0.-Introdução
Não é pouco o que se leva falando sobre a indignação durante os
últimos tempos no Estado espanhol, sobretudo após a eclosão do
chamado 15-m ou movimentos
dos indignados1.
Ao igual que Occupy Wall Street
nos EUA ou que a Geração à rasca em
Portugal (com algumas tentativas auto-centradas na Galiza que
passaram quase desapercebidas como Mexan por nós e temos
que dicir que chove) uma maré
de cidadãos, fundamentalmente mocidade, ocuparam espaços públicos
para mostrar a sua indignação pela situação atual desamalhoada
pela brutal crise económica.
O 15-m é um movimento urbano que
não interferiu em absoluto nos sectores básicos da vida social e
económica, tal e como expõe Bermejo [2012: 74]. No
entanto, é um movimento que «habería
que interpretar como unha renovación da fe na democracia
precisamente a partir dunha crítica radical a un sistema político:
o da España do ano 2011, que conseguiu afundir as institucións da
democracia non máis absoluto descrédito».
Para o catedrático de história da USC, o 15-m é um «movimento
social», já veremos como isto em nossa opinião não é assim, que
se viu favorecido pela repercussão mediática e pela coincidência
com umas convocatórias eleitorais muito pouco capazes de suscitar já
quase nenhum entusiasmo.
Cumpre dizer que do movimento do
15-m saíram
diversas plataformas e movimentos sociais que contribuíram para uma,
muito parcial ainda bem é certo, (re)politização da sociedade
algo fundamental para que podam dar-se as condições subjetivas que
requer uma verdadeira transformação social que aposte pela rutura
sistémica. No entanto, como Xosé Manuel Beiras ou Tariq Ali têm
assinalado, a indignação não deixa de ser um estado psicológico
individual que, não transformar-se em rebelião organizada e com um
programa claro, é bem pouco incómoda para o poder estabelecido:
Os movementos
de ocupación das prazas, dos espazos públicos, son moi importantes,
mais trátase dun xesto simbólico. Ocúpase un espazo público, mais
a política segue por detrás o seu rumbo anterior, por iso
o movemento Occupy non
formula unha oferta concreta para a xente, unha alternativa, e niso
radica o problema. A ocupación das prazas en si simboliza o xesto
dun profundo descontento. Tras os masivos movementos de ocupación
das prazas de España que pasou? Non tiveron ningún impacto nas
eleccións, dado que a maioría da ente nova afirmou que non ía
votar, actitude que entendo, mais como mínimo votasen por calquera
dos partidos de esquerda que valla a pena. Por suposto que non se
trata de votar polos socialistas ou pola dereita, senón votar por
partidos de esquerda que mostren unha alternativa válida, é un
compromiso cun mesmo, vale a pena levalo a cabo. A data de hoxe non
existe unha alternativa que non implique os votos, e aínda non se
creu ningunha outra alternativa dentro do político
[Ali, 2013].
Quando acabamos de ultrapassar o
aniversário do movimento,
em rigor a falta duma mínima organização faz que o 15-m não seja
um movimento mas um protesto mais ou menos espontâneo do que sim
saíram movimentos ou em que se integraram pessoas de diversos
movimentos, sindicatos e forças políticas, temos já margem avonda
para vermos até onde chegaram ou não os logros do movimento.
Outro tipo de movimento
está na Espanha e Grécia, que foram movimentos imensos, não
somente protestos simbólicos. (…) mas que não formularam uma
carta ou programa ainda que de limitadas exigências. É evidente que
o pensam, mas não o codificaram, não o puseram num plano que
pudesse unir as pessoas por um longo tempo. Por isso, apesar dos
imensos movimentos, tivemos na Espanha a vitória da direita nas
eleições, os movimentos não participaram da política porque dizem
que “a política é suja, asquerosa, manchada”. Isso é um
problema porque ou se faz uma revolução – que não é possível
neste momento – ou se intervém no sistema político, tal como
está, como na América do Sul, e tenta-se mudá-lo com novas
constituições ou seja lá o que for. Não fizeram, e Espanha é um
grande fracasso.
[…]
Creio que se houvesse
500 ou 600 pessoas pensando com clareza... Na Grécia há a
combinação de mobilizações massivas e grupos escleróticos,
atrofiados na esquerda. O Partido Comunista do Exterior, o Partido
Comunista do Interior, cinco dúzias de grupos trotskistas que sequer
podem se unir entre si, muito menos oferecer liderança às massas2.
