Asbjørn Wahl e Roy Pedersen. Artigo tirado do Esquerda.net (aqui). Artigo de Asbjørn Wahl (assessor do sindicato dos trabalhadores municipais e funcionários públicos de Noruega) e Roy Pedersen (presidente da Confederação de Sindicatos – LO - da Noruega). Tradução de Vicente Abella para sinpermiso.info e de Carlos Santos para esquerda.net
A evolução política da Noruega segue o padrão que temos presenciado país atrás de país na Europa onde os partidos à esquerda dos social-democratas se uniram a eles no governo. Todas estas experiências, sem exceção, passaram do negativo ao desastre. Por Asbjørn Wahl e Roy Pedersen.
Noruega: Manifestação dos trabalhadores do setor público em 2012
O governo da coligação Vermelha-Verde da Noruega, cuja plataforma política foi qualificada, quando assumiu o poder em 2005, como a mais progressista da Europa, sofreu uma amarga derrota nas eleições parlamentares de 9 de setembro. Uma coligação de partidos de centro-direita e direita, na qual se inclui um partido populista, obteve uma sólida maioria e está atualmente (27 de setembro) a negociar a plataforma política do novo governo.
Este acontecimento teve lugar num contexto em que os rendimentos do petróleo enchem as arcas públicas, a crise económica passa virtualmente sem ser sentida, a taxa de desemprego encontra-se no seu recorde mais baixo, os salários reais têm estado a aumentar de forma constante desde há bastante tempo e a maior parte do estado de bem-estar permanece incólume. Em pouco tempo, o país, com a sua abundância de recursos de petróleo e gás natural, e uma história de democracia e igualdade social consagradas, representa a afortunada exceção ao resto do mundo. Como é possível, então, que um governo Vermelho-Verde tenha perdido as eleições em tais circunstâncias?
Que aconteceu?
Comecemos por contar o que aconteceu. O governo derrotado era constituído por três partidos políticos (em parênteses a percentagem de votos nas recentes eleições e variação desde 2009): o Partido Trabalhista (30.8%, -4.5), o Partido Socialista de Esquerda (4.1%, -2.1) e o Partido do Centro (um partido principalmente rural ou camponês: 5.5%, -0.7). Este governo de maioria chegou ao poder em 2005 e foi reeleito em 2009. A oposição compunha-se principalmente (de direita a centro) de Partido do Progresso (16.3%, -6.6), Partido Conservador (26.8%, +9.6), Partido Liberal (5.2, +1.4) e os Democratas Cristãos (5.6%, -0.0).
O vencedor das eleições foi, portanto, o Partido Conservador, que tinha suavizado estrategicamente o seu discurso, em particular o dirigido ao movimento sindicalista, da mesma maneira que os Conservadores Suecos o fizeram com sucesso nas suas eleições, ainda que, depois de as ganhar, não suavizassem a sua prática política. A conjuntura no parlamento norueguês apresenta-se agora da seguinte maneira: os quatro partidos do Centro-Direita detêm 96 parlamentares, a aliança Vermelha-Verde 72, enquanto o neófito Partido dos Verdes obteve um. O Partido Vermelho não obteve nenhum mandato.
Existem fortes contradições no seio da coligação de Centro-Direita – particularmente entre o Partido do Progresso, por um lado, e os Democratas Cristãos e o Partido Liberal, pelo outro. Apesar de tudo, os quatro partidos asseguraram que a vitória eleitoral desse lugar a um novo governo de direita e, efetivamente, é o que vai ocorrer.
Os antecedentes
É importante conhecer os antecedentes do governo Vermelho-Verde derrotado para entender o que aconteceu nas eleições. Há que retroceder aos anos 2000-1, quando o Partido Trabalhista, já com Jens Stoltenberg como primeiro-ministro, liderava um governo de minoria. Esse governo levou a cabo um extenso programa de privatização e desregulamentação –e outras políticas de "Terceira Via" inspiradas em Toni Blair–, que fez com que a sua popularidade caísse entre os votantes tradicionais. O resultado foram umas eleições catastróficas em 2001, nas quais o Partido Trabalhista só obteve 24 por cento dos votos, o resultado mais baixo em eleições parlamentares desde 1924, que propiciaram um governo de Centro-Direita.
