16/08/2011

Estados Unidos, S&P e a crise

Alejandro Nadal. Artigo publicado em La Jornada e tirado por nós de Carta Maior (aqui).


Segundo Obama, os Estados Unidos sempre serão uma nação AAA. Soa um pouco ingênuo seu desplante, mas em certo sentido, tem razão. Nos dois dias que seguiram o anúncio da agência classificadora de risco Standard & Poor’s, os investidores do mundo inteiro parecem ter enlouquecido. Os índices de cotizações no mercado financeiro de todas as praças importantes despencaram.

Os investidores fugiram dos mercados acionários e se refugiaram no que tradicionalmente tem sido os investimentos mais seguros, entre eles os bônus do Tesouro estadunidense. É como se os investidores tivessem se posto de acordo para enviar uma mensagem clara a S&P: não nos importa sua classificação.


 A busca de abrigo seguro nos bônus do Tesouro parecia ser exatamente o comportamento oposto ao que se poderia esperar depois do rebaixamento da nota da dívida estadunidense. Se os investidores nos mercados financeiros estivessem preocupados com a capacidade dos EUA pagar sua dívida não teriam corrido para se colocar ao abrigo desses bônus do Tesouro, agora rebaixados de AAA para AA+.


 Ao contrário, seria de se esperar uma fuga em relação aos bônus e um deslocamento maior de investimentos para os mercados acionários, o que teria provocado uma alta no índice das cotações nas bolsas. Como explicar esta queda dos mercados acionários e a demanda por bônus do Tesouro dos EUA? Standard & Poor’s carrega atualmente um colossal desprestígio. É co-responsável pela gestação da crise porque nunca titubeou em outorgar a nota mais alta a títulos podres, sem investigar seu conteúdo.


 De fato, o mais provável é que se tivessem analisado o conteúdo dos veículos de investimento estruturados, não conseguiriam entender os complexos mecanismos dos derivativos neles envolvidos. Ou seja, a credibilidade da Standard & Poor’s saiu bastante danificada desta crise. O fato de ter cometido um erro de 2 bilhões de dólares em suas avaliações sobre o déficit fiscal estadunidense não a ajuda muito.

A má reputação da S&P cresceu quando veio a público a evidência testemunhal de que a agência informou de maneira seletiva a certas instituições sobre sua decisão ainda antes de anunciá-la ao público na semana passada. Um fundo de investimento realizou operações utilizando essa informação privilegiada. Confirmando-se isso, seria de se esperar uma investigação criminal por parte da Securities Exchange CommissionMas nem a falta de credibilidade, nem a má reputação das agências de classificação (não só a da S&P) são as razões pelas quais os mercados agiram no sentido oposto ao indicado pela nova classificação dos EUA feita pela S&P. A verdade das coisas é que os investidores sabem algo que a S&P deixa de lado.


Em tese, o grau de classificação é um indicador sobre a capacidade de um país para enfrentar seus compromissos de endividamento. Quando um país declara uma suspensão de pagamentos é porque não pode obter as divisas necessárias para cobrir o serviço de sua dívida. Mas no caso dos EUA, esse país não necessita obter outras divisas para pagar sua dívida. Qualificar o risco em AA+ ou em AAA para a dívida estadunidense é um exercício supérfluo e as agências classificadoras deveriam evitar entrar neste terreno.

Só razões poderosas puderam empurrar a S&P a aventurar-se nesta trajetória. Uma pode ser o desejo de marcar a insatisfação do setor financeiro com o acordo sobre o déficit e a dívida no Congresso dos EUA. Para justificar sua decisão, a S&P assinalou que a irresponsabilidade política durante o debate sobre a dívida afetou negativamente a capacidade do governo desse país para administrar suas finanças. Além disso, assinalou que o acordo no Congresso para reduzir o déficit está muito abaixo do que é preciso para frear a espiral de endividamento do governo estadunidense. A realidade é que o setor financeiro quer resultados mais rápidos e tangíveis no desmantelamento do estado de bem estar social. Seu projeto segue sendo a plena restauração do projeto ultraliberalAgora, a S&P terá que ser consequente e baixar a classificação de outros países (França e Itália) e de muitas outras instituições bancárias, seguradoras e de investimento. Grandes bancos europeus provavelmente saíram perdendo com esta redução, o que não ajudará a enfrentar a crise do euro.


A recuperação hoje está mais longe do que nunca e o governo estadunidense está com as mãos amarradas. A Europa enfrenta sua própria debacle e a China terá que resolver uma colossal bolha imobiliária. Nesta perspectiva, a vacilação que impera no mercado das bolsas contrasta com a certeza de que a recessão persistirá. Parece que os investidores fugiram do mercado acionário para refugiar-se no último reduto de confiança porque sabem que a austeridade fiscal e uma nova modalidade de armadilha de liquidez conduzem necessariamente ao aprofundamento da crise.


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