07/06/2013

Algumas notas sobre a indignação e a rebelião

Antom Fente Parada.



0.-Introdução
Não é pouco o que se leva falando sobre a indignação durante os últimos tempos no Estado espanhol, sobretudo após a eclosão do chamado 15-m ou movimentos dos indignados1. Ao igual que Occupy Wall Street nos EUA ou que a Geração à rasca em Portugal (com algumas tentativas auto-centradas na Galiza que passaram quase desapercebidas como Mexan por nós e temos que dicir que chove) uma maré de cidadãos, fundamentalmente mocidade, ocuparam espaços públicos para mostrar a sua indignação pela situação atual desamalhoada pela brutal crise económica.

O 15-m é um movimento urbano que não interferiu em absoluto nos sectores básicos da vida social e económica, tal e como expõe Bermejo [2012: 74]. No entanto, é um movimento que «habería que interpretar como unha renovación da fe na democracia precisamente a partir dunha crítica radical a un sistema político: o da España do ano 2011, que conseguiu afundir as institucións da democracia non máis absoluto descrédito». Para o catedrático de história da USC, o 15-m é um «movimento social», já veremos como isto em nossa opinião não é assim, que se viu favorecido pela repercussão mediática e pela coincidência com umas convocatórias eleitorais muito pouco capazes de suscitar já quase nenhum entusiasmo.

Cumpre dizer que do movimento do 15-m saíram diversas plataformas e movimentos sociais que contribuíram para uma, muito parcial ainda bem é certo, (re)politização da sociedade algo fundamental para que podam dar-se as condições subjetivas que requer uma verdadeira transformação social que aposte pela rutura sistémica. No entanto, como Xosé Manuel Beiras ou Tariq Ali têm assinalado, a indignação não deixa de ser um estado psicológico individual que, não transformar-se em rebelião organizada e com um programa claro, é bem pouco incómoda para o poder estabelecido:

Os movementos de ocupación das prazas, dos espazos públicos, son moi importantes, mais trátase dun xesto simbólico. Ocúpase un espazo público, mais a política segue por detrás o seu rumbo anterior, por iso o movemento Occupy non formula unha oferta concreta para a xente, unha alternativa, e niso radica o problema. A ocupación das prazas en si simboliza o xesto dun profundo descontento. Tras os masivos movementos de ocupación das prazas de España que pasou? Non tiveron ningún impacto nas eleccións, dado que a maioría da ente nova afirmou que non ía votar, actitude que entendo, mais como mínimo votasen por calquera dos partidos de esquerda que valla a pena. Por suposto que non se trata de votar polos socialistas ou pola dereita, senón votar por partidos de esquerda que mostren unha alternativa válida, é un compromiso cun mesmo, vale a pena levalo a cabo. A data de hoxe non existe unha alternativa que non implique os votos, e aínda non se creu ningunha outra alternativa dentro do político [Ali, 2013].

Quando acabamos de ultrapassar o aniversário do movimento, em rigor a falta duma mínima organização faz que o 15-m não seja um movimento mas um protesto mais ou menos espontâneo do que sim saíram movimentos ou em que se integraram pessoas de diversos movimentos, sindicatos e forças políticas, temos já margem avonda para vermos até onde chegaram ou não os logros do movimento.

Outro tipo de movimento está na Espanha e Grécia, que foram movimentos imensos, não somente protestos simbólicos. (…) mas que não formularam uma carta ou programa ainda que de limitadas exigências. É evidente que o pensam, mas não o codificaram, não o puseram num plano que pudesse unir as pessoas por um longo tempo. Por isso, apesar dos imensos movimentos, tivemos na Espanha a vitória da direita nas eleições, os movimentos não participaram da política porque dizem que “a política é suja, asquerosa, manchada”. Isso é um problema porque ou se faz uma revolução – que não é possível neste momento – ou se intervém no sistema político, tal como está, como na América do Sul, e tenta-se mudá-lo com novas constituições ou seja lá o que for. Não fizeram, e Espanha é um grande fracasso.
[…]
Creio que se houvesse 500 ou 600 pessoas pensando com clareza... Na Grécia há a combinação de mobilizações massivas e grupos escleróticos, atrofiados na esquerda. O Partido Comunista do Exterior, o Partido Comunista do Interior, cinco dúzias de grupos trotskistas que sequer podem se unir entre si, muito menos oferecer liderança às massas2. [Ali, 2012]


