23/02/2010

A direita galego-espanhola: espanholista na Galiza, lusista além-Minho

No verão de 1994 aparecia na revista Agália um artigo póstumo de Ernesto Guerra da Cal, intitulado “Dois lusistas insólitos”. Nele examinava a dupla moral dos franquistas galegos, começando por Manuel Fraga que “fala de um lado da boca ao Norte do Minho e do outro ao Sul do belo rio: um discurso anti-lusista, habitual, em Santiago, e outro, polo menos agora, insólito, em Lisboa”. Não obstante na sua visita oficial a Lisboa de 1994 levava com orgulho a sua condição lusófona. Na palestra que menestrou no “Círculo Eça de Queiroz”, proferiu arredor de Álvaro Cunqueiro num galego que ia na sua fonética além –explica Da Cal– “do que defenderia um radical “reintegracionista””. Três dias depois, numa entrevista concedida ao semanário Expresso, aclarava-lhe aos portugueses que sempre “é melhor trabalhar com vizinhos imediatos que falam basicamente a mesma língua”, o que não impedia, parece ser, para que os que dizessem o mesmo na Galiza fossem marginados do espaço público e até retaliados nos seus postos de trabalho.


Manuel Fraga, lusista quando convém
Mas é que Fraga gostava muito de presumir de ser lusófono de nascença. No jornal La Voz de Galicia do dia 16 de novembro de 1996, pode-se ler como na visita à Galiza do Ministro de Agricultura e Pesca de Moçambique, Carlos Agostinho do Rosário, o na altura presidente da Junta declarou que “é muito o que esperamos da visita do senhor ministro à Galiza, que lhe oferece, com toda franqueza, um especial sentimento de irmandade, porque depois de tudo falamos a mesma língua”. E há mais casos, como as suas conferências no Brasil ou declarações com motivo da independência do Timor.
Uma destas demonstrações “lusófilas” do ex ministro de Fraga, quiçá a mais sangrante, é quando em 1991 a Junta da Galiza publica o seu livro A Galiza e Portugal no marco europeu, empregando a normativa internacional o qual era, e é, excusa da administração galega para recusar subsídios oficiais –caso do Novas da Galiza. No citado livro, pode ler-se com interesse o primeiro capítulo, no que diz acerca de Tui:
“...a sua cidade e a sua terra, com a sua artéria vital, o rio Minho, são o ponto de encontro de dois povos irmãos, portugueses e galegos. É um encontro a que nos chama a pertença geográfica a um mesmo espaço físico, a herança cultural de uma língua comum.” [1]
Franco falando-lhe galego a Salazar

Contudo o mais interessante do artigo de Da Cal é quando fala de Franco, esse rapazinho de Ferrol do que todos pensávamos que não sabia papa de galego, e que dedicou boa parte das suas energias vitais em destruir, literalmente, a cultura da Galiza. O caso é que de 1939 até a fim da II Guerra Mundial, o ditador assinou com Portugal um “Tratado de Amizado e não-Agressão”, que tivo de ser retocado várias vezes. Em 1949 entra com grande espectáculo em Lisboa em iate, polo Tejo acima. O caso é que se dá uma anedota suprimida polos biógrafos espanhóis, mas sublinhada polos britânicos: Franco falou em galego com Salazar em sinal de acercamento e para não ser ouvido polo Ministro de Negócios Estrangeiros Serrano Suñer. Assim o recolhe o historiador Hill: “No encontro, Franco dirigiu-se a Salazar em galaico-português, que Serrano mal podia perceber. O cuñadísimo queixou-se aos seus amigos que se tinha sentido totalmente posto de parte”. Crozier fai uma crónica parecida: “Dispensando um intérprete, Franco dirigiu-se a Salazar no seu nativo dialecto galego, que é tão próximo do português que a comunicação foi muito mais fácil do que normalmente é entre ibéricos de diferentes nacionalidades”. “Hill, –sinala Da Cal– linguisticamente mais bem informado do que Crozier, não se refere ao galego como dialecto nativo, senão como galaico-português. Anteriormente (págs. 19-20) já tinha informado o leitor de que a língua falada na Galiza era umha língua românica, com uma antiga e refinadíssima tradição lírica, superior às do resto da Europa. Não em vão, Franco era membro da Real Academia Galega até há uns meses, poderíamos engadir. Outro caso, este pouco conhecido e ocultado polos biógrafos do regime, do esquizofrénico carácter da direita galega, que reprimem na casa o que louvam fora.
A conversa lusófona de Juan Carlos I e Francisco Rodríguez

