16/09/2013

Frente Ampla, socialismo democrático e unidade popular

Antom Fente Parada. Editor do blogue À revolta entre a mocidade e militante de Anova-Irmandade Nacionalista.

Eu traballo,
ti traballas,
el traballa,
nós traballamos,
vós traballades.
Eles comen.1

A Coordenadora Nacional de Anova-Irmandade Nacionalista acordou, no passado dia 14 de setembro, contribuir para a criação duma Frente Ampla não excluínte para as eleições europeias como ensaio da quebra democrática com a II Restauração bourbónica. O acordado afunda no acordo da nossa I Assembleia Nacional celebrada em junho de contribuir a acelerar a queda com este regime apodrecido mediante a soma de forças que multiplique.

Em maio de 2014 a esquerda não resignada tem que demonstrar que o é mediante uma escolha bem simples: pode antepor o eleitoral e o partidismo à necessidade de iludir à cidadania com uma proposta que trairia consigo uma baixa abstenção e que, aliás, barra nas urnas os partidos dinásticos deixando-os em minoria como em abril de 1931 dando pé a um novo ciclo político; ou pode apostar por uma Fronte Ampla POLÍTICA e não apenas partidária. Sem unidade será impossível começar, em qualquer naçao das que compõem o Estado espanhol, programas realmente transformadores que vençam o férreo poder da bancocracia e as elites políticas e económicas de Eurolândia.

Política e integral, de toda a cidadania, que conte com os partidos políticos, mas também com os movimentos cívicos. Com as forças políticas galegas nacionalistas e de esquerda ruturista, mas também com as forças políticas e as plataformas cívicas doutras nações do Estado. Uma Frente Ampla que artelhar-se-há, já que logo, em base à unidade popular, sobre um programa amplo e de comum denominador que permita somar o máximo espectro de organizações populares.

E nesse programa, na leitura de Anova, o fundamental é:
a.- a quebra democrática com a II Restauração bourbónica, cujo correlato é mudar o modelo político, económico e social imposto por 40 anos de fascismo e quase outros 40 de franquismo sem Franco com umas elites herdeiras da ditadura que pilotaram uma “Transição” de costas à maioria social.
b.- A demanda duma democracia real, em sintonia com amplos setores da sociedade civil, que, antes de mais, para ser merecente do seu nome deve assentar-se em três frentes complementares: no político a reconquista da soberania popular; no económico o combate contra a ortodoxia ultraliberal da troika; no social, o respeito pelos direitos da cidadania onde se inclui o direito a decidir de todas as nações do Estado espanhol e o respeito ao feito diferencial de galegos, bascos e catalães (mas também doutros territórios com línguas de seu e/ou feitos diferenciais como Asturies, Aragão, Andaluzia...).

Em definitiva, uma Frente Ampla que faça ver a incompatibilidade manifesta entre o respeito e a garantia dos nossos direitos com a hegemonia do livre mercado, ou entre a democracia e o capitalismo ultraliberal. Uma Frente Ampla que permita um amplo processo de ruturas com a arquitetura institucional da democracia burguesa e com o capitalismo.

Uma Frente Ampla que aguardamos chegue a Galiza e ao Estado espanhol 40 anos após o golpe de Estado que pus fim ao ensaio de socialismo democrático impulsado por Salvador Allende em Chile. Um ensaio, a primeira vista truncado e fracassado, mas cujo eco se sente com força hoje na emancipação de América do Sul: em Uruguai, em Equador, em Bolívia, em Venezuela...

A aposta de Anova exige tecer uma nova conceção estratégica de como construir um novo Estado para um novo tipo de sociedade e, em sintonia também com o que expunha Allende, tal conceção deve ter presentes (ao menos) três cousas: a particularidade nacional de cada processo (neste momento especialmente importante em Catalunya, Euzkadi e a Galiza), uma política de alianças que permita a independência dos explorados e oprimidos e, por fim, o caráter democrático do processo revolucionário sendo este último ponto indispensável e fundamental para avançar coletivamente alimentando e legitimando o processo desde o conjunto da classe trabalhadora e os sectores atacados pela ofensiva ultraliberal.

Salvador Allende foi um militante socialista que advogou por uma ampla convergência popular que fizera frente ao Imperialismo (hoje denominado como globalização ou mundialização -na escola francesa-) e à oligarquia que acumulou e acumula capital com a suor da classe trabalhadora. Allende procurou sempre chegar ao Governo por meio do sufrágio universal, opondo-se ao seu próprio partido que em Chillán (1967) quis deixar de lado a via institucional e apostar pela conquista armada do poder. O dia do seu triunfo eleitoral assinalou:
Hemos triunfado para derrotar definitivamente la explotación imperialista, para terminar con los monopolios, para hacer una seria y profunda reforma agraria, para controlar el comercio de importación y exportación, para nacionalizar, en fin, el crédito, pilares todos que harán factible el progreso de Chile, creando el capital social que impulsará nuestro desarrollo.2

Assim, os mil dias da Unidad Popular foram para o povo chileno um inédito processo que significou um grande sacrifício para atingir um histórico empoderamento das classes populares que apenas assim podiam confrontar – desde a unidade mais ampla possível – o capital foráneo e os interesses imperialistas. Uma via através da unidade popular, do socialismo democrático, que voltam percorrer hoje os povos de América do Sul, embora seja hodierno uma correlação de forças e um contexto evidentemente diferentes.

No entanto, tanto hoje como ontem, o caminho que propunha Allende não é doado. Ao igual que na proposta de Anova exige fazer uma leitura do presente como história, um olhar a longo prazo por cima do cálculo eleitoral e uma audácia e uma teimosia sustentada no tempo que poucos partidos e organizações têm na voragem do curto-prazismo predominante na política. No entanto, toda a esquerda deve antepor por cima de qualquer consideração o seu alvo estratégico fundamental: a superação do capitalismo e a emancipação social e nacional de todos os povos do mundo:

Como decía Allende, la lucha del pueblo de Chile no es una lucha de generaciones, menos el monopolio de un sólo partido, la lucha debe ser de los trabajadores, de los estudiantes, de los profesionales y de las múltiples organizaciones sociales y políticas dispuestas a asumir el desafío de la unidad a pesar de las diferencias porque han comprendido la labor histórica en la que vivimos.3

Esta Frente Ampla, no entanto, não deve ver-se tampouco como um ponto de chegada. É tão só o ponto de partida dum processo que medirá a capacidade da esquerda não resignada para acumular forças e demonstrar na praxe quê é o que é o socialismo para o século XXI. O socialismo democrático, com uma visão de fundo, compreende que toda verdadeira rutura com a ordem estabelecida é um processo e não um acontecimento único que se dá um 15 de maio ou um 14 de abril. E, finalmente, quê é o que xebra o socialismo democrático de Allende do social-liberalismo ou ainda da socialdemocracia? Que no horizonte que guia o quê fazer atual mantêm-se todos e cada um dos alvos revolucionários inerentes a todo socialismo revolucionário.

Notas: 

1Xosé Lois García, “Dun poema francés” em Borralleira pra sementar unha verba [Monforte de Lemos: Xistral], 1974.

2Discurso de Salvador Allende na madrugada do 5 de setembro de 1970.

3Camila Vallejo, “Los estudiantes desenpolvan un icono” em Le Monde Diplomatique en español, nº 215, setembro 2013, pp. 16-18.

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