Estas fraquezas não podem tampouco impedir-nos algumas virtudes como a superação. em capas mais ou menos amplas da mocidade e da cidadania em geral, da pós-política propugnada pela filosofia pós-moderna superstrutura justificadora da ortodoxia económica ultraliberal. Por exemplo, e entroncando com o dito por Tariq Ali, Xosé Manuel Beiras leva fazendo numerosos chamados à rebelião cívica e a necessidade que sejam a cidadania e não simplesmente os partidos os que a executem. Sem uma sociedade civil (ativa, organizada e viva) é impossível mudar o atual estado de cousas, ainda no caso de que uma força política da esquerda real atingira uma maioria parlamentar.

1.- Subversismo
Nos seus Cadernos do cárcere o célebre marxista italiano Antonio Gramsci deixa-nos uma noção que, em nossa opinião, muito pertinente. Para além de ser autor de textos de raivosa atualidade como “Ódio os indiferentes” [Gramsci, 2011]3, queremos focalizar aqui a noção gramsciana de subversismo [Gramsci, 2000].

Com este termo Gramsci denominava as formas de rebelião privadas e não organizadas, ou seja, aquelas que se fundamentam num forte ressentimento contra o Estado, deploram ou desprezam o espetáculo que oferecem os poderosos, mas ao tempo interiorizam a posição de subordinação em que os situa o sistema. Isto poderia igualmente ligar-se com os períodos em que existe uma consciência de classe muito baixa, já que em Marx a pertença dum sujeito à categoria de proletariado – uma abstração terminológica para fazer uma análise ao fim e ao cabo– é antes de mais vontade; quer dizer, o indivíduo assume uma posição subjetiva.

Segundo Pierre Rimbert e Razmig Keucheyan [2013: 8], que também falam recentemente desta categoria de subversivismo:
El pueblo italiano, decía Gramsci, se inclina al “subversivismo”... lo cual alimentaría el fascismo. El Estado unificado durante el Risorgimento (“resurgimiento”), a finales del siglo XIX, sigue sin completarse del todo por lo que los canales de expresión colectiva que existen en otros países – partidos, sindicatos, asociaciones, instituciones democráticas– no son lo suficientemente robustos. Una corrupción endémica genera un bajo nivel de cumplimiento de las leyes y alimenta el cinismo respecto de las instituciones. El “subversivismo” afecta a las clases populares, pero también a las élites. Por eso, en la Italia contemporánea, este término alude tanto al señor Silvio Berlusconi u su incesante guerrilla contra el poder judicial, como a Giusseppe “Beppe” Grillo y su movimiento 5 estrellas, cuya agenda política es cuando menos ambigua.

Então, do dito infere-se que o “subversivismo” expressa um pessimismo respeito à possibilidade duma mudança duradoira nas relações sociais. Gramsci emprega o oxímoro “rebelião apolítica”, já que se trata duma rebelião sem programa e, já que logo, sem futuro nem possibilidade de transformação real do realmente existente (antes de mais pode favorecer um importante retrocesso ou até preparar o caminho para o fascismo). No Estado espanhol, o ascenso de UpyD, movimento da extrema direita, ou as políticas do PP que ainda contam com um amplo respaldo contrastam com a altíssima simpatia com a que conta o 15-m4, onde 78% da cidadania concorda com os seus motivos de protesto.

2.- Pós-política e pós-modernismo
A despolarização ideológica, a consagração do que Tariq Ali denomina o extremo centro, trai consigo a dúvida de que uma mudança na maioria social provoque uma mudança na política e até se chega a rejeitar mesmo a política, ou seja, confundem-se uns instrumentos de classe – os partidos políticos, que na sua vertente sistémica apoiam as elites ciumentas de manter um bipartidismo que nunca toque a economia política ultraliberal- com a transformação social: a Política.
Segundo Bermejo [2012: 81] a desaparição do debate político e a implantação do pensamento único, segundo o qual não há alternativa política à democracia liberal e burguesa, não é possível outra economia que a capitalista na sua fasquia ultraliberal, não se pode enxergar outro sistema produtivo que o tecno-científico, trouxe como consequência que a maioria da gente pense que a política não faz já sentido.

