22/03/2011

A primavera dos povos

Antom Fente Parada.

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Com alvoroço e entusiasmo fôrom acolhidas as revoltas árabes na Europa. A anoréxica esquerda nom resignada europeia aguarda como auga de maio qualquer conflito social no denominado ainda Terceiro Mundo - etiqueta herdada da Guerra Fria quando falavamos de imperialismo e nom do cotroso eufemismo neutro da globalizaçom-. E é que aqui caem-nos os paus e rem se move, nom sendo numha pequena vila gala que resiste, quando menos resiste, a bancocracia e os diktat.

No entanto, desde o primeiro momento os sintomas da contrarrevoluçom eram bem evidentes.Na Tunísia um homem de confiança do ditador ficava no poder e ainda que foi obrigado a posteriori a renunciar, principalmente pola acçom dos sindicatos, os paralelismos - salvando as distáncias- com a Transiçom à II Restauraçom bourbónica eram mais do que evidentes. O mesmo aconteceu no Egito, onde Mubarak só fixo ganhar tempo para a contrarrevoluçom e onde os seus homens de confiança e os antigo establishment pilotam o processo. Convoucou-se um referendo sem abrir um novo processo constitucional:

A Revolução francesa teve que fazer frente à invasão das monarquias que uniram as suas forças. A Revolução russa teve que enfrentar a arremetida dos exércitos brancos. A Revolução iraniana teve que enfrentar a invasão iraquiana. A Revolução árabe terá que fazer frente ao exército de Arábia Saudita. (1)
Chegou logo a intervenço de Líbia e a esquerda galega respondeu de jeitos variados: uns aderindo a intervençom da NATO sem reservas e alinhando-se com a visom fornecida pola mídia ocidental. Khdafi, um ditador sanguinário devia ser deposto e os "rebeldes" deviam ser ajudados seja como for; outros rejeitando a "imperialista" intervençom da NATO sem ir além do caso Líbio - que se passa com o Bahareim, o Iemem ou Omám?- e com a velha posiçom maniqueia. Hugo Chávez foi um dos que aderírom também a esta segunda postura... e as árvores voltárom-nos impedir ver o bosque. Tampouco ouvimos nada dos protestos em Gaza e Cisjordánia dos jovens palestinianos nom contra Israel, mas contra os corrutos e impopulares dirigentes de Hamás e Al-Fatah.

Muito mais minoritários fôrom os posicionamentos que denunciando ao sátrapa do Khadafi e o imperialismo e filisteu ataque da NATO vam além na sua análise. Immanuel Wallerstein foi um deles :
A Líbia e o mundo ocidental estavam firmando um acordo lucrativo após o outro. É difícil para mim ver Gaddafi como um herói do movimento anti-imperialista mundial, pelo menos na última década. (2)
Outra clara conclusom da vitória galopante da contrarrevoluçom por toda a parte é que durante décadas Ocidente apoiou tiranos locais para esvanjar os recursos naturais desses estados ao tempo que se perseguia e se exterminava a esquerda laica desses estados. Os socialistas fôrom sistematicamente perseguidos. Como aponta Samir Amin quando analisa a revolta egípcia no seio dos opositores convivem a mocidade liberal e de classe meia (os do Twiter e o Facebook), a esquerda radical (dos sindicatos clandestinos e das luitas operárias), os demócratas de classe média e os muçulmanos (no caso egício a Irmandade). Em todos os casos o peso da esquerda radical é no conjunto minoritário, embora sejam por vezes os que carreguem com o maior peso da repressom e os que possibilitárom os avanços da revolta (só em 2009 no Egito registárom-se 478 greves que trouxérom consigo 126.000 despedimentos e 5 suicídios) (3). Como nos lembra Wallerstein:

Gaddafi é um grande obstáculo para a esquerda árabe, e também do resto do mundo. Talvez devêssemos nos lembrar da máxima de Simone de Beauvoir: “querer libertar-se significa querer também a liberdade dos outros”(4).
Os "rebeldes" que combatem contra Khadafi, que declarou que ia fazer em Bengasi o mesmo que Franco em Madrid no 39, e contam com mercenários afegaos dos serviços secretos de Arábia Saudita para dar cobertura aos islamitas e aos monárquicos. Umha sorte de rede Gladio como a que operou em Itália para banir o PCI. Ocidente, pois há muito que tomou partido:

O 27 de fevereiro, os sublevados fundam o Conselho Nacional Libio de Transiçom (CNLT). Por sua vez, o ministro de Justiça Mustafa Mohamed Abud al-Djeleil, interlocutor privilegiado do Império no seio do governo de Khadafi, une-se à revolução e cria um governo provisório. As duas estruturas fundem-se em uma só o 2 de março, conservam a etiqueta CNLT mas agora é Abud al-Djeleil quem preside o Conselho. Em outras palavras, Washington conseguiu situar o seu peom na cabeça da insurreçom(5).