[Ali, 2012]
Estas fraquezas não podem tampouco impedir-nos algumas virtudes como
a superação. em capas mais ou menos amplas da mocidade e da
cidadania em geral, da pós-política propugnada pela filosofia
pós-moderna superstrutura justificadora da ortodoxia económica
ultraliberal. Por exemplo, e entroncando com o dito por Tariq Ali,
Xosé Manuel Beiras leva fazendo numerosos chamados à rebelião
cívica e a necessidade que sejam a cidadania e não simplesmente os
partidos os que a executem. Sem uma sociedade civil (ativa,
organizada e viva) é impossível mudar o atual estado de cousas,
ainda no caso de que uma força política da esquerda real atingira
uma maioria parlamentar.
1.- Subversismo
Nos seus Cadernos do
cárcere o célebre marxista
italiano Antonio Gramsci deixa-nos uma noção que, em nossa opinião,
muito pertinente. Para além de ser autor de textos de raivosa
atualidade como “Ódio os indiferentes” [Gramsci, 2011]3,
queremos focalizar aqui a noção gramsciana de subversismo
[Gramsci, 2000].
Com este termo Gramsci denominava as formas de rebelião privadas e
não organizadas, ou seja, aquelas que se fundamentam num forte
ressentimento contra o Estado, deploram ou desprezam o espetáculo
que oferecem os poderosos, mas ao tempo interiorizam a posição de
subordinação em que os situa o sistema. Isto poderia igualmente
ligar-se com os períodos em que existe uma consciência de classe
muito baixa, já que em Marx a pertença dum sujeito à categoria de
proletariado – uma abstração terminológica para fazer uma
análise ao fim e ao cabo– é antes de mais vontade; quer dizer, o
indivíduo assume uma posição subjetiva.
Segundo Pierre Rimbert e Razmig
Keucheyan [2013: 8], que também falam recentemente desta categoria
de subversivismo:
El pueblo italiano,
decía Gramsci, se inclina al “subversivismo”... lo cual
alimentaría el fascismo. El Estado unificado durante el Risorgimento
(“resurgimiento”),
a finales del siglo XIX, sigue sin completarse del todo por lo que
los canales de expresión colectiva que existen en otros países –
partidos, sindicatos, asociaciones, instituciones democráticas– no
son lo
suficientemente robustos. Una corrupción endémica genera un bajo
nivel de cumplimiento de las leyes y alimenta el cinismo respecto de
las instituciones. El “subversivismo” afecta a las clases
populares, pero también a las élites. Por eso, en la Italia
contemporánea, este término alude tanto al señor Silvio Berlusconi
u su incesante guerrilla contra el poder judicial, como a Giusseppe
“Beppe” Grillo y su movimiento 5 estrellas, cuya agenda política
es cuando menos ambigua.
Então, do dito infere-se que o “subversivismo” expressa um
pessimismo respeito à possibilidade duma mudança duradoira nas
relações sociais. Gramsci emprega o oxímoro “rebelião
apolítica”, já que se trata duma rebelião sem programa e,
já que logo, sem futuro nem possibilidade de transformação real do
realmente existente (antes de mais pode favorecer um importante
retrocesso ou até preparar o caminho para o fascismo). No Estado
espanhol, o ascenso de UpyD, movimento da extrema direita, ou as
políticas do PP que ainda contam com um amplo respaldo contrastam
com a altíssima simpatia com a que conta o 15-m4,
onde 78% da cidadania concorda com os seus motivos de protesto.
2.- Pós-política e pós-modernismo
A despolarização ideológica, a consagração do que Tariq Ali
denomina o extremo centro, trai consigo a dúvida de que uma
mudança na maioria social provoque uma mudança na política e até
se chega a rejeitar mesmo a política, ou seja, confundem-se uns
instrumentos de classe – os partidos políticos, que na sua
vertente sistémica apoiam as elites ciumentas de manter um
bipartidismo que nunca toque a economia política ultraliberal- com a
transformação social: a Política.
