09/09/2010

Crise dos EUA e teoria do sistema mundo

Postamos aqui um artigo escrito por Theotônio dos Santos para a revista Teoria e Debate (Fundação Perseu Abramo). O artigo tomamo-lo deste endereço web. É uma resenha do livro O Longo Século XX do Giovanni Arrighi. Arrighi e Theotonio são dois expoentes na chamada "teoria do sistema-mundo". Em O Longo Século XX Arrighi tenta construir a idéia que o século XX representa maior do que seria cronologicamente é, e sim, o período histórico do capitalismo de se configuração enquanto sistema mundial.



Arrighi e Theotônio já anteviam a vários anos a crise na economia dos EUA e perde seu papel no sistema mundial - contrapondo um pouco ao que José Luís Fiori escreve (como está no artigo que postei ontem). Theotonio contudo afirma que o enfraquecimento dos EUA não implica sua sucessão por algum país da Ásia, como concluira Arrighi, mas como ele afirma que o processo de fragilização dos EUA vem de um processo a mais tempo do que apenas resultado da presente crise de 2008. Na verdade a crise é a manifestação mais radical desse processo de mais de uma década.


Resenhas: A teoria do sistema-mundo. Por Teotônio dos Santos.
em 31/01/1997


O Longo Século XX, de Giovanni Arrighi. Contraponto, Rio de Janeiro, 394 páginas 1996.

A tradução para o português de premiado livro de Giovanni Arrighi sobre o longo século XX e a ampla repercussão que alcançou na imprensa brasileira sua presença no país representam o início da atualização do Brasil com uma corrente de pensamento que ocupa um lugar proeminente nas Ciências Sociais contemporâneas. Arrighi faz parte do grupo de cientistas sociais que, desde os anos 70, vem trabalhando sistematicamente numa reinterpretação da história da economia, da sociologia e da antropologia a partir da noção de sistema mundial. Esta categoria de análise arranca de Braudel - na sua recém-traduzida História da Civilização Material - e é trabalhada sistematicamente por lmmanuel Wallerstein no conjunto de livros que vem escrevendo sobre O Moderno Sistema Mundial. Gunder Frank, Samir Amin e outros autores, entre os quais me inscrevo, deram um grande desenvolvimento a este enfoque teórico quase desconhecido no Brasil.

O presente livro de Arrighi parte de um conceito de Braudel, a partir de suas observações empíricas da história européia: os cicios de acumulação. Ciclos de 150 a 200 anos que se caracterizam por uma forte concentração de capital numa região geográfica que exerce a hegemonia sobre o sistema mundial de seu tempo (as cidades-estado italianas e hanseáticas nos séculos XIV a XVI; a nação holandesa sob a liderança clara de Amsterdã nos séculos XVII e XVIII; o Estado Nacional e imperial inglês, nos séculos XVIII a XX; a nação continental norte-americana no século XX) .Estes ciclos de acumulação sempre estiveram sob a liderança da alta finança, categoria crucial para Braudel e Arrighi, pois ela encama o sistema capitalista. Para Braudel, este sistema se monta sobre estruturas de produção e mercantis seculares não-capitalistas. Para Arrighi, estes processos de acumulação têm outras dimensões produtivas e comerciais, sociais e políticas que ele não se atreve a analisar no presente livro. Ele aceita contudo que somente pela incorporação destas dimensões à análise dos ciclos poder-se-á chegar a uma teoria definitiva sobre os mesmos.

Seu livro é uma contribuição extremamente séria à teoria e à análise dos ciclos de acumulação, na medida em que identifica suas etapas:- A existência de uma acumulação anterior que se esgota pela impossibilidade da expansão indefinida do comércio sem uma queda de rentabilidade (conceito que retira de Hicks, cujas análises do capital comercial lhe servem de ponto de partida); - Neste período, surgem grandes excedentes de capital financeiro não aplicado na expansão comercial ou industrial que geram uma euforia de bem-estar e progresso material baseado no consumo e no estilo de vida; - A busca de uma nova oportunidade de expansão do investimento, por meio de novas zonas ou vias comerciais, para onde tende a reorientar-se e concentrar-se o capital financeiro através de uma transferência ou emigração de investimentos;- A iniciação de um ciclo de acumulação novo que deverá esgotar-se após a expansão territorial do Estado e/ou das empresas-chaves do novo centro de acumulação;- Esta expansão territorial é viabilizada pela externalização de seus custos militares que deverão ser pagos pelas próprias operações de expansão.

Arrighi chega assim ao seu modelo de séculos longos e ciclos sistêmicos de acumulação.Não é aqui o lugar para discutir em detalhe cada um destes ciclos e as importantes contribuições do autor à análise e à teoria deste período histórico. Nem podemos nos deter nas implicações das mesmas para a compreensão e análise do período atual que aparece neste modelo como o auge financeiro do 4º ciclo sistêmico de acumulação sob a hegemonia norte-americana. Ele coloca hipóteses a serem comprovadas: a) a hegemonia norte-americana já se encontra em decadência; b) um novo ciclo sistêmico parece emergir através do Pacífico e asiático; c) no entanto, há sinais de esgotamento da modalidade capitalista de expansão do ciclo de acumulação em escala mundial, o que talvez não permita a emergência de um novo ciclo de acumulação sistêmico sob a hegemonia de um centro regional, seja ele local-empresarial, seja ele nacional-estatal. As colocações de Arrighi nos conduzem a uma problemática de grande alento tal como cabe às Ciências Sociais enfrentar. Apesar de lhe faltar a análise das dimensões da revolução científico-tecnológica e dos processos estatais, sócio-políticos e ideológicos, que outros autores vêm trabalhando, seu livro é uma brisa fresca, num ambiente intelectual dominado pelo marketing da nova ordem mundial ou do fim da história. Por traz desta brisa existe um furacão de estudos relevantes totalmente desconhecidos no país.

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