Os khadafistas pola sua banda botam mao de mercenários dependentes da CST Global, companhia do muito democrático Estado de Israel. Internamente o ditador apoia-se na tribo khadafa do centro do estado e na maioria dos makarha porque nom perdamos de vista que a Líbia é um estado artificioso com conflitos étnicos latentes (ainda que de nula importáncia para o binómio político-mediático ocidental).

Daquela, nom há duvida do caráter criminoso e pró-ocidental do governo de Khadafi como nom o há de que nos "rebeldes" estám ex altos cargos do governo de Khadafi, associados a frente dumha coligaçom heteróclita conformada principalmente por monárquicos pró-ocidentais e a tribo oriental dos warfala, integristas wahhabitas (reforçados com os mercenários da Arábia Saudita já mentados) . Mais minoritários, ou com menor peso quando menos para a pilotagem para o novo regime,  som os revolucionários, ora laicos e socialistas, ora khomeinistas.

Nom parece, pois, excessivo dizer que o povo líbio vai perder de todas todas e que esta guerra civil reforçará as tensons entre etnias à vez que colocará um novo governo servil para ocidente (que nom está livre de rematar por converter-se numha monarquia despótica como as da península arábica). Opor-se à guerra nom deve confundir-se já que logo com dar cobertura ao assassino regime de Khadafi como opor-se à guerra do Afeganistám ou do Iraque nom era aderir Sadam ou os talibáns.

A decadência do Império

O império tem muito que ganhar porque o Norte de África e concretamente a Líbia som essenciais tanto para garantir a sua cada vez mais ameaçada hegemonia (6) como a do seu sócio local, Israel. Trata-se de recuperar o terreno perdido perante a previsível próxima potência hegemónica no marco do caos sistémico actual, a China (7), onde os EUA dificilmente podem seguir sendo o gendarme global e onde os seus cimentos económicos - que sustentam os militares- se demoronam sem que os outros centros capitalistas clássicos podam fazer muito por evitá-lo ao toparem-se igualmente em crise.

A utopia reaccionária ultraliberal significou a partir de 1970 umha contrarrevoluçom monetarista e umha financiarizaçom da economia que conduziu a umha belle époque semelhante à da fim da hegemonia británica. Como indica Giovanni Arrighi, que vê esta belle époque como prelúdio da crise terminal que culmina o longo declive e que parece já botou a andar em 2008:
a semelhança mais chamativa entre esta nova belle époque e a eduardiana era a falha de consciência quase absoluta dos seus benefíciários de aque aquela prosperidade repentina e sem precedentes de que gozavam nom descansava sobre umha resoluçom da crise de acululaçom que a precedera os bons tempos (...) [e que] a recente prosperidade baseava-se num desprazamento da crise dum conjunto de relaçons a outro. Era apenas questom de tempo que a crise voltara reaparecer com formas ainda mais pertubardoras [a das .com, a bolha imobiliária, etc.] (8).
Porém a situaçom de crise dos estados na Eurolándia junto ao volume da dívida pública nipone e o estancamento da sua economia (agora agravada pola crise nuclear) nom permite um novo "Acordo de Praza" como os de 1985 ou 1995, precisamente porque a financiarizaçom fixo entrar a todo o sistema numha grande crise. Ou seja, o colapso sistémico que aqueles acordos queriam evitar parece que já se tem iniciado assim como o período de caos no sistema-mundo capitalista actual:

As expansons financeiras tendem a desestabilizar a ordem existente através de processos que som tanto sociais e políticos como económicos. Economicamente, desviam sistematicamente o poder de compra da inversom criadora de demanda de mercadorias (incluída a força de trabalho) para o atesouramento e a especulaçom, exacerbando assim os problemas de realizaçom. Politicamente, socavam a capacidade do Estado hegemónico vigente para tirar proveito da intensificaçom da competência a escala sistémica. E socialmente, traem consigo umha massiva redistribuiçom das recompensas e dislocaçons sociais que provocam movimentos de resistência e rebeliom entre os grupos e capas subordinadas cuja forma de vida habitual vê-se atacada.
(...)
O crash e a Grande Depresom da década de 1930 fôrom um elemento intrínseco do último colapso. O sucesso da contrarrevoluçom monetarista, ao transformar a expansom financeira da década de 1970 em força impulsora da renovaçom do poder e a riqueza estadounidenses durante as décades de 1980 e 1990, nom garante por sim próprio que nom volte produzir-se um colapso sistémico semelhante. (9)
 A primavera dos povos

Pola sua extensom e polo escasso eco e avanços que finalmente terám podemos aventurar-nos e comparar as revoltas árabes com a primavera dos povos na Europa de 1848, que precedem paradoxalmente a era que Eric Hobsbawm tem denominado como "do capital", ou seja, o intervalo que vai de 1848 a 1875.