A situação deu a oportunidade de intervenção a um amplo setor do movimento sindicalista e outras forças progressistas. Formou-se então uma ampla coligação de forças sociais e, particularmente, o movimento sindicalista, sob a pressão de muitas das suas ramificações locais, adotou um papel político mais ativo e progressista. Em pouco tempo, estas forças empurraram o Partido Trabalhista para a esquerda e, pela primeira vez na história, forçaram-no a uma coligação com o Partido Socialista de Esquerda e o Partido do Centro. Com a pressão das mesmas forças, os três partidos empreenderam uma campanha por uma plataforma antiprivatização em 2005, ganharam as eleições e formaram um governo baseado na plataforma política mais progressista da Europa (ainda que a concorrência não seja muito dura).
Podem identificar-se quatro linhas principais que contribuíram para o sucesso:
1. Concentrar-se em análises alternativos – uma visão crítica sobre os acontecimentos atuais.
2. Construir alianças novas, mais amplas e menos tradicionais.
3. Desenvolver alternativas concretas à privatização e mercantilização.
4. Outorgar aos sindicatos papéis políticos mais independentes.
Entre outras coisas, a Confederação Norueguesa de Sindicatos (LO), pela primeira vez na sua história, apelou aos cidadãos a votarem por "um dos partidos Vermelho-Verdes", e não só pelo Partido Trabalhista, como tinha sido regra até então. Estes acontecimentos contribuíram para polarizar a campanha eleitoral entre a esquerda e a direita, algo que deu aos cidadãos alternativas políticas mais claras e os ajudou a mobilizarem-se por uma mudança progressista.
O governo Vermelho-Verde de 2005 começou o seu mandato implantando um grande número de políticas progressistas. Ainda assim, com a passagem do tempo e o declínio da pressão por parte dos movimentos, o governo retomou os posicionamentos políticos tradicionais e contrários ao Novo Curso que tinha prometido. Apesar de um amplo setor do movimento sindicalista ter ganho maior independência do Partido Trabalhista, outro setor mantinha-se ainda demasiado fiel para se opor e manter a pressão, quando disposições do Estado Social foram debilitadas ou orientadas para o mercado pelo seu "próprio" governo. Por outras palavras, o movimento sindicalista fracassou na sua tentativa de abordagem da transição do Partido Trabalhista da oposição para o governo. Este fracasso em manter a pressão sobre o Partido Trabalhista contribuiu provavelmente para a atual derrota eleitoral do governo Vermelho-Verde e transferiu parte da responsabilidade para o movimento sindicalista.
Os fundamentos do descontentamento
Com tudo isto, por que é que cada vez mais votantes vermelho-verdes estão descontentes com o "seu próprio" governo? Não se tratou só dos salários, dos rendimentos ou das condições de vida materiais dos cidadãos (à exceção dos exorbitantes preços da habitação, que fazem com que os jovens tenham cada vez mais dificuldades para aceder ao mercado dos imóveis). Está relacionado, sobretudo, com a evolução do mercado de trabalho (não todo, pois obviamente existe certa polarização). Aqueles que trabalhavam em condições mais duras não se sentiam representados pela aliança Vermelho-Verde. Muito pelo contrário, embora sob pressão por parte do movimento sindicalista, o governo introduziu algumas medidas importantes contra o dumping social.
A reestruturação do sector público através de políticas inspiradas na Nova Gestão Pública foi recebida com grande frustração e descontentamento –concretamente a reforma hospitalar sumamente impopular. Criou-se uma cultura da desconfiança –em particular como resultado do modelo de gestão por objetivos, o qual tem trazido consigo um crescente controle de cima, informes mais e mais exaustivos, uma maior centralização do poder juntamente com uma descentralização da responsabilidade, menos influência e controle sobre o trabalho próprio e maiores exigências de lealdade à gestão.
