Artigo tirado de http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/no-egito-adeus-a-primavera-arabe/.
Professor da Unicamp, formado em Alexandria, explica como
militares preparam-se para reassumir plenamente poder — impondo medo à
juventude e oferecendo garantias à elite
Por Marcos Grinspum Ferraz, na Revista Brasileiros
Nesta segunda-feira, dia 23, um tribunal do Cairo proibiu as
atividades da Irmandade Muçulmana, grupo religioso e político que dava
apoio ao governo de Mohamed Mursi – destituído do poder por uma Junta
Militar há cerca de três meses. A decisão retirou qualquer estatuto
legal da entidade islâmica e confiscou todos os fundos e bens móveis da
organização.
Para o professor titular da Unicamp, Mohamed Habib (nascido no Egito e
hoje membro do Instituto de Cultura Árabe no Brasil), a medida é um
retrocesso no processo de democratização e o Exército demonstra cada vez
mais sua disposição de ficar no poder. Para entender melhor o quadro e
os recentes acontecimentos, a Brasileiros conversou novamente com o pesquisador, que afirma que a Primavera Árabe, no Egito, fracassou. Leia abaixo:
Como o senhor avalia a decisão da Justiça do Egito de banir a Irmandade Muçulmana. É um retrocesso no caminho da democracia?
Mohamed Habib - Sim, é uma prova do retrocesso no processo da
democratização que era pretendido pelos jovens, naquele dia 25 de
janeiro de 2011 [quando Mubarak foi derrubado]. Mas o principal, é que é
uma prova de que os militares estão dominando totalmente a situação e
partindo para concretizar o retorno deles ao poder no Egito.
O que os militares falavam, que era uma transição rápida para a democracia, foi por água abaixo…
Sim. Agora eles conseguiram, por um lado, amedrontar uma boa parte
da população, por outro, agradar a parte que tem o poder econômico na
mão. Conseguiram agradar parte da classe média, que estava insatisfeita
com o governo Mursi, de modo que o plano político dos militares está
funcionando bem até agora. No entanto está na contramão daquilo que a
humanidade esperava, daquilo que os jovens egípcios esperavam, daquilo
que o mundo que busca uma relação mais aceitável entre o governante e o
governados buscava.
Mas então eles não perderam o apoio da população interna…
Eles ainda têm um apoio muito forte. A direita egípcia, a burguesia,
o setor conservador que sempre se beneficiou com a presença dos
militares acha muito mais confortável ganhar dinheiro sem participar no
processo político de um país democrático. É mais cômodo: alguém governa
dentro de uma ditadura, e esse grupo sai beneficiado.
Mas e aqueles jovens que foram as ruas derrubar Mursi, que
estavam acreditando, ao menos em parte, nas promessas do Exército… Como
ficam?
Estão extremamente decepcionados e amedrontados. É uma lei de
emergência que está em vigor, e qualquer tentativa de manifestação, por
mais pacífica que seja, será reprimida de forma bastante violenta pela
polícia e pelas Forças Armadas. Os militares conseguiram cooptar a
mídia, se organizar, e agora estão mostrando a cara, através da
violência. Então, o desequilíbrio de força entre a ação dos apoiadores
do Mursi e a reação do Exército, é como quem está caçando um passarinho
com um canhão. Isso assusta.
Então a parcela que não está nem com a Irmandade nem com o Exército está desmobilizada…
Sim. Por decepção ou medo. A Primavera Árabe, pelo menos no Egito,
fracassou. Eu estava muito contente com o 25 de janeiro de 2011, mas
agora estou muito decepcionado.
E a promessa do Exército de revisar a Constituição e convocar Eleições?
As palavras continuam as mesmas. Mas que revisão? E para que
finalidade? Eles estão trabalhando nisso, mas tudo indica que a nova
Constituição vai recuperar o poder dos militares, permitir suas
candidaturas. E aí, podem se preparar, que provavelmente o atual
ministro da Defesa, chefe maior das Forças Armadas hoje, o General Sisi,
seria o candidato dos militares, com grandes chances. Então acredito
que o plano deles é voltar ao poder, que estava na mão deles desde 1952,
com uma roupagem mais trabalhada, uma aparência mais democrática.
E o resto do mundo, vai aceitar?
Há um trabalho diplomático que eles tão fazendo pelo mundo, onde os
embaixadores estão dizendo que o país é democrático e tal. Um trabalho
para ganhar a opinião.
Dizer que o país não está pronto para a democracia, é um exagero?
O país está pronto para a democracia. O que está dificultando isso
não é o amadurecimento político da sociedade, mas é o grupo que não quer
largar o osso do poder. E usam desde o boicote até a violência e o
terror.
Mas a violência do dia a dia diminuiu? Porque ouve-se falar menos…
As notícias são menos frequentes à medida que o governo militar
conquista uma certa simpatia da grande mídia internacional, dos países
centrais, dizendo “somos os amigos de vocês, sempre fomos”. Tem esse
lado. E, além disso, os movimentos populares estão diminuindo, pelo
medo, e porque centenas de milhares estão nas cadeias…
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