Em abril do ano 1996 produziu-se outra cena de lusismo insólito. Francisco Rodríguez, deputado em Madrid polo BNG, manteve uma audiência com o rei de Espanha, Juan Carlos I. O militante da UPG agassalhou o monarca espanhol com um exemplar do Sempre em Galiza. A crónica, relatada por La Voz de Galicia”, intitulou-se “El Rey y el diputado del BNG terminaron la audiencia hablando en gallego”, explicando que “Don Juan Carlos utilizó con su interlocutor nacionalista el portugués, idioma que habla perfectamente de los años que vivó en Estorial durante su infancia y juventud”. Em Estoril, por certo, fora vizinho de Guerra da Cal, com quem também partilhara aulas na mocidade.
O lusismo à Feijóo

Após esse primeira etapa de “lusismo insólito”, as camandas mais rançosas da direita na Galiza assumem agora, na etapa Feijoo e desde as páginas de La Voz de Galicia, um discurso arredor da lusofonia bastante surpreendente, que combinam, como sempre, com a repressom ao galego e ridiculizaçom do reintegracionismo. A clássica estratégia de apoio que vai contra os aparentemente apoiados, como já se sinalou nos foros de debate da rede galega. No foro do Portal Galego da Língua podia-se ler o seguinte comentário: “É uma manobra clássica da Voz e dos seus interesses, amplificando e dando cobertura a uma opinião do PP a prol de certas questões relativas à lingua ou a sectores do nacionalismo político galega esses sectores aparentemente apoiados passem a negativos para boa parte do público e dos activistas que defendem outras correntes menos perigosas ou menos subversivas”.
Blanco Valdés, da "língua mais falada" ao “medio en gallego, medio en portugués”

Assim, num artigo do 10 de janeiro de 2010 em La Voz de Galicia, o destacado galegófobo Roberto L. Blanco Valdés, homem destacado polo seu fero nacionalismo espanhol, dizia sem imutar-se que:
Aunque Feijoo tenía el compromiso de poner fin a la inmersión, la idea de hacerlo a través del sistema de tres tercios resulta -política y pedagógicamente- la mejor imaginable. Pedagógicamente, porque nuestros chavales conocerán tres lenguas de gran proyección en espacios geográficos inmensos.
[...] la Xunta habrá hecho una contribución histórica al futuro del país: ayudar a que las futuras generaciones de gallegos puedan entenderse en tres de los idiomas que suman mayor número de hablantes en el mundo. Eso es hacer país. Otros solo quieren hacer patria.
O qual não foi um obstáculo para que semanas depois, quando a sua morada foi alvo de uma sabotagem, sinalar com despreço que os panfletos achados no lugar estavam escritos “medio en gallego medio en portugués” [2].
A senda de Feijoo