Aumenta assim o cinismo entre grande parte da população ao testar a distância entre um discurso cada vez mais oco dos dirigentes dos partidos sistémicos e a realidade da sua praxe. Rimbert e Keucheyan [2013:8] engadem:
El “subversivismo”, decía Gramsci puede ser de izquierda o de derecha. Pero en tiempos de crisis, se inclina irremediablemente hacia el conservadurismo. Para que aparezca otra salida, la movilización política abre más oportunidades que las revelaciones mediáticas.

Por outra banda, Žižek [2010a: 86-88] diz-nos que o sistema eleitoral está concebido sobre o modelo de competência do mercado. E aponta para uma questão central que não devemos perder de vista: as decisões económicas são decisões políticas que, no entanto, o pós-modernismo apresenta – na sua rama pós-política – como se estiveram fora da política. Em palavras do filósofo esloveno:
En la medida en que la economía está considerada la esfera de la no-ideología, esse mundo feliz de mercantilización global se considera a sí mismo postideológico. Desde luego, los AIE están todavía aquí; más que nunca. Sin embargo, en la medida en que, en su autopercepción, la ideología está localizada en sujetos (…) esta hegemonía de la esfera económica no puede hacer otra cosa que aparecer como la ausencia de ideología. (…) La economía funciona así como un modelo ideológico en sí mismo, de manera que estamos plenamente justificados para decir que esta na operativa como un AIE (en contraste con la vida «real», que sin duda no siguel el modelo idealizado del mercado liberal).
[…]
Em mandamiento TÚ NO PUEDES es su mot d'ordre: no puedes comprometerte en grandes actos colectivos que necesariamente acaban en el terror totalitario; no puedes aferrarte al viejo Estado del bienestar que te vuelve no-competitivo y conduce a la crisis económica; no puedes aislarte del mercado global sin caer presa de la juche norcoreana. En su versión ideológica, la economía también añade su propia lista de imposibilidades, los llamados valores umbrales – no más de dos grados de calentamiento global – realizados por especialistas.

O trecho do filósofo esloveno é de por sim bastante revelador do que significa a pós-política. A negação da política foi uma constante no poder. No caso da URSS Trotski, Lenine e outros compreenderam que o isolamento da revolução socialista num só estado trairia consigo uma série de perigos não contemplados na teoria marxista. Se se quer compreender dum modo histórico a génese do poder absoluto da burocracia soviética, não há que vê-la como o resultado dum complot, nem como o resultado automático duma determinada estrutura sócio-económica.

Como afirma Mandel [2013] para compreender o processo histórico é necessário atender à «pasividade crecente do proletariado soviético no curso dos anos 20», já que este é «o elo decisivo para comprender como se pasou dunha situación de intensa actividade política e económica do proletariado soviético en 1917, á súa expropiación política total 10 ou 15 anos máis tarde». Ernest Mandel explicou esta passividade – a morte da sociedade civil que pudesse desenvolver mudanças no seio do Estado soviético- mediante uma série de fatores:
  • A destruição física duma parte da vanguarda operária durante a guerra.
  • A deceção a causa do fracasso da revolução mundial, que Trotski defenderia em A revolução permanente face o «socialismo num só país» de Estaline.
  • A fome e miséria generalizadas, que puxaram todas as energias a resolver os problemas individuais de cada dia;
  • O enfraquecimento das estruturas institucionais que favoreciam a atividade política do proletariado.

A maiores, Mandel engade:
A historia demostrou que o medio máis adecuado para combater ideoloxicamente e socioloxicamente os perigos da restauración do capitalismo é a continuación da actividade política do proletariado: era necesario crear condicións que favorecesen a repolitización do proletariado soviético, mentres que a supresión da democracia proletaria [o principio do partido único] era un poderoso obstáculo en contra de tal repolitización, e cara a máis fácil burocratización que Lenine principalmente quería evitar.