Segundo Bermejo [2012: 81] a desaparição do debate político e a
implantação do pensamento único, segundo o qual não há
alternativa política à democracia liberal e burguesa, não é
possível outra economia que a capitalista na sua fasquia
ultraliberal, não se pode enxergar outro sistema produtivo que o
tecno-científico, trouxe como consequência que a maioria da gente
pense que a política não faz já sentido.
Aumenta assim o cinismo entre grande parte da população ao testar
a distância entre um discurso cada vez mais oco dos dirigentes dos
partidos sistémicos e a realidade da sua praxe. Rimbert e Keucheyan
[2013:8] engadem:
El “subversivismo”, decía Gramsci puede ser de
izquierda o de derecha. Pero en tiempos de crisis, se inclina
irremediablemente hacia el conservadurismo. Para que aparezca otra
salida, la movilización política abre más oportunidades que las
revelaciones mediáticas.
Por outra banda, Žižek [2010a:
86-88]
diz-nos que o sistema eleitoral está concebido sobre o modelo de
competência do mercado. E aponta para uma questão central que não
devemos perder de vista: as decisões económicas são decisões
políticas que, no entanto, o pós-modernismo apresenta – na sua
rama pós-política – como se estiveram fora da política. Em
palavras do filósofo esloveno:
En la medida en que
la economía está considerada la esfera de la no-ideología, esse
mundo feliz de mercantilización global se considera a sí mismo
postideológico. Desde luego, los AIE están todavía aquí; más que
nunca. Sin embargo, en la medida en que, en su autopercepción, la
ideología está localizada en sujetos (…) esta hegemonía de la
esfera económica no puede hacer otra cosa que aparecer como la
ausencia de ideología. (…) La economía funciona así como un
modelo ideológico en sí mismo, de manera que estamos plenamente
justificados para decir que esta na operativa como un AIE (en
contraste con la vida «real», que sin duda no siguel el modelo
idealizado del mercado liberal).
[…]
Em mandamiento TÚ
NO PUEDES es su mot
d'ordre: no puedes
comprometerte en grandes actos colectivos que necesariamente acaban
en el terror totalitario; no puedes aferrarte al viejo Estado del
bienestar que te vuelve no-competitivo y conduce a la crisis
económica; no puedes aislarte del mercado global sin caer presa de
la juche
norcoreana. En su versión ideológica, la economía también añade
su propia lista de imposibilidades, los llamados valores umbrales –
no más de dos grados de calentamiento global – realizados por
especialistas.
O trecho do filósofo esloveno é
de por sim bastante revelador do que significa a pós-política. A
negação da política foi uma constante no poder. No
caso da URSS Trotski, Lenine e outros compreenderam que o isolamento
da revolução socialista num só estado trairia consigo uma série
de perigos não contemplados na teoria marxista. Se se quer
compreender dum modo histórico a génese do poder absoluto da
burocracia soviética, não há que vê-la como o resultado dum
complot,
nem como o resultado automático duma determinada estrutura
sócio-económica.
Como afirma Mandel [2013] para
compreender o processo histórico é necessário atender à
«pasividade
crecente do proletariado soviético no curso dos anos
20», já que este
é «o
elo decisivo para comprender como se pasou dunha situación de
intensa actividade política e económica do proletariado soviético
en 1917, á súa expropiación política total 10 ou 15 anos máis
tarde». Ernest
Mandel explicou esta passividade – a morte da sociedade civil que
pudesse desenvolver mudanças no seio do Estado soviético- mediante
uma série de fatores:
- A destruição física duma parte da vanguarda operária durante a guerra.
- A deceção a causa do fracasso da revolução mundial, que Trotski defenderia em A revolução permanente face o «socialismo num só país» de Estaline.
- A fome e miséria generalizadas, que puxaram todas as energias a resolver os problemas individuais de cada dia;
- O enfraquecimento das estruturas institucionais que favoreciam a atividade política do proletariado.
A maiores, Mandel
engade:
A historia demostrou
que o medio máis adecuado para combater ideoloxicamente e
socioloxicamente os perigos da restauración do capitalismo é a
continuación da actividade política do proletariado: era necesario
crear condicións que favorecesen a repolitización do proletariado
soviético, mentres que a supresión da democracia proletaria [o
principio do partido único] era un poderoso obstáculo en contra de
tal repolitización, e cara a máis fácil burocratización que
Lenine principalmente quería evitar.