Em diversas partes tanto do setor público como do setor privado a crescente concorrência, fragmentação de empresas, externalização e incremento de investidores financeiros mais agressivos contribuíram para aumentar a intensidade do trabalho até um nível quase insuportável para muitos trabalhadores. Esta tendência está particularmente arreigada onde os sindicatos são débeis, ou onde os patrões, através da externalização, do trabalho concorrencial e do incremento dos empregos temporários, conseguiram não só debilitar mas inclusive desfazer os sindicatos. Esta crescente brutalização do trabalho cria uma sensação de impotência, resignação e frustração. As agressões e o descontentamento resultantes dirigem-se, certamente, aos políticos que estão no poder –e com razão.
Em última instância, a política de subsídios aos desempregados, orientada para aqueles que se encontram nas situações mais desprotegidas dentro do mercado de trabalho, não é entendida como uma ajuda por parte de um generoso estado do bem-estar, mas como um castigo repressivo e disciplinar. Certos componentes da ideologia do subsídio ao desemprego restauram parte da moral burguesa de finais do século XIX, segundo a qual os problemas sociais, o desemprego e a exclusão do mercado de trabalho deixam de ser considerados um problema social para, de novo, serem vistos como um problema individual –e a deontologia individual é o maior problema.
O governo Vermelho-Verde tinha-se tornado cada vez mais impreciso quanto às políticas de privatização e tinha fomentado uma comercialização extensiva de infentários. A reforma das pensões debilitou e individualizou o sistema de pensões ao excluir alguns grupos de salários baixos de um esquema de reforma antecipada, e também cortou as futuras pensões para os jovens. Tanto na pesca como na agricultura o governo seguiu políticas que contribuíram para introduzir a propriedade capitalista nessas indústrias, que no passado eram fortemente regulamentadas e organizadas de forma coletiva através de associações de produtores.
Ao contrário do que aconteceu na campanha eleitoral anterior, desta vez o governo Vermelho-Verde não propôs nenhuma reforma progressista para que os seus partidários pudessem mobilizar-se e com a qual pudessem obter o apoio e o entusiasmo necessários para uma nova vitória. “A alternativa política de direita é muito pior”, converteu-se no slogan extremamente defensivo para muitos integrantes do movimento sindical. Além disso, o governo Vermelho-Verde juntou-se às guerras imperialistas (Afeganistão, Líbia) e aumentou a sua cooperação com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, cooperação que na sua declaração de 2005 afirmou que reduziria. Podemos então observar o padrão claro de um governo que se afastou passo a passo da sua plataforma progressista e deslizou progressivamente para posicionamentos cada vez mais convencionais e suavemente neoliberais. Este é a razão por que perdeu as eleições, e é difícil explicar de outra forma que não seja constatar que o governo Vermelho-Verde caiu na sua própria armadilha.
O carácter do Partido Progressista
Muitos comentadores fora da Noruega expressaram a sua surpresa ao ver que o antigo partido político do terrorista Anders Behring Breivik, o Partido Progressista, vai fazer parte do novo governo, só dois anos depois dele ter perpetrado o assassinato em massa de 69 jovens social-democratas. Há anos que Breivik era membro da organização de jovens do Partido Progressista, mas na Noruega este partido nunca tinha sido condenado pelas suas ideias ou por ações terroristas. A ideologia extremada que Brevik expressou no seu manifesto e, de facto, os seus terríveis atos, desenvolveram-se estando ele em contacto com outras redes depois de abandonar o Partido progressista, ao qual criticou por excessivamente liberal.
O Partido Progressista da Noruega é um típico partido populista de direita, mas, comparado com muitos outros da mesma espécie, poderia parecer uma versão moderada. No entanto, é neoliberal no plano económico e anti-sindicalista. O partido, através da sua história, excluiu por um lado alguns membros que tinham expressado abertamente as suas opiniões racistas, mas pelo outro sempre fez o jogo de forma mais ou menos indireta ao sector xenófobo do eleitorado durante as campanhas políticas e, além disso, alberga certos membros anti-imigração. Detém alguns traços comuns com o Partido do Povo Dinamarquês e leva a cabo muitas das políticas dos Democratas Suecos, ainda que o próprio Partido Progressista não considere tais partidos como organizações irmãs.
Se o Partido Progressista conseguir fazer parte do novo governo de direita na Noruega, representará um avanço político para este tipo de partidos populistas de direita, o que poderá ser utilizado como ativo de marketing para partidos semelhantes noutros países.