Já que logo, para além das lições que como socialistas podemos tirar do texto de Mandel, podemos perguntar-nos se o bipartidismo na democracia liberal não funciona seguindo um funcionamento semelhante ao partido único. E perguntar-nos se a corrupção – apresentada na mídia como algo individual ainda nos casos em que se vê que afeta ao conjunto, por exemplo Bárcenas e não o conjunto do PP-, impune a maior parte das vezes, não responde a uma realidade intrínseca à superstrutura jurídico-política do Estado espanhol. Por outras palavras, não consegue o binómio político-mediático prodigar e alongar essa corrupção mediante a sua impunidade e o cinismo que provoca na população que alimenta uma pós-política que impede a alteração do status quo?

Na atualidade, e seguindo com a nossa tese, assistimos a uma nova forma de negação do político: a pós-moderna post-política, que até se inseriu em boa medida em bastantes discursos elaborados desde a esquerda. Esta pós-política não reprime apenas o político, intentando contê-lo e pacificar a (re)emergência do oprimido, mas também exclui-o. Como diz Žižek [2010b] «en la postpolítica el conflicto entre las visiones ideológicas globales, encarnadas por distintos partidos que compiten por el poder, queda substituido por la colaboración entre los tecnócratas ilustrados (economistas, expertos en opinión pública...) y los liberales multiculturalistas (…); de esta manera la postpolítica subraya la necesidad de abandonar las viejas divisiones ideológicas». Porém, cumpre lembrar que o verdadeiro ato político ( a intervenção na praxe – que se fundamenta na teoria dito seja de passagem– ) não é apenas qualquer elemento que funcione no contexto das relações existentes mas, sobretudo, aquilo que modifica o contexto que determina o funcionamento do sistema-mundo capitalista.

Todavia, a verdadeira política não é arte do possível, mas reclamar o impossível. Pois, só mudando os parâmetros do realmente existente é possível modificar o horizonte de expectativas social que torna algo possível ou impossível. E nessas coordenadas há que confrontar-se com uma violência que conduz ao que Mandel assinalava para explicar a burocratização da URSS: a fome impede assumir a condição subjetiva de proletário, quer dizer, desenvolver a consciência de classe.

A violência estrutural é inerente às condições sociais no capitalismo, que a crise só fixo incrementar-se passando um estado social em Eurolândia para um estado penal e do wellfare state ao warfare state. E esta violência pode ser objetiva: a produção de exclusão social como sem-teito e desempregados, a repressão do aparelho jurídico-político do Estado ou o constitucionalismo autoritário de que tem falado Beiras5; ou subjetiva, o emprego dos AIE como a grande mídia ao serviço do poder e o novo racismo fascista que tenho denominado como darwinismo social militarizado – onde a vítima é inculpada da sua sorte e o que Hobsbawm denominou «imperialismo dos direitos humanos» permite-nos implantar democracias ao tempo que se entrega o governo de facto da UE a instituições que escapam no controlo mais mínimo por parte da sociedade civil por toda a parte [Fente Parada, 2011].

O darwinismo social militarizado entronca não apenas com o nazismo pela banda do racismo e a exclusão, mas também com a paulatina intensificação do estado penal e a violência (objetiva ou subjetiva) que é exercida sobre a maioria social. No que Naomi Klein, no seu livro The shock doutrine, tem denominado como «capitalismo do desastre» estamos a ver como se espalha o modelo carcerário dos EUA, baseado num novo gerencialismo (new public management) em que a empresa privada vai usurpando todas funções públicas: encarecem-se os serviços – que logo disse que são insustentáveis – os benefícios para a empresa privada e as perdas assume-as o cidadão via impositiva. O círculo fecha-se e a democracia liberal reduz-se à mínima expressão.

O cidadão já não é mais do que um consumidor duma ou outra opção política, uma eleição estética em que como consumidor tem muito pouca incidência sobre os seus fideicomissos e sem nenhuma implicação ética. Hoje podemos consumir uma marca branca, uma marca de gama meia ou produtos de gama alta... tanto faz, todos guardam a mesma ética e todos saim e alimentam um mesmo modo de produção que vai afogando a soberania alimentar. Que pode esperar-se então do bipartidismo PSOE-PP? Uma escolha entre a Pepsi e a Coca-Cola? Podemos mercar Cola-Dia anunciada por Rosa Díez envasada na mesma planta embotelhadora que compartilha o mesmo capital e os mesmos interesses do PP?