Já que logo, para além das
lições que como socialistas podemos tirar do texto de Mandel,
podemos perguntar-nos se o bipartidismo na democracia liberal não
funciona seguindo um funcionamento semelhante ao partido
único. E
perguntar-nos se a corrupção – apresentada na mídia como algo
individual ainda nos casos em que se vê que afeta ao conjunto, por
exemplo Bárcenas e não o conjunto do PP-, impune a maior parte das
vezes, não responde a uma realidade intrínseca à superstrutura
jurídico-política do Estado espanhol. Por outras palavras, não
consegue o binómio político-mediático prodigar e alongar essa
corrupção mediante a sua impunidade e o cinismo que provoca na
população que alimenta uma pós-política que impede a alteração
do status quo?
Na atualidade, e seguindo com a nossa tese, assistimos a uma nova
forma de negação do político: a pós-moderna post-política,
que até se inseriu em boa medida em bastantes discursos elaborados
desde a esquerda. Esta pós-política não reprime apenas o político,
intentando contê-lo e pacificar a (re)emergência do oprimido, mas
também exclui-o. Como diz Žižek
[2010b] «en
la postpolítica
el conflicto entre las visiones ideológicas globales, encarnadas por
distintos partidos que compiten por el poder, queda substituido por
la colaboración entre los tecnócratas ilustrados (economistas,
expertos en opinión pública...) y los liberales multiculturalistas
(…); de esta manera la postpolítica
subraya la necesidad de abandonar las viejas divisiones ideológicas».
Porém, cumpre lembrar que o verdadeiro ato político ( a
intervenção na praxe – que se fundamenta na teoria dito seja de
passagem– ) não é apenas qualquer elemento que funcione no
contexto das relações existentes mas, sobretudo, aquilo que
modifica o contexto que determina o funcionamento do sistema-mundo
capitalista.
Todavia, a verdadeira política
não é arte do possível, mas reclamar o impossível. Pois, só
mudando os parâmetros do realmente existente é possível modificar
o horizonte de expectativas social que torna algo possível
ou impossível.
E nessas coordenadas há que confrontar-se com uma violência que
conduz ao que Mandel assinalava para explicar a burocratização da
URSS: a fome impede assumir a condição subjetiva de proletário,
quer dizer, desenvolver a consciência de classe.
A violência estrutural é
inerente às condições sociais no capitalismo, que a crise só fixo
incrementar-se passando um estado social em Eurolândia para um
estado penal e do wellfare
state ao warfare
state. E esta
violência pode ser objetiva: a produção de exclusão social como
sem-teito e desempregados, a repressão do aparelho jurídico-político
do Estado ou o constitucionalismo autoritário de que tem falado
Beiras5;
ou subjetiva, o emprego dos AIE como a grande mídia ao serviço do
poder e o novo racismo fascista que tenho denominado como darwinismo
social militarizado –
onde a vítima é inculpada da sua sorte e o que Hobsbawm denominou
«imperialismo dos direitos humanos» permite-nos implantar
democracias
ao tempo que se entrega o governo de
facto da UE a
instituições que escapam no controlo mais mínimo por parte da
sociedade civil por toda a parte [Fente
Parada, 2011].
O darwinismo
social militarizado
entronca não apenas com o nazismo pela banda do racismo e a
exclusão, mas também com a paulatina intensificação do estado
penal e a violência (objetiva ou subjetiva) que é exercida sobre a
maioria social. No que Naomi Klein, no seu livro The
shock doutrine, tem
denominado como «capitalismo do desastre» estamos a ver como se
espalha o modelo carcerário dos EUA, baseado num novo gerencialismo
(new public management)
em que a empresa privada vai usurpando todas
funções públicas: encarecem-se
os serviços – que logo disse que são insustentáveis – os
benefícios para a empresa privada e as perdas assume-as o cidadão
via impositiva. O círculo fecha-se e a democracia liberal reduz-se
à mínima expressão.
O cidadão já não é mais do
que um consumidor duma ou outra opção política, uma eleição
estética em que como consumidor tem muito pouca incidência sobre os
seus fideicomissos e sem nenhuma implicação ética. Hoje podemos
consumir uma marca branca, uma marca de gama meia ou produtos de gama
alta... tanto faz, todos guardam a mesma ética e todos saim e
alimentam um mesmo modo de produção que vai afogando a soberania
alimentar. Que pode esperar-se então do bipartidismo PSOE-PP? Uma
escolha entre a Pepsi e a Coca-Cola? Podemos mercar Cola-Dia
anunciada por Rosa
Díez envasada na mesma planta embotelhadora que compartilha o mesmo
capital e os mesmos interesses do PP?
