interior
de Warwickshire, próximo a Leamington Spa. Uma companhia, a Five-Quarter
Energy, planeja iniciar a perfuração na costa de Northumberland nesse
verão (nosso inverno).
A escala de tudo isso é raramente analisada. A característica mais
fundamental do gás e petróleo não-convencionais é sua natureza dispersa.
Qualquer poço irá produzir pouco gás, e apenas por curto período. É
necessário que milhares de poços sejam constantemente perfurados,
cobrindo a paisagem de buracos, para produzir volumes moderados de
energia. O maior campo de gás convencional no Reino Unido era o de
Saltfleetby, em Lincolnshire. Possuía oito poços, mas para se produzir a
mesma quantidade de gás não-convencional seriam necessários centenas de
poços.
Os maiores impactos de fracking incluem vazamento de metano,
poluição e produção de resíduos tóxicos e radioativos nas águas;
poluição severa do ar; industrialização desenfreada das áreas internas e
aceleração da mudança climática. Entretanto, o debate público no Reino
Unido concentrou-se em torno de um “não-problema”: se os terremotos
subterrâneos induzidos por fracking podem causar dano na
superfície. Nos EUA, desvia-se o foco dos problemas reais especulando se
há alguma ligação entre a contaminação da água e uma forma específica
da fraturação hidráulica. Oculta-se, assim, a ligação clara entre a
contaminação e a extração de gás de xisto como um todo.
Esta estratégia tem, efetivamente, desviado a atenção do grande
problema que causará impactos em nossa sociedade e meio-ambiente. Até
mesmo o sistema acadêmico pode ser corrompido para servir a indústria:
descobriu-se que estudos acadêmicos pró-fracking foram financiados secretamente por essa indústria.
A luta esquenta
Felizmente, a luta contra os métodos extremos esquenta. A vila rual de Balcombe é a próxima na linha de tiro, enquanto a Cuadrilla Resources (nome sugestivo…) procura
estender sua extração de gás de xisto, de Lancashire para Sussex.
Comunidades ameaçadas estão se organizando para resistir, seguindo o
exemplo da Austrália, onde houve êxitos consideráveis na luta para
travar os avanços da indústria. Embora as forças que se uniram contra as
comunidades fossem formidáveis, as conquistas materializaram-se no
recente pedido de James Hansen–
um dos pioneiros no estudo da mudança climática – para que os
combustíveis fósseis não-convencionais sejam deixados onde estão.
Ainda que os impactos nos países ricos parecem ser maléficos, eles
tornam-se pequenos, quando comparados ao que os povos no sul do planeta
enfrentam. São estes que não podem dar-se ao luxo de tomar água em
garrafas de plástico e estão mais próximos das consequências ambientais.
O anúncio recente de que a Essar Oil obteve permissão para perfurar 650
poços de carvão gaseificado (GCS) em Bengala Ocidental, ao norte de
Kolkata, é apenas a ponta de um iceberg que se agiganta. A área é
próxima à de maior densidade populacional na Índia e já sofre de
problemas sérios com falta de água.
O diretor-executivo da Exxon teria dito, recentemente: “Qual o
benefício de salvar o planeta, se a humanidade sofre?”. É como se o
futuro da humanidade pudesse ser separado dos ecossistemas dos quais
todos dependemos. Nessa visão de mundo distorcida, a Exxon é a
salvadora, pois descobre, para nós, maneiras novas e criativas de manter
níveis insustentáveis de consumo de energia.
No mundo real, está se tornando cada vez mais claro que o futuro da
humanidade e do planeta dependem de manter os combustíveis fósseis onde
eles estão. Isso irá requerer uma completa transformação nos sistemas
econômicos e sociais que estão produzindo os métodos extremos de
produção de energia.
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