Não deixamos de estar no universo pós-moderno onde todo e nada é autêntico: cerveja sem álcool, café sem cafeína, ciência com religião e até economia sem política. O pior escravo é aquele que aceita a sua condição porque a sua dignidade foi apagada e porque nem dispõe nem quer dispor das ferramentas para a luta, e estas ferramentas são sempre coletivas e de classe (chamem-se partidos, sindicatos, movimentos... ou como for). E este é o paradoxo dos nossos tempos: como desenvolver a intervenção e a transformação na realidade renunciando à política mesmo? Como entender o mundo para mudá-lo se “não somos nem esquerda nem direita”? Qual é então a ferramenta de análise novíssima que prescinde da classe e do programa? Não chega com ser dos de “abaixo” se esse abaixo amplo não é quem de artelhar um relato, um programa e uma praxe que demonstrem o impossível é realmente possível e desejável. E que apenas não há alternativa num ponto: negar-se a aceitar o atual estado de cousas e lutar por mudá-lo.

3.- Fascismo ou revolução? Qual revolução e quais revolucionários?
Como advertia Karl Marx a progressiva introdução de melhoras técnicas alimenta a bomba do desemprego do capitalismo, alimentando as contradições e os antagonismos inerentes ao sistema. Hoje, no entanto, no sistema-mundo capitalista existe o maior proletariado, objetivamente falado na história, só que já não está em Europa o que ajudou a alimentar a confusão na esquerda do centro do sistema, incapaz de desenvolver modelos auto-centrados na sua realidade: entre a mímese dos modelos de América latina e a nostálgia por um modelo de socialismo que fracassou estrepitosamente por confundir a vitória (transitória) do proletariado com o fim da política. Nunca pode fazer-se política sem política, nem avançar sem uma sociedade civil viva e plural.

Ainda assim, volta-se a um capitalismo selvagem após a queda de qualquer sistema que puder apresentar uma alternativa e limita-se também que poda apresentar-se qualquer relato afirmativo porque estamos, segundo os pós-modernos, no fim da história. Caminhamos assim para uma sociedade da quinta parte onde uma maioria da Humanidade viverá na miséria e escravidão porque não somos competitivos.

A começos do século XXI 500.000 pessoas reuniam um terço do património privado dos EUA. Em 1980 já apenas eram 250.000, com 37 milhões de pobres que configuravam um “quarto mundo” invisível engarçado no centro do capitalismo mágico do que Schumpeter denominou «destruição criativa». O novo imperialismo, denominado globalização, esquece-se de 1.200 milhões de desafiuçados pelo sistema. Esquece-se 1.000 milhões que morrem literalmente de fome ou dos 160 milhões de crianças que sofrem desnutrição severa ou moderada. Quando se aponta à URSS ou aos estados leninistas como fábricas de morte, esquece-se que o capitalismo – nas suas imprescindíveis cloacas para alimentar o lucro duns poucos – assassina mais pessoas do que nenhum outro sistema. Porém, o relato oficial acocha tudo o que pode a realidade, manipula-a e, quando não é possível, apresenta o que é consubstancial ao sistema como um simples “acidente” em que não cumpre ir às causas últimas chegando com culpabilizar as vítimas.

Hodierno, 1% da população dos EUA ganha mais do que os 100 milhões mais pobres do país, ou seja o 1% acumula mais benefícios do que 20% da população. O livre mercado e a luta de classes é evidente que funcionam.

O pós-modernismo nascido do fracasso do maio do 68 francês trouxe também na esquerda graves consequências: a claudicação da social-democracia no social-liberalismo e a assunção da primazia absoluta do individualismo e até do narcisismo. Callinicos [1995: 271] no capítulo final (“Os filhos de Marx e da Coca-Cola”) do seu livro Contra o pós-modernismo explica-o assim:
O fracaso destas loitas en facer incursións duradoiras no poder do capital foi continxente, reflectindo non só a lóxica inmanente ao sistema senón tamén a dominación do movemento da clase traballadora occidental por organizacións e ideoloxías que, xa saísen da social democracia xa da tradición estalinista, estaban compremetidas en alcanzar reformas paciais dentro do marco da colaboración de clase. A intervención do Partido Comunistra Francés para rematar a folga xeral de maio-xuño de 1968 repetiuse en moitas outras ocasións noutras partes, desde o Pacto Social acordado polo Congreso dos Trade Unions británicas co goberno laborista de 1974-79, aos pactos da Moncloa en 1977 cos que os socialistas e comunistas españois concedían o seu apoio aos herdeiros de Franco.