Não deixamos de estar no
universo pós-moderno onde todo e nada é autêntico: cerveja sem
álcool, café sem cafeína, ciência com religião e até economia
sem política. O pior
escravo é aquele que aceita a sua condição porque a sua dignidade
foi apagada e porque nem dispõe nem quer dispor das ferramentas para
a luta, e estas ferramentas são sempre coletivas e de classe
(chamem-se partidos, sindicatos, movimentos... ou como for). E este
é o paradoxo dos nossos tempos: como desenvolver a intervenção e a
transformação na realidade renunciando à política mesmo? Como
entender o mundo para mudá-lo se “não somos nem esquerda nem
direita”? Qual é então a ferramenta de análise novíssima que
prescinde da classe e do programa? Não chega com ser dos de “abaixo”
se esse abaixo amplo não é quem de artelhar um relato, um programa
e uma praxe que demonstrem o impossível
é realmente possível e desejável. E que apenas não há
alternativa num ponto: negar-se a aceitar o atual estado de cousas e
lutar por mudá-lo.
3.- Fascismo ou revolução?
Qual revolução e quais
revolucionários?
Como advertia Karl Marx a progressiva introdução de melhoras
técnicas alimenta a bomba do desemprego do capitalismo, alimentando
as contradições e os antagonismos inerentes ao sistema. Hoje, no
entanto, no sistema-mundo capitalista existe o maior proletariado,
objetivamente falado na história, só que já não está em Europa o
que ajudou a alimentar a confusão na esquerda do centro do sistema,
incapaz de desenvolver modelos auto-centrados na sua realidade: entre
a mímese dos modelos de América latina e a nostálgia por um modelo
de socialismo que fracassou estrepitosamente por confundir a vitória
(transitória) do proletariado com o fim da política. Nunca pode
fazer-se política sem política, nem avançar sem uma sociedade
civil viva e plural.
Ainda assim, volta-se a um capitalismo selvagem após a queda de qualquer sistema que puder apresentar uma alternativa e limita-se também que poda apresentar-se qualquer relato afirmativo porque estamos, segundo os pós-modernos, no fim da história. Caminhamos assim para uma sociedade da quinta parte onde uma maioria da Humanidade viverá na miséria e escravidão porque não somos competitivos.
A começos do século XXI 500.000 pessoas reuniam um terço do
património privado dos EUA. Em 1980 já apenas eram 250.000, com 37
milhões de pobres que configuravam um “quarto mundo” invisível
engarçado no centro do capitalismo mágico do que Schumpeter
denominou «destruição
criativa». O novo imperialismo, denominado globalização,
esquece-se de 1.200 milhões de desafiuçados pelo sistema.
Esquece-se 1.000 milhões que morrem literalmente de fome ou dos 160
milhões de crianças que sofrem desnutrição severa ou moderada.
Quando se aponta à URSS ou aos estados leninistas como fábricas de
morte, esquece-se que o capitalismo – nas suas imprescindíveis
cloacas para alimentar o lucro duns poucos – assassina mais pessoas
do que nenhum outro sistema. Porém, o relato oficial acocha tudo o
que pode a realidade, manipula-a e, quando não é possível,
apresenta o que é consubstancial ao sistema como um simples
“acidente” em que não cumpre ir às causas últimas chegando com
culpabilizar as vítimas.
Hodierno, 1% da população dos
EUA ganha mais do que os 100 milhões mais pobres do país, ou seja o
1% acumula mais benefícios do que 20% da população. O livre
mercado e a luta de classes é evidente que funcionam.
