28/04/2011

A classe trabalhadora em Espanha

Vicenç Navarro. Tirado de aqui e traduzido por nós.


O Economic Policy Institute de Washington, um dos centros de investigação económica mais conhecidos e prestigiosos de EEUU, publica a cada dois anos um relatório sobre a situação da população trabalhadora em EEUU (The State of Working America) que é uma referência muito utilizada -inclusive pelo Congresso de EEUU- pela sua documentação exaustiva sobre o mundo do trabalho naquele país. Inclui também informação sobre as condições laborais na maioria de países da OCDE de semelhante nível de desenvolvimento económico, apresentando dados e gráficos que são de uma grande utilidade para os estudosos do mundo laboral nos países com maior nível de desenvolvimento económico.

No seu último relatório, publicado faz só em umas semanas, há dados económicos e sociais que questionam claramente os dados que constantemente se utilizam nos centros que reproduzem a sabedoria convencional de Espanha. Assim, no capítulo sobre horas anuais de trabalho por trabalhador, Espanha (apresentado frequentemente como um país de grande laxitude e indisciplina laboral) aparece como um dos países nos que os trabalhadores trabalham mais horas ao ano. Concretamente 1.654 horas, muito acima da média dos países da OCDE, 1.628 horas.

Outra surpresa é o indicador que contradiz outro elemento da sabedoria convencional que fala constantemente do escasso crescimento da produtividade como causa da escassa recuperação económica espanhola. O relatório assinala que o crescimento da produtividade em Espanha durante o período 2007-2009 foi o maior (5,4%) dos países da OCDE, cuja média foi de -1,1%. O dos Estados Unidos foi menor que o de Espanha, um 4%, o que contrasta com a maioria de países da OCDE, que sofreram um descenso da sua produtividade. Espanha foi também o país que destruiu mais emprego, com uma taxa negativa de produção de emprego (-7,2%).

Outro dado interessante é o nível de produtividade, dado diferente ao do crescimento da produtividade. De novo, as cifras contradizem a visão promovida por conservadores e ultraliberais que constantemente se referem a Espanha como um país com muito baixa produtividade. O relatório assinala que a produtividade espanhola está por em cima não só da Grécia, Portugal e Itália, senão também do Japão e Nova Zelândia.

É também interessante analisar os salários. Espanha tem os mais baixos da OCDE (junto de Grécia e Portugal). A sua compensação salarial por hora na manufactura (cujos trabalhadores são os melhor pagos em qualquer país) é só o 85% do de EEUU. A maioria dos países da UE-15 estão muito acima de EEUU (Dinamarca 172%, Suécia 147%, Noruega 197%, Alemanha 153% ou Áustria 144%). Tais dados mostram que não podem se justificar os baixos salários de Espanha recorrendo ao argumento de uma suposta baixa produtividade. Em realidade, Espanha não está à bicha da produtividade da OCDE. Sim que está, em mudança, à bicha dos salários. Em realidade, o nível salarial responde mais a causas políticas que a causas económicas. Assim, a variável que tem um grande poder determinante do nível salarial (e também, por verdadeiro, da atividade redistribuidora do Estado) é o poder sindical. A maior poder sindical, maiores salários, menores desigualdades e maior produtividade.

Outro dado de grande interesse é que, na análise do setor público, o relatório assinala que Espanha é um dos estados menos redistributivos. O indicador que o relatório utiliza para medir a capacidade redistributiva do Estado é a percentagem da população em situação de pobreza dantes e após as intervenções do Estado. O Estado, através de impostos, por um lado, e as transferências públicas, pelo outro, afeta à distribuição da renda de um país. Pois bem, Espanha é um dos países onde o Estado tem menos impacto na redução da pobreza. Esta passa de ser o 17,6% da população, dantes de que intervenha o Estado, a um 14,1%, só 3,5 pontos menos. Na grande maioria de países, a redução é muito maior. EEUU, um dos países com maiores desigualdades, reduz a pobreza 9,2 pontos, mais do duplo que Espanha. E se vamos a países de tradição social-democrata como Suécia, vemos que a redução da pobreza é de 21,4 pontos. Espanha, repito, só 3,5 pontos. Isto quer dizer que os impostos são muito regressivos e as transferências públicas muito escassas.

Os países nórdicos, junto de França, são os mais redistributivos. Espanha, junto de Holanda, Japão e EEUU, são os menos redistributivos. É interessante assinalar que os países mais redistributivos (Suécia, Noruega, Dinamarca) estão acima da média de produtividade da OCDE.

Noruega é o país do mundo com maior produtividade, e também um nos que o seu Estado tem maior impacto redistributivo. Isto questiona o dogma ultraliberal segundo o qual a eficiência económica requer inequidade.

O que também chama a atenção são os dados sobre igualdade de oportunidades medida pela taxa de mobilidade vertical (de pais a filhos) entre gerações. Espanha, junto de Itália, Irlanda e EEUU, é um dos países que tem menos mobilidade social. O sistema educativo tem escasso impacto em igualar as oportunidades das diferentes gerações. Isto está relacionado com o sistema educativo dual com as classes pudentes enviando os seus filhos à escola privada, e as classes trabalhadoras e médias enviando os seus filhos à escola pública. Nestes países, os filhos da classe trabalhadora têm-no mais difícil para atingir níveis de classes de renda superior. E aí termina a fotografia -não muito zaramela- da situação da classe trabalhadora em Espanha.

Nenhum comentário: