Cochabamba, Bolívia. Eram as 11 da manhá e Evo Morales transformou o estádio de futebol numha gigantesca sala de classes, e reuniu umha variedade de objectos de utilaria: pratos de cartom, copos de plástico, impermeáveis desbotáveis, xícaras feitas a mao, pratos de madeira e coloridos ponchos. Todos jogárom un papel para demonstrar um ponto principal: para luitar contra a mudança climática necessitamos recuperar os valores dos indígenas.
No entanto, os países ricos tenhem pouco interés em apreender estas liçons e, pola contra, promovem um plano que, no melhor dos casos, incrementaria a temperatura global promédio em dous graus centígrados. Isso implicaria que se derreteram os glaciares dos Andes e do Himalaia, dixo-lhe Morales aos milheiros de pessoas reunidas no estádio, como parte da Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mai Terra.* O que nom necessitava dizir é que nom importa o sustentavelmente que elixa viver o povo boliviano, pois nom tem o poder para guardar os seus glaciares.
A cimeira climática em Bolívia tivo os seus momentos de ledícia, levidade e absurdo. Porém, no fundo, sente-se a emoçom que provocou este encontro: raiva contra a impotência.
Nom hai por quê surprender-se. Bolívia está no meio dumha dramática transformaçom política, umha que nacionaliçou as indústrias chave e elevou como nunca antes as vozes dos indígenas. Mas no que se refire a sua crise existencial mais apremiante –o facto de que os seus glaciares se derretam a um ritmo alarmante, o qual ameaça o subministro de auga em duas das principais cidades-, os bolivianos nom podem mudar de por si o seu sino.
Isso deve-se a que as acçons que provocam o derretimento nom se realizam em Bolívia, mas nas autoestradas e as zonas industriais dos países fortemente industrializados. Em Copenhague, os dirigentes das naçons em perigo, como Polívia e Tuvalu**, argumentárom apaixoadamente a prol do tipo de reduçons das emissons de gases que poderiam evitar umha catastrofe. Amavelmente dixérom-lhes que a vontade política no Norte simplesmente nom existia. E mais: Estados Unidos deixou claro que nom necessitava que países pequenos como Bolívia foram parte dumha soluçom climática. Negociaria um acordo com outros emissores pessados a orta fechada e o resto do mundo seria informado dos resultados e convidado a assinar, o que é precisamente o que ocorreu com o Acordo de Copenhague. Quando Bolívia e Equador recusárom aprová-lo em automático, o governo estadounidense recorto a sua ajuda climática a 3 milhons e 2'5 milhons de dólares, respectivamente. Nom é um processo de balde, explicou Jonathan Pershing, negociador climático ianque. (Aqui está a resposta para qualquer um que se pergunte por quê os activistas do Sul rejeitam a ideia do apoio climático e, em troca, demandam o pago de dívidas climáticas). A mensage de Pershing era calofriante: se és pobre, nom tés direito a priorizar a tua própria sobrevivência.
Quando Morales convidou aos movimentos sociais e defensores da mai terra, científicos, académicos, advogados e governos, a vir a Cochabamba a um novo tipo de cimeira climática, foi umha revolta contra esta sensaçom de impotência, foi umha tentativa para construir a base de poder em torno ao direito a sobreviver.
O governo boliviano arrincou as discusons propondo quatro grandes ideias: que se deveria outorgar direitos à natureza, que protejam da aniquilaçom aos ecossistemas (umha declaraçom universal dos direitos da mai terra); que aqueles que violem esses direitos e outros acordos ambientais internacionais deveriam enfrentar conseqüências legais (um tribunal de justiça climática); que os países pobres deveriam receber vários tipos de compensaçom por umha crise que eles enfrentam, mas tivérom pouco que ver em criar (dívida climática), e que deveria existir um mecanismo para que a gente no mundo exprima os seus pontos de vista sobre estes temas (um referendo mundial dos povos sobre a mudança climática).