O pós-modernismo nascido do
fracasso do maio do 68 francês trouxe também na esquerda graves
consequências: a claudicação da social-democracia no
social-liberalismo e a assunção da primazia absoluta do
individualismo e até do narcisismo. Callinicos [1995: 271] no
capítulo final (“Os filhos de Marx e da Coca-Cola”) do seu livro
Contra o pós-modernismo explica-o assim:
O fracaso destas
loitas en facer incursións duradoiras no poder
do capital foi continxente, reflectindo non só a lóxica inmanente
ao sistema senón tamén a dominación do movemento da clase
traballadora occidental por organizacións e ideoloxías que, xa
saísen da social democracia xa da tradición estalinista, estaban
compremetidas en alcanzar reformas paciais dentro do marco da
colaboración de clase. A intervención do Partido Comunistra Francés
para rematar a folga xeral de maio-xuño de 1968 repetiuse en moitas
outras ocasións noutras partes, desde o Pacto Social acordado polo
Congreso dos Trade Unions británicas co goberno laborista de
1974-79, aos pactos da Moncloa en 1977 cos que os socialistas e
comunistas españois concedían o seu apoio aos herdeiros de Franco.
É mais, infelizmente, conforme a
classe trabalhadora dos países avançados se movida da ofensiva à
defensiva a esquerda consequente topava-se isolada e muitas
organizações sucumbiram a uma crise de militância em boa medida
produto de que esses partidos, ao igual que os fagocitados pelas
instituições, convertaram-se num fim em si próprios. Um fim, onde
os ingredientes e as consequências do ideologicismo e a
marginalidade, afastavam-nos do sucesso que esperavam obter em maio
do 68 ou na altura da sua criação. O nostoi ou regresso à
realidade daquela geração é essencial para entendermos o auge do
pós-modernismo ao perderem as esperanças de revolução socialista.
Para boa parte de Europa ocidental o muro de Berlim não caiu em
1989, mas entre 1968-1976.
A maior parte daqueles
revolucionários passaram a alimentar a nova classe meia
consumista da pós-guerra, ocupando posições na administração ou
executivas... a contra-revolução ultraliberal alimentou a adesão
das classes baixas à direita, enquanto os filhos de Marx e da
Coca-Cola apostavam por uma Terceira Via que levou a
esquerda à desorientação e à impostura. A solvência científica
e intelectual evaporou-se da maior parte da esquerda e o esquerdismo
(ou o que Lenine denominou a doença infantil do comunismo)
converteu-se num ghetto sem nenhuma capacidade para atuar
diretamente sobre a realidade refugiando-se numa teoria que não era
necessário que for testada na praxe. Passou-se a adoção do que
resulta uma pose estética baseada no enjeitamento a tratar com rigor
a realidade social verdadeiramente existente para compreender e
transformar a realidade.
Não seria até a emergência do
EZLN em México e do altermundismo que começaria a
enxergar-se um novo relato alternativo na esquerda, no entanto, por
vezes cheio de pós-modernismo onde a reflexão para a praxe é algo
secundário e onde, em boa medida, se desistia de qualquer
transformação sistémica com o tão mal entendido: pensa global,
atua local. Enquanto no social-liberalismo desaparecia
definitivamente Marx e apenas ficava a Coca-Cola, na esquerda não
resignada, ao não enxergar-se o quê fazer e ao não poder em
grande parte dos casos testar na praxe a teoria, subsumiu-se na
pós-modernidade líquida – e a Cola de marca branca também
é líquida – e na perda dos valores da Ilustração. Essa
pós-modernidade líquida incapaz de ver como transformar o ético e
não apenas o estético, que criou etiquetas e relatos que muitas
vezes são filosoficamente confusos, estrategicamente ocos,
sociologicamente inconsistentes e, em última instáncia,
teoricamente estériles.
E assim como chegamos ao
dia-a-dia de hoje na esquerda: entre uma dissidência pretensamente
líquida – para não reconhecer-se incapaz de desenvolver as
tarefas que a nossa altura histórica exige – e uma renúncia
social-liberal que desarmou ideológica e eticamente a toda a
esquerda. Apenas das cinzas e com a (re)politização da sociedade
civil (do compromisso militante individual, mas também do cérebro
coletivo) será possível conceber rachar com o possível para
reclamar o impossível. A tarefa da velha esquerda - no
sentido de assumir o melhor da tradição republicana e socialista-,
hoje tão deostada, é precisamente armar ideologicamente e fazer
pedagogia política para dotar de programa e ilusão uma indignação
marcada pelo individual, o protesto sem futuro e a derrota. Não
deixemos que chegue a nós uma nova queda do muro de Berlim, talvez
desta volta já irreparável.