Caminhava, isso sim, seguro pola senda que abrira Feijoo anos antes, no 4 de novembro de 2007, quando proclamava aos ventos:
Debemos seguir cultivando o compromiso e o aprecio pola nosa lingua e facilitar un clima de liberdade de escolla, sendo conscientes de que o galego é unha opción útil e válida en todos os contextos sociais. Persoalmente, decátome de que o galego é unha riqueza que nos axuda a abrir as portas da lusofonía. [3]
Feijoo, aliás, também gosta de pavonear-se com os seus pares lusos, ao mais puro estilo Manuel Fraga. Em junho anunciou a sua visita a Lisboa, invitado polo Governo português, para impulsar o apoio luso ao Jacobeu; tudo isto durante umha comparecência perante os meios com o embaixador de Portugal na Espanha, Álvaro de Mendoça e Moura. Este último recordou-lhe ao galego o interesse do Governo luso em incluir o ensino do português nas aulas da Galiza, ao que o presidente da Junta respondeu engraçado que “gostaríamos muito que se desenvolvesse, porque já há planos com outrs comunidades autónomas e Galiza tem de estar na dianteira”, ao tempo que lhe recordou ao embaixador que segundo estimações da ONU, em 15 anos haverá uns 360 milhões de pessoas a falarem galego/português. Isto tudo a começos de junho do passado ano.
Em outubro volverá à carga. Numa visita à capital do Reino Unido afirmava que os jovens galegos necessitam dominar idiomas estrangeiros para além dos co-oficiais –seguramente adiantando o caminho para o seu “tripartido” decreto–, e gabando-se de que assim “podemo-nos comunicar praticamente com todo o mundo, já que uns 500 milhões de pessoas falam inglês, mais de 400 comunicam-se em espanhol, e quase 200 milhões pertencem à lusofonia, porta que se abre através do galego”. Mas que galego? Conviria perguntar…
Franco, Fraga, Juan Carlos I e... Mariano Rajoy

A prática de falar galego com os lusos não é alheia a Mariano Rajoy. No 3 de março de 2008, é entrevistado rapidamente por uma jornalista portuguesa da RTP à saída de uma reunião:
—Sr. Rajoy, soy periodista portuguesa. ¿Si usted gana, cómo van a ser las relaciones con Portugal?
—Fantásticas porque yo soy gallego, y vivo a treinta kilómetros de Portugal. Entonces yo Valença do Minho, Caminha, Viana do Castelo... Conheço mui bem.
—¿Y sería una buena relación con Portugal?
De primeira divissão.[4]
E pode-se concluir, pois este texto não pretende ser um repasso exaustivo, com a contratação de Miguel Von Haffe como diretor do Centro Galego de Arte Contemporânea. O português Von Haffe, contratado pola administração de Feijoo, foi entrevistado em Galicia Hoxe, onde lhe perguntaram se está a aprender galego, ao qual respondeu: “Levo 42 anos com o galego. (Sorri). Você e eu entendemo-nos perfeitamente. Se quadra teira que perfeccionar o castelhano”. E de certo que assim deveu ser, pois é essa a língua que utilizar nas suas comparecências públicas.
Em definitiva, seguem a ser válidas as conclussões de Guerra da Cal, temos uma direita espanholista que na Galiza marginaliza o mesmo reintegracionismo do que presume além-Minho. A novidade é saber até que ponto a contaminação da mensagem reintegracionista por parte deste tipo de discurso que está a emitir Feijoo, pode ser um obstáculo para a defesa do galego. É claro que não há nada de sincero no seu discurso, polo que tudo fai supor que se trata de ruído, que confunda objetivos e discursos.
Algumas referências

[1] Fraga Iribarne, Manuel. A Galiza e Portugal no marco europeu. Xunta de Galicia, A Coruña, 1991.
[2] El Correo Gallego, 29/01/2010, http://www.elcorreogallego.es/galicia/ecg/estalla-un-artefacto-vivienda-catedratico-blanco-valdes/idEdicion-2010-01-29/idNoticia-510887/]
[3] http://www.lavozdegalicia.es/galicia/2007/11/04/0003_6287369.htm
[4] http://www.youtube.com/watch?v=D5xhZyhVjJs

Um comentário:

Anônimo disse...

Sou brasileiro e amo a Galicia!
Quando pensarem na Lingua portuguesa, pensem em nós! E esqueçam o Salazar!
abraços