Terminou mais uma cimeira do G20 em Toronto, essa instituição não democrática dos países mais poderosos do planeta, cujas conclusões são a completa rendição dos seus governantes ao capital financeiro mundial.
Assobiaram para o ar quanto à taxação das transacções financeiras mundiais, uma exigência da ATTAC e de numerosas organizações sociais e políticas que tem vindo a ganhar crescente apoio internacional, objecto até de públicas declarações de simpatia por responsáveis políticos europeus, que contribuiria para limitar a espiral especulativa das transacções financeiras e para obter fundos para o desenvolvimento, o combate à pobreza e a sustentabilidade ambiental.
Meteram na gaveta as recomendações do relatório do próprio FMI, que propunha modestamente duas taxas sobre as instituições financeiras – uma sobre os seus activos de risco e outra sobre os seus rendimentos. Até a simples taxa sobre os bancos defendida por Merkel e Sarkozy não foi objecto de consenso, ficando apenas para consideração nacional ou regional. Nada progrediram nas medidas concretas para o reforço da fiscalização e do controlo do sistema financeiro mundial, para combater as operações especulativas que sacrificam os países e a "economia real" ou para eliminar os paraísos fiscais, centros de branqueamento de capitais de origem criminosa, de operações financeiras ilícitas e de fuga aos impostos.
Como grande conclusão, o consenso na prioridade às medidas de austeridade. Ou seja, traduzindo para a língua dos cidadãos comuns, o apoio às medidas de aperto do cinto dos que menos têm, às medidas que, como sucede em Portugal e na Europa, agravando a crise social e o desemprego, podem conduzir a uma nova crise maior do sistema financeiro e a uma nova recessão económica.
É assim que uma dirigente de baixa estatura política e curta visão, Angela Merkel, foi apresentada como vencedora pelos média, quando apenas conseguiu uma triste vitória de Pirro.
É assim que uma dirigente de baixa estatura política e curta visão, Angela Merkel, foi apresentada como vencedora pelos média, quando apenas conseguiu uma triste vitória de Pirro.
Esta Alemanha conservadora e liberal que prega a austeridade sustentada na sua capacidade exportadora e no seu superavit da balança comercial, que proclama uma visão monetarista e olha para o euro como se fosse o seu antigo quintal do marco, ao usar a sua força para submeter países mais frágeis a políticas recessivas e anti-sociais, está a subestimar as consequências a prazo para a sua economia e para os seus bancos, não apenas para os outros, da redução dos mercados que têm absorvido os seus produtos e alimentado o seu crescimento. E está certamente a chocar o "ovo da serpente" que pode conduzir à implosão do euro e da União Europeia, naufragados nesta política imperial de um pequeno directório europeu de grandes potências que está a sacrificar no altar do grande capital financeiro o projecto de uma Europa mais solidária, coesa e democrática.
A crise é de todos?…
De facto, existe esperança para alguns. A crise não é para todos. A somar a tantos outros relatórios e dados reveladores de que a miséria de muitos é o benefício de poucos neste capitalismo de casino que nos vendem como o melhor dos mundos possíveis, um relatório insuspeito (ver aqui) de duas grandes consultoras mundiais– a Merryl Linch e a Capgemini – revela que em 2009, em plena crise, o número de milionários no mundo aumentou em 17,1%, sendo agora de 10 milhões de indivíduos e o seu volume de riqueza disponível (excluindo residência principal, viaturas e outros bens consumíveis) passou para 39 milhões de milhões de dólares, mais 18,9%! E o mesmo relatório também mostra como os muito ricos da Europa vão continuar a diminuir os seus investimentos na Europa e a deslocá-los para a Ásia-Pacífico. Ou seja, percebe-se porque é que nos enchem a cabeça com a teoria de que, em nome da competitividade, há que dar cabo do Estado social, diminuir mais os salários e reduzir-nos à condição de precários sem futuro, se não queremos que fujam todos, com malas e bagagens, para paragens onde impera a lei do mais forte, os direitos sociais têm ainda uma longa caminhada pela frente e os sindicatos quase não têm voz.
A voracidade deste capital financeiro sem pátria é infinita e já não lhe serve o compromisso social do pós-guerra que sustentou a recuperação das economias capitalistas demoliberais europeias, incluindo o reconhecimento de direitos aos trabalhadores e a redistribuição duma parte da riqueza através dos sistemas de protecção social e de políticas sociais. Querem mais. A crise é vista como a sua oportunidade para o desmantelamento dos Estados sociais, para a individualização e precarização das relações de trabalho e para o triunfo de um capitalismo predador e invasor de todas as esferas da vida humana. Pelo caminho, se vencerem, ficará também um sistema de democracia liberal cada vez mais esvaziado de conteúdo, de que restará a retórica e a carapaça "representativa", oligárquico e capturado pelo capital, com cidadãos reduzidos a consumidores e um exército de excluídos. No início - lembram-se? -,não era o verbo, mas a "economia social de mercado" com que tentaram encantar tudo e todos. Agora, o social também já está a mais. Basta o mercado.
A não ser que…
Henrique de Sousa pertence à Direcção da ATTAC Portugal. Artigo tirado deste espaço na rede.
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