É mais, infelizmente, conforme a classe trabalhadora dos países avançados se movida da ofensiva à defensiva a esquerda consequente topava-se isolada e muitas organizações sucumbiram a uma crise de militância em boa medida produto de que esses partidos, ao igual que os fagocitados pelas instituições, convertaram-se num fim em si próprios. Um fim, onde os ingredientes e as consequências do ideologicismo e a marginalidade, afastavam-nos do sucesso que esperavam obter em maio do 68 ou na altura da sua criação. O nostoi ou regresso à realidade daquela geração é essencial para entendermos o auge do pós-modernismo ao perderem as esperanças de revolução socialista. Para boa parte de Europa ocidental o muro de Berlim não caiu em 1989, mas entre 1968-1976.

A maior parte daqueles revolucionários passaram a alimentar a nova classe meia consumista da pós-guerra, ocupando posições na administração ou executivas... a contra-revolução ultraliberal alimentou a adesão das classes baixas à direita, enquanto os filhos de Marx e da Coca-Cola apostavam por uma Terceira Via que levou a esquerda à desorientação e à impostura. A solvência científica e intelectual evaporou-se da maior parte da esquerda e o esquerdismo (ou o que Lenine denominou a doença infantil do comunismo) converteu-se num ghetto sem nenhuma capacidade para atuar diretamente sobre a realidade refugiando-se numa teoria que não era necessário que for testada na praxe. Passou-se a adoção do que resulta uma pose estética baseada no enjeitamento a tratar com rigor a realidade social verdadeiramente existente para compreender e transformar a realidade.

Não seria até a emergência do EZLN em México e do altermundismo que começaria a enxergar-se um novo relato alternativo na esquerda, no entanto, por vezes cheio de pós-modernismo onde a reflexão para a praxe é algo secundário e onde, em boa medida, se desistia de qualquer transformação sistémica com o tão mal entendido: pensa global, atua local. Enquanto no social-liberalismo desaparecia definitivamente Marx e apenas ficava a Coca-Cola, na esquerda não resignada, ao não enxergar-se o quê fazer e ao não poder em grande parte dos casos testar na praxe a teoria, subsumiu-se na pós-modernidade líquida – e a Cola de marca branca também é líquida – e na perda dos valores da Ilustração. Essa pós-modernidade líquida incapaz de ver como transformar o ético e não apenas o estético, que criou etiquetas e relatos que muitas vezes são filosoficamente confusos, estrategicamente ocos, sociologicamente inconsistentes e, em última instáncia, teoricamente estériles.

E assim como chegamos ao dia-a-dia de hoje na esquerda: entre uma dissidência pretensamente líquida – para não reconhecer-se incapaz de desenvolver as tarefas que a nossa altura histórica exige – e uma renúncia social-liberal que desarmou ideológica e eticamente a toda a esquerda. Apenas das cinzas e com a (re)politização da sociedade civil (do compromisso militante individual, mas também do cérebro coletivo) será possível conceber rachar com o possível para reclamar o impossível. A tarefa da velha esquerda - no sentido de assumir o melhor da tradição republicana e socialista-, hoje tão deostada, é precisamente armar ideologicamente e fazer pedagogia política para dotar de programa e ilusão uma indignação marcada pelo individual, o protesto sem futuro e a derrota. Não deixemos que chegue a nós uma nova queda do muro de Berlim, talvez desta volta já irreparável.

4.- Conclusão
Começaremos esta recapitulação volvendo sobre o já citado texto de Žižek [2010a: 89]:
La nuestra es una situación opuesta a la situación clásica de principios del siglo XX, en la que la izquierda sabía lo que había que hacer (establecer la dictadura del proletariado), pero tenía que esperar pacientemente el momento adecuado de ejecución. Hoy en día no sabemos qué es lo que tenemos que hacer, pero tenemos que actuar ahora (…). […] O como dijo Gramsci, la nuestra caracteriza una época que empezó con la Primera Guerra Mundial, «el viejo mundo está agonizando, y el nuevo mundo lucha por nacer: ahora es el tiempo de los monstruos».