A seguinte etapa foi convidar à sociedade civil global a ir discutindo os detalhes. Instálárom-se 17 grupos de de trabalho e despois de semanas de discusom em linha reunírom-se durante umha semana em Cochabamba, com o fim de apresentar a suas recomendaçons finais ao cabo da cimeira. O processo é fascinante, mas longe de ser perfeito (por exemplo, como assinalou Jim Shultz de Democracy Center, ao parecer, o grupo de trabalho sobre o referendo invirtiu mais tempo em discutir se engadia umha pergunta sobre abolir o capitalismo que discutindo como se lhe fai para levar a termo umha consulta global). No entanto, o entusiasta compromisso de Bolívia com a democracia participativa poderia ser a contribuiçom mais importante da cimeira.
Isto porque logo da debacle de Copenhague um tema de discusom tremendemente perigoso volveu-se viral: a verdadeira culpável do fracasso era a democracia em si. O processo da Organizaçom das Naçons Unidas (ONU), que dá votos com o mesmo peso a 192 países, simplesmente era demasiado difícil de manejar. Era melhor encontrar soluçons em grupos pequenos. Até as vozes ambientais de confiança, como James Lovelock, caírom na trampa: tenho a sensaçom de que a mudança climática pode ser um tema tam severo como a guerra, dixo-lhe a The Guardian recentemente. Quiçais seja necessário pôr à democracia em pausa durante um tempo. Porém na realidade som estes pequenos grupos, como o clube privado que forçou o Acordo de Copenhague, os que ocasionárom que perdamos terreno e debilitado os acordos existentes, que de por si som inajeitados. Em troca, a política de mudança climática levada a Copenhague por Bolívia foi redactada polos movimentos sociais mediante um processo participativo e o resultado final foi, até o momento, a visom transformadora e radical.
Com a cimeira de Cochabamba, Bolívia tenta globalizar o que logrou a escala nacional e convidar ao mundo a participar em redactar umha agenda climática conjunta, antes do próximo encontro sobre mudança climática da ONU, em Cancum. Em palavras do embaixador de Bolívia perante Nacions Unidas, Pablo Solón, a única cousa que pode salvar a humanidade dumha tragédia é o exercício da democracia global.
Se está no correcto, o processo boliviano poderia nom só salvar o nosso planeta que está quecendo, mas também as nossas democracias em vias do fracaso. Nom está mal o trato.
N.T.
* Pachamama na língua dos quéchuas e os aimara. É um culto muito importante com presená em Equador, Perú, Bolívia, o noroeste da Argentina, o norte de Chile e certas regions de Colômbia. O culto a Pachamama é massivo nas áreas rurais e pequenos lugares e vilas, topando-se tamém entre os migrantes andinos às cidades maiores, até em Buenos Aires e o sul da Argentina. Outro exemplo similar é o da cultura mapuche através da Ñike Mapu (Mai Terra em mapuche), com a diferença de que nom é umha deidade stritu senso, mas trata-se dum conceito mais amplo ao ser o mundo mapuches na cosmografia e a interacçom do mapuche nel, dentro das crenças religiosas mapuches.
** O Tuvalu é um estado da Polinésia formado por um grupo de nove atóis, antigamente chamado Ilhas Ellice. O nome deve-se a que "tuvalu" significa oito na língua dos tuvalus, já que um dos atóis fica sem habitar. Tem fronteiras marítimas com o Kiribati, a norte e nordeste, com o território neozelandÊs de Tokelau, a leste, com Samoa, a sudeste, com Wallis e Futuna - da França- e a sul com as Fiji. A oeste o vizinho mais próximo som as Ilhas Salomom. A maior ilha do atol é Fongafale onde hai quatro popoaçons, sendo Vaiaku onde se estabelece a sé do governo, se bem oficialmente a capital segue em Funafuti - atol formado por 30 ilhas-.
Naomi Klein é autora de No Logo: Taking Aim at the Brand Bullies e mais recentemente Fences and Windows: Dispatches From the Front Lines of the Globalization Debate. O seu último livro é A Doutrina do Shock.
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