4.- Conclusão
Começaremos esta recapitulação volvendo sobre o já citado texto
de Žižek [2010a:
89]:
La nuestra es una
situación opuesta a la situación clásica de principios del siglo
XX, en la que la izquierda sabía lo que había que hacer (establecer
la dictadura del proletariado), pero tenía que esperar pacientemente
el momento adecuado de ejecución. Hoy en día no sabemos qué es lo
que tenemos que hacer, pero tenemos que actuar ahora (…). […] O
como dijo Gramsci, la nuestra caracteriza una época que empezó con
la Primera Guerra Mundial,
«el viejo mundo está agonizando, y el nuevo mundo lucha por nacer:
ahora es el tiempo de los monstruos».
Dizia Goya que o sonho da razão
produz monstros. Os mesmos monstros dos que Gramsci nos fala quando é
o tempo do que Giovanni Arrighi denominou como caos sistémicos,
seguindo a escola de Fernand Braudel do sistema-mundo. Hoje, desde a
política sem política pedem-nos paciência e resignação... «Piden
todo o contrario do que é a política: esperanza, entusiasmo e,
cando fai falta indignación» [Bermejo, 2012: 83].
Dito isto, o que queremos
concluir através desta exposição breve sobre o 15-m é a
necessidade urgente de rearme da esquerda, a necessidade um programa
e avançar baseando-se na reflexão e testando-a na praxe. É a
conversão da indignação individual em rebelião cívica coletiva e
organizada. É a capacidade de compreender que o novo nasce do velho
e requer identificar que cumpre mudar afastando-se de inercias
conservadoras e que cumpre manter e até reforçar. É a necessidade
de revolução e não de reforma. É a imprescindível preponderância
da razão, junguindo o otimismo da vontade com o pessimismo da razão.
É a evidência da necessidade da pedagogia como ferramenta para a
construção duma nova hegemonia, no sentido gramsciano, que conforme
um novo bloco histórico que compreenda a atualidade do eixo
esquerda-direita. É a urgente necessidade de alianças na esquerda e
de reartelhar o internacionalismo de classe. É, em definitiva, a
necessidade de (re)politizar uma maioria social para evitar uma nova
vitória do fascismo, disfarçado com o fato pós-moderno, toda vez
que o subversismo alimente a pós-política alienante.
NOTAS A RODAPÉ
1Veja-se por exemplo uma resenha dum livro que foca o tema desde a Galiza: "15-m O pobo indignado" em À revolta entre a mocidade: http://revoltairmandinha.blogspot.com.es/2011/12/15-m-o-pobo-indignado.html
2É evidente, no entanto, que a irrupção de Syriza contribuiu para remudar por completo este panorama. Também no Estado espanhol a experiência de Alternativa Galega de Esquerdas (AGE) está a inspirar movimentos semelhantes que apostam pelo frentismo em tudo o estado. Por exemplo, Arcadi Oliveres e outros impulsam um achegamento nos Països Catalans entre as CUP e ICV.
3Pode consultar-se uma tradução para o galego feita por quem isto escreve na seguinte ligação:http://revoltairmandinharevista.blogspot.com.es/2011/11/gramsci-odio-aos-indiferentes.html
4"El 15-m mantiene la simpatía ciudadana dos años después" em El País (18-05-2013):
Bibliografia:
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(2012),
“Só protestar simbolicamente não é suficiente” em À
revolta entre a mocidade:
_________
(2013)
“Creouse
algo novo que é o extremismo de centro” em À
revolta entre a mocidade,
BERMEJO BARRERA, Juan Carlos (2012),
"O descrédito da política e o descrédito da democracia"
em BERMEJO BARRERA, Juan Carlos: Os señores da mentira.
Política e cultura en Galicia,
Compostela: edicións Lóstrego, pp. 73-84.
CALLINICOS, Alex (1995), Contra
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Laiovento.
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http://revoltairmandinha.blogspot.com.es/2011/03/o-darwinismo-social-militarizado.html
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ŽIŽEK,
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“Un permanente estado de excepción económica” em New
Left Review,
nº 64, outubro 2010. Disponível em
http://www.ddooss.org/articulos/otros/S_Zizek.htm
__________
(2010b),
En defensa de la
intolerancia,
Barcelona: Biblioteca Pensamiento Crítico, pp. 33-44.
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