Eleições de protesto
Nada sugere que exista uma exigência crescente de políticas de direita na Noruega. Os resultados das eleições são mais a expressão da frustração, do descontentamento e do protesto contra o governo, que estava em funções. As mudanças políticas, não obstante, rara vez são logicamente racionais. O partido populista de direita (Partido Progressista) sempre se mostrou hábil a explorar o descontentamento. Nas eleições deste ano também o Partido Conservador utilizou a sua habilidade para beneficiar do descontentamento generalizado com a aliança Vermelha-Verde. Suavizou a sua própria retórica política e tentou em vez disso apresentar-se como uma alternativa segura e compassiva aos Vermelho-Verdes, preocupando-se com os problemas do povo no dia a dia.
A realidade, certamente, será bem diferente. Na maior parte das áreas em que os cidadãos estão descontentes com os Vermelho-Verdes, o novo governo de direita será ainda pior. Haverá mais privatizações e mais comercialização dos serviços sociais, mais ataques aos acordos coletivos e à legislação de trabalho e cortes nos orçamentos públicos para financiar os seus cortes de impostos. A propriedade estatal será reduzida e o capital estrangeiro provavelmente aumentará a sua cota em sectores importantes da economia. Mais ainda, podemos esperar patrões e associações patronais mais agressivos e seguros de si próprios.
Dado o quadro de fundo sócio-político excecionalmente favorável na Noruega, com os seus abundantes rendimentos do petróleo e a sua maioria parlamentar assegurada, é fácil pensar que a coligação Vermelho-Verde poderia ter evitado a derrota eleitoral –não derramando o dinheiro do petróleo em causas mais merecedoras, mas democratizando o sector público em vez de mercantilizá-lo, regulamentando os mercados financeiros depois da crise em vez de resgatar unicamente os bancos, incrementando os impostos sobre os ricos em vez de manter os orçamentos públicos no mínimo, introduzindo uma política social de habitação, etc. Esta, de qualquer maneira, não parece ser a política favorita do preponderante Partido Trabalhista, e o Partido Socialista de Esquerda não foi capaz de mudar essa direção política.
A este respeito, a evolução política da Noruega segue o padrão que temos presenciado país atrás de país na Europa onde os partidos à esquerda dos social-democratas se uniram a eles no governo. Todas estas experiências, sem exceção, passaram do negativo ao desastre – em França, em Itália, na Noruega e agora está a ocorrer ainda mais rapidamente na Dinamarca – e os partidos políticos orientados mais à esquerda perdem a sua essência original em tais coligações.
Unir-se como sócio subalterno a um governo dominado por social-democratas numa situação em que os partidos social-democratas deslizaram muito para a direita, onde existe uma desregulamentação dos mercados financeiros e o neoliberalismo se constitucionaliza como modelo económico da Europa (ou pelo menos da União Europeia, pois ainda que a Noruega esteja formalmente fora, faz parte do mercado único), é, inevitavelmente, entrar num caldeirão sem saída. O que nos surpreende é que nenhum dos partidos de esquerda na Europa analise e aprenda com isso. Parece que o Die Linke na Alemanha, o Partido Socialista da Holanda e o Partido de Esquerda da Suécia estão todos a apontar a integração num governo dominado pela social-democracia.
Nós noruegueses devemos retomar o trabalho levado a cabo antes das eleições de 2005, para construir amplas alianças sociais, desenvolver um programa minimamente crítico com o sistema, lutar por um movimento sindicalista mais progressista e independente a nível político e forçar os partidos políticos a integrar-se no movimento laboral sob uma pressão cada vez maior. Devemos pugnar por uma mobilização real se queremos conseguir mudanças reais.
Noruega - Mandatos no Parlamento
2013
Mandato obtidos: SV – Partido Socialista de Esquerda; A – Partido Trabalhista; MDG – Partido dos Verdes; FRP – Partido Progressista; H – Partido Conservador; V – Partido Liberal; KRF – Democratas Cristãos; SP – Partido do Centro. Fonte: http://www.valgresultat.no/bs7g.html.
2009
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