Em 1848, o 24 de fevereiro em Londres, Marx e Engels publicam o seu Manifesto comunista, que no entanto teria pouca repercusom naquela altura. Às poucas horas, contodo, as suas premoniçons semelhava mesmo que iam caminho de cumprir-se. Umha insurrecçom popular derrocava a monarquia francesa estabelecia a república e a onda revolucinária atingiria boa parte de Europa. Como Hobsbawm indica "na história do mundo moderno dérom-se muitas revoluçons maiores, e desde logo bom número delas com muito mais êxito. No entanto, nengumha se espalhou com tanta rapidez e amplitude, pois esta propagou-se como um incêndio através das fronteiras, estados e até oceanos" (10).

A república francesa proclamou-se em 24 de feveriro. O 2 de março a revolta já estava no suroeste de Alemanha e o 6 de março em Baviera. O 11 chegava a Berlim. O 13 a Viena e a Hungria. O 18 a Milám enquanto umha revolta independente já se apoderara de Sicília. Para valorar o mérito disto há que levar conta de que naquela altura o serviço mais rápido de informaçom (o do banqueiro Rothschild) tardava cinco dias em levar novas de Paris a Viena. De por parte, o eco da revolta liga-se com a revolta de Pernambuco no Brasil e poucos anos depois com a sua homóloga de Colômbia. Estas revoluçons eram pois o paradigma da "revoluçom mundial" dos revolucionários europeus, também de Karl Marx.

A revoluçom de 1848 foi a única que afectou por igual as regions atrasadas e desenvolvidas do continente e por sua banda foi a de maior rádio de acçom (directamente nos actuais estados de França, Alemanha, Aústria, Itália, República Checa, Eslováquia, Hungria, Polónia, Romania e a ex-Iugoslávia; indirectamente ou com menor intensidade também em Brasil, Colômbia, Bélgica, Suíça e Dinamarca). Porém, foi também a de menor sucesso, já que aos seis meses de ter começado já se precedia com total segurança o seu absoluto fracasso e aos 18 meses voltaram ao poder todos menos um dos regimes derrocados, o da República Francesa. 

Assim, a "primavera dos povos" foi efémera como a estaçom o é, embora perdurarara algo mais em Viena, Hungria e Itália. De facto, no inverno ainda se mantinha o último eco das revoluçons do nacionalismo e o republicanismo romántico em Itália e Hungria. Algo comum a todas aquelas revoluçons - e que marcou o seu fracasso- foi que aginha os liberais moderados, umha vez alcançados o poder e a hegemonia, e até alguns políticos mais radicais assustárom-se das revoluçons sociais que surgiam por toda a parte impulsadas polos trabalhadores pobres. As elites voltárom vender aos de abaixo para garantir os seus previlégios. mas a sangue verquérom-na eles, os deserdados. Hobsbawm aclara que em nas barricadas urbanas de Berlim morrérom 300 pessoas das que só 15 eram representantes das classes educadas e 30 mestres artesaos. Em Milám 12 estudantes, oficinistas ou fazendados entre os 350 mortos da insurreçom... Em Paris a revoluçom de fevereiro custou 360 vidas e em junho os liberais esmagavam os trabalhadores com 1500 mortos, 3000 assassinados logo e 12000 deportados a campos de concentraçom argelinos.

Hobsbawm tira a seguinte conclusom nom tam longínqua da nossa análise dos povos árabes em 2011:
A revoluçom apenas  manteve o seu ímpeto lá onde os radicais eram o bastante fortes e se achavam o suficientemente vencelhados ao movimento popular como para arrastrar consigo os moderados ou nom necessitar deles. Esta situaçom era mais provável que se dera em estados nos que o problema central fosse a libertaçom nacional, um alvo que requeria a contínua movilizaçom das massas. Esta é a causa de que a revoluçom durara mais tempo em Itália e sobretodo em Hungria  (11).
Porém para o futuro o mais importante da "primavera dos povos" fôrom duas questons amiúdo nom sublinhadas o suficiente. A primeira é que as teses do Manifesto Comunista teriam umha repercusom histórica dificilmente previsível naquela altura (e dariam pé a leitura do mais infeliz como todos os textos "canonizados"); de facto a Marx nom se lhe ocorriu substituir a revoluçom burguesa pola proletária - a diferença do Lenine de 1917- até que passou a "primavera" e  tardou muitos anos em corresponder com a praxe. A segunda é a antítese a Marx e o socialismo, os liberais descobrírom que as revoluçons eram perigosas e que parte das suas demandas substanciais - sobretodo as mais importantes as económicas- podiam satifazer-se sem revoluçom. Noutras palavras, a burguesia deixaria para sempre de ser umha classe revolucionária e Napoleom III encarnaria junto a Bismark a entente entre os velhos aristócratas e terratenentes e os liberais burgueses.