Dizia Goya que o sonho da razão produz monstros. Os mesmos monstros dos que Gramsci nos fala quando é o tempo do que Giovanni Arrighi denominou como caos sistémicos, seguindo a escola de Fernand Braudel do sistema-mundo. Hoje, desde a política sem política pedem-nos paciência e resignação... «Piden todo o contrario do que é a política: esperanza, entusiasmo e, cando fai falta indignación» [Bermejo, 2012: 83].

Dito isto, o que queremos concluir através desta exposição breve sobre o 15-m é a necessidade urgente de rearme da esquerda, a necessidade um programa e avançar baseando-se na reflexão e testando-a na praxe. É a conversão da indignação individual em rebelião cívica coletiva e organizada. É a capacidade de compreender que o novo nasce do velho e requer identificar que cumpre mudar afastando-se de inercias conservadoras e que cumpre manter e até reforçar. É a necessidade de revolução e não de reforma. É a imprescindível preponderância da razão, junguindo o otimismo da vontade com o pessimismo da razão. É a evidência da necessidade da pedagogia como ferramenta para a construção duma nova hegemonia, no sentido gramsciano, que conforme um novo bloco histórico que compreenda a atualidade do eixo esquerda-direita. É a urgente necessidade de alianças na esquerda e de reartelhar o internacionalismo de classe. É, em definitiva, a necessidade de (re)politizar uma maioria social para evitar uma nova vitória do fascismo, disfarçado com o fato pós-moderno, toda vez que o subversismo alimente a pós-política alienante.

NOTAS A RODAPÉ
1Veja-se por exemplo uma resenha dum livro que foca o tema desde a Galiza: "15-m O pobo indignado" em À revolta entre a mocidadehttp://revoltairmandinha.blogspot.com.es/2011/12/15-m-o-pobo-indignado.html
2É evidente, no entanto, que a irrupção de Syriza contribuiu para remudar por completo este panorama. Também no Estado espanhol a experiência de Alternativa Galega de Esquerdas (AGE) está a inspirar movimentos semelhantes que apostam pelo frentismo em tudo o estado. Por exemplo, Arcadi Oliveres e outros impulsam um achegamento nos Països Catalans entre as CUP e ICV.
3Pode consultar-se uma tradução para o galego feita por quem isto escreve na seguinte ligação:http://revoltairmandinharevista.blogspot.com.es/2011/11/gramsci-odio-aos-indiferentes.html
4"El 15-m mantiene la simpatía ciudadana dos años después" em El País (18-05-2013):

Bibliografia:

ALI, Tariq (2012), “Só protestar simbolicamente não é suficiente” em À revolta entre a mocidade:
_________ (2013) “Creouse algo novo que é o extremismo de centro” em À revolta entre a mocidade,
BERMEJO BARRERA, Juan Carlos (2012), "O descrédito da política e o descrédito da democracia" em BERMEJO BARRERA, Juan Carlos: Os señores da mentira. Política e cultura en Galicia, Compostela: edicións Lóstrego, pp. 73-84.
CALLINICOS, Alex (1995), Contra o post-modernismo, Compostela: Laiovento.
FENTE PARADA, Antom (2011), "O darwinismo social militarizado" em À revolta entre a mocidade: http://revoltairmandinha.blogspot.com.es/2011/03/o-darwinismo-social-militarizado.html
GRAMSCI, Antonio (2000): Cuadernos en la cárcel, México: ediciones Era, volume 3, página 46.
_________________ (2001), Odio a los indiferentes, Barcelona: Ariel, páginas 18-25.
MANDEL, Ernest (2013), “A burocracia” em À revolta entre a mocidade:
RIMBERT, Pierre e KEUCHEYAN (2013), “El carnaval de la investigación” em Le Monde Diplomatique en español, nº 211, maio 2013, página 8.
ŽIŽEK, Slavoj (2010a), “Un permanente estado de excepción económica” em New Left Review, nº 64, outubro 2010. Disponível em http://www.ddooss.org/articulos/otros/S_Zizek.htm
__________ (2010b), En defensa de la intolerancia, Barcelona: Biblioteca Pensamiento Crítico, pp. 33-44.


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