Stathis Kouvelakis. Tirado de Carta Maior (aqui). Stathis Kouvelakis é professor de filosofia política no King´s College em Londres e co-diretor da revista Contretemps.
Numa publicação recente do "Socialist Worker" respondia-se à pergunta "Que forma tomou o reformismo grego?" (os termos em que se põe a questão já me parecem tendenciosos), Panos Garganas (líder do SEK, organização irmã do SWP britânico) resumiu a posição da Syriza na atual situação da seguinte forma: "Os líderes da Syriza asseguram que podemos escapar da austeridade reformando a União Europeia. Afirmam que um governo de esquerda não deveria dar passos de forma unilateral como o do cancelamento da dívida e a saída do euro. Pretendem negociar uma saída da austeridade. Asseguram que um orçamento com um valor acrescentado fortaleceria a posição da Grécia nas negociações com os seus credores. Isto na prática adia a promessa de acabar com a austeridade até que o governo alemão e os bancos concordem com isso. É por isto que reivindicamos na Antarsya [NR: coligação da esquerda radical que obteve menos de 2% nas eleições de 6 de maio] uma esquerda anticapitalista forte e a continuação das lutas."
À exceção da última frase, temo que esta afirmação esteja bastante longe de ser capaz de mostrar uma imagem adequada tanto da posição da Syriza como também dos parâmetros de demarcação dentro da esquerda radical e, de forma mais ampla, no marco da atual conjuntura.
É verdade que a posição geral da Syriza está a favor de uma transformação interna da UE, mas numa base de denúncia de todos os tratados europeus existentes (Maastricht, Lisboa, etc…).
Também é verdade que a Syriza se opõe à saída da zona euro, ainda que correntes importantes tanto dentro do Synaspismos como dos outros grupos desta frente política (que, por certo, também conta com um bom número de organizações significativas da extrema-esquerda grega, maioritariamente de origem maoísta e trotsquista) estão a favor dessa saída (ou consideram que é uma consequência inevitável).
Mas a Syriza conquistou o apoio da maioria do eleitorado de esquerda e tal como indica a sua posição liderante nas sondagens, provavelmente até o apoio duma maioria relativa do povo grego no seu conjunto, não por propor ficar à espera duma reforma da União Europeia ou de negociações para acabar com a austeridade, mas sim porque escolheram um governo de unidade de todas as forças de esquerda que se opõem à austeridade.
Esse eventual governo, como repete Alexis Tsipras, anularia imediatamente a totalidade do memorando infame, fazendo disso o seu "ato fundacional". O memorando não é negociável, afirmar o contrário seria como "tentar negociar com o inferno", como Tsipras recentemente assinalou.
Sobre esta base e a desta medida unilateral, um governo anti-austeridade exigiria uma renegociação da dívida para poder anular a maior parte dela. Se esta reivindicação pela renegociação fosse rejeitada, então a Grécia deixaria de pagar a dívida e declararia uma moratória pelo tempo necessário a permitir um desfecho favorável da renegociação, seguindo a linha já adotada no passado em negociações semelhantes (como a Argentina, no caso mais recente).
A Syriza diz que estas ações não implicariam uma saída da zona euro nem a interrupção dos pagamentos em vigor que são feitos ao país por causa do plano de resgate.
As declarações de responsáveis da UE e líderes europeus a afirmar o contrário são apresentadas como uma guerra de propaganda visando pressionar o eleitorado e evitar o crescimento da Syriza, cuja posição, é importante reforçar, reflete a vontade da grande maioria da população grega, que rejeita a austeridade mas não quer sair da zona euro.
Essas declarações também demonstram que, como Larry Elliot escreveu no Guardian, "a Europa ganha forma quando se trata de assegurar que os eleitores votam "como deve ser".
No entanto, é verdade que parece muito improvável que a UE, representando os interesses dos credores da Grécia e os do capital financeiro europeu em geral, não vá reagir à saída unilateral do enquadramento de austeridade presente no Memorando.
As recentes declarações dos líderes da Syriza mostram que estão conscientes da necessidade de um tal plano de contingência, mas os seus contornos ainda não estão claros, já que contribuiriam inevitavelmente para a saída do euro e o não pagamento da dívida.
As duas possibilidades lógicas aqui presentes, se a Syriza vencer as eleições de 17 de junho e liderar o próximo governo, são ou a rendição, renegando o compromisso de revogar o memorando, o que levaria ao desastre absoluto não apenas para a Syriza mas para a esquerda radical no seu conjunto e sobretudo para o povo grego, ou levar a cabo uma longa batalha que certamente levaria a resultados muito para além dos objetivos avançados pela Syriza.
Creio que isso estaria de acordo com um padrão histórico bastante comum de processos de mudança política e social, onde a dinâmica da situação, naturalmente potenciada pela pressão da mobilização popular, empurra os atores (ou pelo menos alguns deles) mais adiante do que era a sua intenção inicial. É isto que mais assusta as forças dominantes na Grécia e na Europa e isso explica a campanha histérica contra a Syriza e a perspectiva aberta pela sua possível chegada ao poder.
O que está em jogo nesta batalha é imenso, é provavelmente a mais significativa que temos na Europa desde a Revolução dos Cravos em Portugal. Neste contexto, todas as forças da esquerda radical devem trabalhar tão juntas quanto possível, não apenas no terreno das lutas e das mobilizações, que é um ponto de partida indispensável, mas também politicamente, para ajudar a situação a radicalizar-se e desencadear toda a sua força.
