01/07/2010

A Cimeira do G20, ou esta depressão que (a alguns) anima…

Henrique de Sousa



Terminou mais uma cimeira do G20 em Toronto, essa instituição não democrática dos países mais poderosos do planeta, cujas conclusões são a completa rendição dos seus governantes ao capital financeiro mundial.


Assobiaram para o ar quanto à taxação das transacções financeiras mundiais, uma exigência da ATTAC e de numerosas organizações sociais e políticas que tem vindo a ganhar crescente apoio internacional, objecto até de públicas declarações de simpatia por responsáveis políticos europeus, que contribuiria para limitar a espiral especulativa das transacções financeiras e para obter fundos para o desenvolvimento, o combate à pobreza e a sustentabilidade ambiental.


Meteram na gaveta as recomendações do relatório do próprio FMI, que propunha modestamente duas taxas sobre as instituições financeiras – uma sobre os seus activos de risco e outra sobre os seus rendimentos. Até a simples taxa sobre os bancos defendida por Merkel e Sarkozy não foi objecto de consenso, ficando apenas para consideração nacional ou regional. Nada progrediram nas medidas concretas para o reforço da fiscalização e do controlo do sistema financeiro mundial, para combater as operações especulativas que sacrificam os países e a "economia real" ou para eliminar os paraísos fiscais, centros de branqueamento de capitais de origem criminosa, de operações financeiras ilícitas e de fuga aos impostos.


Como grande conclusão, o consenso na prioridade às medidas de austeridade. Ou seja, traduzindo para a língua dos cidadãos comuns, o apoio às medidas de aperto do cinto dos que menos têm, às medidas que, como sucede em Portugal e na Europa, agravando a crise social e o desemprego, podem conduzir a uma nova crise maior do sistema financeiro e a uma nova recessão económica.

É assim que uma dirigente de baixa estatura política e curta visão, Angela Merkel, foi apresentada como vencedora pelos média, quando apenas conseguiu uma triste vitória de Pirro.

Esta Alemanha conservadora e liberal que prega a austeridade sustentada na sua capacidade exportadora e no seu superavit da balança comercial, que proclama uma visão monetarista e olha para o euro como se fosse o seu antigo quintal do marco, ao usar a sua força para submeter países mais frágeis a políticas recessivas e anti-sociais, está a subestimar as consequências a prazo para a sua economia e para os seus bancos, não apenas para os outros, da redução dos mercados que têm absorvido os seus produtos e alimentado o seu crescimento. E está certamente a chocar o "ovo da serpente" que pode conduzir à implosão do euro e da União Europeia, naufragados nesta política imperial de um pequeno directório europeu de grandes potências que está a sacrificar no altar do grande capital financeiro o projecto de uma Europa mais solidária, coesa e democrática.

A crise é de todos?…

De facto, existe esperança para alguns. A crise não é para todos. A somar a tantos outros relatórios e dados reveladores de que a miséria de muitos é o benefício de poucos neste capitalismo de casino que nos vendem como o melhor dos mundos possíveis, um relatório insuspeito (ver aqui) de duas grandes consultoras mundiais– a Merryl Linch e a Capgemini – revela que em 2009, em plena crise, o número de milionários no mundo aumentou em 17,1%, sendo agora de 10 milhões de indivíduos e o seu volume de riqueza disponível (excluindo residência principal, viaturas e outros bens consumíveis) passou para 39 milhões de milhões de dólares, mais 18,9%! E o mesmo relatório também mostra como os muito ricos da Europa vão continuar a diminuir os seus investimentos na Europa e a deslocá-los para a Ásia-Pacífico. Ou seja, percebe-se porque é que nos enchem a cabeça com a teoria de que, em nome da competitividade, há que dar cabo do Estado social, diminuir mais os salários e reduzir-nos à condição de precários sem futuro, se não queremos que fujam todos, com malas e bagagens, para paragens onde impera a lei do mais forte, os direitos sociais têm ainda uma longa caminhada pela frente e os sindicatos quase não têm voz.


A voracidade deste capital financeiro sem pátria é infinita e já não lhe serve o compromisso social do pós-guerra que sustentou a recuperação das economias capitalistas demoliberais europeias, Adicionar vídeoincluindo o reconhecimento de direitos aos trabalhadores e a redistribuição duma parte da riqueza através dos sistemas de protecção social e de políticas sociais. Querem mais. A crise é vista como a sua oportunidade para o desmantelamento dos Estados sociais, para a individualização e precarização das relações de trabalho e para o triunfo de um capitalismo predador e invasor de todas as esferas da vida humana. Pelo caminho, se vencerem, ficará também um sistema de democracia liberal cada vez mais esvaziado de conteúdo, de que restará a retórica e a carapaça "representativa", oligárquico e capturado pelo capital, com cidadãos reduzidos a consumidores e um exército de excluídos. No início - lembram-se? -,não era o verbo, mas a "economia social de mercado" com que tentaram encantar tudo e todos. Agora, o social também já está a mais. Basta o mercado.

A não ser que…






Henrique de Sousa pertence à Direcção da ATTAC Portugal. Artigo tirado deste espaço na rede.

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