Notas:
1.- Thierry Meyssan: "Médio Oriente, a contrarrevoluçom de Obama" em http://revoltairmandinha.blogspot.com/2011/03/medio-oriente-contrarrevolucom-de-obama.html.

2.- Immanuel Wallerstein: "A Líbia e a esquerda" em  http://revoltairmandinha.blogspot.com/2011/03/libia-e-esquerda.html.

3.- Vicenç Navarro: "O que non se coñece sobre o Exipto" em http://revoltairmandinha.blogspot.com/2011/02/o-que-non-se-conece-sobre-exipto.html.

4.- Ver nota 2

5.- Ver nota 1


7.- Duas amostras disto som os interesses da China em África: http://revoltairmandinha.blogspot.com/2010/12/interesses-chineses-em-africa.html; ou umha releitura dos ciclos económicos do capitalismo seguindo a Nikolai Kondratiev (http://revoltairmandinha.blogspot.com/2010/10/nikolai-kondratiev-os-grandes-ciclos-da.html) e, sobretodo, a teoria dos ciclos de Ernest Mandel. Quanto a Mandel veja-se, por exemplo, "La crisis a la luz del marxismo clásico" em Sin Permiso, nº8, pp. 39-52.

8.- Arrighi, Giovanni (1999), El largo siglo XX. Dinero y poder en los orígenes de nuestra época, ediçons Akal, Madrid, p. 390.

9.- Arrighi, Giovanni (2007), Adam Smith en Pekín. Orígenes y fundamentos del siglo XXI, Akal, Madrid, pp. 172-173.

10.- Hobsbawm, Eric (2007), La Era del Capital (1848-1875), Crítica, Barcelona, p. 22.

11.- Op. cit. p. 29. De facto, a revolta húngara só caiu pola intervençom dum exército estrangeiro muito superior nom por factores internos.



Um comentário:

AFP disse...

Chego aogra da livraria Couceiro, da apresentaçom do último livro de Dionísio Pereira (sobre a luita de classes e a represom no mar no último quartel do XIX até 1939), que nom o derradeiro pois já tem avançado um outro estudo sobre a classe operária compostelá. A anedota vem a conto porque lá merquei o livro de Alfredo Branhas "A crise económica na época presente e a descentralización rexional", que se apresentou na quarta-feira passada no mesmo local, e que traduziu Afonso Ribas Fraga, o seu editor (da Unipro Editora junto a Toxosoutos).

Pois bem, começando a debulhar algumhas das suas páginas, começando polo prólogo de Beiras, topo algo do petrúcio que complementa bem as palavras de Arrighi:

"A 'crise económica da época presente' que Brañas analisa e tenta diagnisticar no seu extenso discurso académico de 1892 non é outra que a famosa 'crise finisecular' do XIX, que se desencadea a partir do 1873, vaise prolongar durante decenios, e atravesar inclusive os 'felices' anos da belle époque, deica acadar o seu primeiro desenlace en forma de conflito bélico mundial, a Gran Guerra de 1914-18 - e digo primeiro desenlace porque, en rigor, o subseguinte período de entre-guerras vai constituír unha prolongación dese proceso de crise sistémica, que desembocará na Grande Depresión e só concluirá co estoupido da IIªGuerra Mundial: nada menos que meio século de duración, portanto. Esa crise marca e abrangue o declive da Gran Bretaña como epicentro do sistema-mundo de entón, ou sexa, do conxunto do sistema capitalista ao nível de mundialización acadado naquela altura. Trátase, xa que logo, dunha crise de hexemonía: o solpor e empardecer da Gran Bretaña como potencia hexemónica do sistema económico mundial.

Curiosamente, dáse o casula que arestora, esactamente un século despois, estamos a transitar por outra grande crise sistémica, e crise de hexemonía tamén. E dixen que esactamente un século despois porque podemos situar nos arredores de 1973 o ponto de partida do proceso crítico que, con sucesivas fases e altibaixos, atravesa o sistema e que os do común andamos a aturar dende aquela até hoxe mesmo- e inda non rematou nen leva trazas de rematar. Vexámolo un algo se queredes".

Rem que engadir ;-)