As polêmicas estéreis, reiterando o padrão tão familiar de "desmascarar o inimigo reformista", devem então ser evitadas a favor de uma discussão fraterna, que inclui com certeza a clarificação aprofundada das desavenças reais e que são bem-vindas entre as forças do nosso campo político. As nossas responsabilidades são enormes, milhões de pessoas têm os olhos postos na Grécia como o nome e o lugar da esperança, de uma possibilidade concreta para a tão esperada vitória popular.
À exceção da última frase, temo que esta afirmação esteja bastante longe de ser capaz de mostrar uma imagem adequada tanto da posição da Syriza como também dos parâmetros de demarcação dentro da esquerda radical e, de forma mais ampla, no marco da atual conjuntura.
É verdade que a posição geral da Syriza está a favor de uma transformação interna da UE, mas numa base de denúncia de todos os tratados europeus existentes (Maastricht, Lisboa, etc…).
Também é verdade que a Syriza se opõe à saída da zona euro, ainda que correntes importantes tanto dentro do Synaspismos como dos outros grupos desta frente política (que, por certo, também conta com um bom número de organizações significativas da extrema-esquerda grega, maioritariamente de origem maoísta e trotsquista) estão a favor dessa saída (ou consideram que é uma consequência inevitável).
Mas a Syriza conquistou o apoio da maioria do eleitorado de esquerda e tal como indica a sua posição liderante nas sondagens, provavelmente até o apoio duma maioria relativa do povo grego no seu conjunto, não por propor ficar à espera duma reforma da União Europeia ou de negociações para acabar com a austeridade, mas sim porque escolheram um governo de unidade de todas as forças de esquerda que se opõem à austeridade.
Esse eventual governo, como repete Alexis Tsipras, anularia imediatamente a totalidade do memorando infame, fazendo disso o seu "ato fundacional". O memorando não é negociável, afirmar o contrário seria como "tentar negociar com o inferno", como Tsipras recentemente assinalou.
Sobre esta base e a desta medida unilateral, um governo anti-austeridade exigiria uma renegociação da dívida para poder anular a maior parte dela. Se esta reivindicação pela renegociação fosse rejeitada, então a Grécia deixaria de pagar a dívida e declararia uma moratória pelo tempo necessário a permitir um desfecho favorável da renegociação, seguindo a linha já adotada no passado em negociações semelhantes (como a Argentina, no caso mais recente).
A Syriza diz que estas ações não implicariam uma saída da zona euro nem a interrupção dos pagamentos em vigor que são feitos ao país por causa do plano de resgate.
As declarações de responsáveis da UE e líderes europeus a afirmar o contrário são apresentadas como uma guerra de propaganda visando pressionar o eleitorado e evitar o crescimento da Syriza, cuja posição, é importante reforçar, reflete a vontade da grande maioria da população grega, que rejeita a austeridade mas não quer sair da zona euro.
Essas declarações também demonstram que, como Larry Elliot escreveu no Guardian, "a Europa ganha forma quando se trata de assegurar que os eleitores votam "como deve ser".
No entanto, é verdade que parece muito improvável que a UE, representando os interesses dos credores da Grécia e os do capital financeiro europeu em geral, não vá reagir à saída unilateral do enquadramento de austeridade presente no Memorando.
As recentes declarações dos líderes da Syriza mostram que estão conscientes da necessidade de um tal plano de contingência, mas os seus contornos ainda não estão claros, já que contribuiriam inevitavelmente para a saída do euro e o não pagamento da dívida.
As duas possibilidades lógicas aqui presentes, se a Syriza vencer as eleições de 17 de junho e liderar o próximo governo, são ou a rendição, renegando o compromisso de revogar o memorando, o que levaria ao desastre absoluto não apenas para a Syriza mas para a esquerda radical no seu conjunto e sobretudo para o povo grego, ou levar a cabo uma longa batalha que certamente levaria a resultados muito para além dos objetivos avançados pela Syriza.
Creio que isso estaria de acordo com um padrão histórico bastante comum de processos de mudança política e social, onde a dinâmica da situação, naturalmente potenciada pela pressão da mobilização popular, empurra os atores (ou pelo menos alguns deles) mais adiante do que era a sua intenção inicial. É isto que mais assusta as forças dominantes na Grécia e na Europa e isso explica a campanha histérica contra a Syriza e a perspectiva aberta pela sua possível chegada ao poder.
O que está em jogo nesta batalha é imenso, é provavelmente a mais significativa que temos na Europa desde a Revolução dos Cravos em Portugal. Neste contexto, todas as forças da esquerda radical devem trabalhar tão juntas quanto possível, não apenas no terreno das lutas e das mobilizações, que é um ponto de partida indispensável, mas também politicamente, para ajudar a situação a radicalizar-se e desencadear toda a sua força.
As polêmicas estéreis, reiterando o padrão tão familiar de "desmascarar o inimigo reformista", devem então ser evitadas a favor de uma discussão fraterna, que inclui com certeza a clarificação aprofundada das desavenças reais e que são bem-vindas entre as forças do nosso campo político. As nossas responsabilidades são enormes, milhões de pessoas têm os olhos postos na Grécia como o nome e o lugar da esperança, de uma possibilidade concreta para a tão esperada vitória popular.
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