08/06/2010

A crise da eurozona é autoinflingida*

A atual turbulência dos mercados financeiros é umha nova ilustraçom do dano que pode causar um setor financeiro letargiado e com poder político combinado com ministros de finanças e responsáveis de bancos centrais que se identificam com este setor e tenhem a sua própria agenda política inclinada à direita.

Bem-vindo a Europa, que se converteu no epicentro da nova "crise financeira" global. A terça-feira, o centro dos problemas desprazou-se de Grécia para Espanha.



A primeira vista nom resulta evidente que tenha em absoluto que produzir-se umha crise na Europa. Ainda que Grécia suspendera o pagamento da sua dívida - e isso seria com toda probabilidade algo mais parecido a umha renegociaçom ou reestruturaçom que a umha cancelaçom a grande escala do grosso da dívida grega - isto implicaria umha quantidade relativamente pequena de dinheiro comparada com os recursos que tenhem a sua disposiçom a Uniom Europeia para resgatar a qualquer banco afetado. E a dívida do Estado espanhol, em relaçom com a sua economia, é muito mais pequena que a de Grécia: de por volta de 60% do PIB a muito por baixo de 80% da UE.

Porém, os "mercados" decidírom que o Reino da Espanha é a seguinte na ringleira de ataque, e portanto o preço dos CDS (credit default swaps) - um tipo de seguro- da sua dívida disparou-se hoje. Se aumenta esta sensaçom, as taxas de juro espanholas seguirám subindo e assi a carga da dívida poderia converter-se verdadeiramente insostível.

Para piorar a cousa, nom semelha que os "mercados" podam decidir quê é o que querem desses governos para que volvam a ser objeto dos seus amores. Fai duas semanas o euro desfondava-se porque os mercados financeiros procuravam mais sengue: queriam que Grécia, Espanha, Portugal e os demais estadosde Europa convertidos em vítimas (Itália e Irlanda) se comprometeram a maiores recortes de gasto público e aumentos de impostos. Conseguírom entom o que queriam e, num dia ou dous, o euro empezou de novo a derrumbar-se porque "os mercados" descobriram que essas políticas pro-clíclicas piorariam em realidade as cousas naqueles estados que as adotárom, reduzindo o crescimento no conjunto da eurozona.

Infelizmente, as autoridades euripeias - sobretodo as do Banco Central Europeu - som ainda piores que os mercados. Som menos ambivalentes e estám mais dedicadas a castigar às economias mais débiles forçando-as a reduzir o gasto público, ainda que com isso provoquem o aprofundimento da recesom e o desemprego massivo (mais de 20% no Estado espanhol).

Recordará-se que a turbulência dos mercados financeiros experimentou um giro a pior o 6 de maio quando o BCE anunciou que nom ia implicar-se em "ajustes quantitativos" - injetar quartos - a fim de contribuir para o alívio da crise. Deu marcha atrás na sua decisom, se bem só em parte. E o acordo alcançado para o chamado "resgate do bilhom de dólares" exige que qualquer país que pida emprestados fundos deve cingir-se a umha maior austeridade. Isto significa que recorrer aos fundos de "resgate" obrigará-lhe a acelerar a espiral económica descendente. E onde está a inflaçom que preocupa ao BCE? A projeçom de inflaçom do FMI para a eurozona é de 1% para este ano e de 1'5% para o próximo.

Imaginemos quanto pior estaria hoje a economia norte-americana se, em lugar de responder a nossa recessom com estímulos fiscais, taxas de juros quase a cero e dobrando o balanço geral da Reserva Federal, houvéssemos otado por recortes orçamentares e subidas de impostos. Isso é polo que advogam as autoridades europeias para a economia mais débiles da eurozona.

A populaçom grega nega-se a aceitar essas condiçons, e entende-se. As classes altas de Grécia nom pagam os impostos que lhes correspondem e agora a maioria vê-se obrigada a pagar o preço da sua fraude, preço enormemente magnificado pola natureza irracional, pro-cíclica do ajuste. Cresce tamém o descontente no Reino da Espanha, onde os sindicatos maiores falam de greve geral. Existe em todo isto umha dimensom de classe, com as autoridades da UE e os banqueiros unidos no seu desejo de equilibrar os livros de contabilidade sobre os ombreiros dos trabalhadores e adotar "reformas do mercado laboral" que debilitarám o trabalho e redistribuirám os ingressos para arriba nas próximas geraçons. As autoridades e os financeiros da UE acreditam que os ordenados reais desses estados devem descer drasticamente com o fim de fazê-los competetivos internacionalmente, mas quem protestam respondem com umah versom fiscal do "Nom haverá paz se nom hai justiça".

Poderiam engadir: " Se nom hai justiça, nom hai euro". Houvo desde um princípio sérios interrogantes económicos sobre o viável e desejável da moeda única - o mais importante se a uniom monetária era possível entre estados com enormes diferenças de produtividade, sem política fiscal comum, e com um Banco Central que se comprometia apenas a manter muito baixa a inflaçom (sem relaçom com o emprego). Aquelas populaçons que agora sofrem por mor da austeridade imposta pola UE disponhem da ameaça real e crível de marcar-se ou acabarám sacrificando-se indefinidamente para ser recompensados com um nível de vida mais baixo.




* O autor deste artigo Mark Weisbrot é co-diretor, junto a Dean Baker, do Center for Economic and Policy Research de Washington, D.C. Doutorado em economia pola Universidade de Michigane, tem escrito numerosos trabalhos sobre política económica, centrando-se especialmente em Latinoamérica e a política económica internacional. É autor, com Baker, de Social Security: The Phony Crisis (University of Chicago Press, 2000). Colaborador ocasional de The New York Times, The Washington Post e Los Angeles Times, e regularmente de The Guardian e Folha de Sao Paulo, o maior jornal brasileiro, através de McClatchy-Tribune Information Services os seus artigos difundem-se em mais de 550 jornais. Preside aliás Just Foreign Policy, uma organizaçom independente que tenta reformar a política exterior norteamericana. Este artigo em concreto foi tirado do espaço em rede da revista Sin Permiso e a sua versom em castelhano pode consultar-se aqui. O artigo original apareceu em 26 de Maio de 2010 no jornal The Guardian.

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