26/04/2010

Mensage para a Cimeira da Mai Terra, por Eduardo Galeano

Em 19 de Abril começou em Cochabamba, Bolívia, a Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mai Terra, convocada polo presidente boliviano Evo Morales. Esta é a mensage que enviou a essa Conferência o escritor uruguaio Eduardo Galeano. A traduçom para o galego foi feita polos gestores deste blogue da mocidade do Encontro Irmandinho desde o site da revista Sin Permiso.



“Os direitos humanos e os direitos da natureza som dous nomes da mesma dignidade”


Lamentavelmente, nom poderei estar com vocês. Atravessou-se-me um pau na roda, que me impede viajar.

Mas quero acompanhar de algumha maneira esta reuniom de vocês, esta reuniom dos meus, já que nom tenho mais remédio que fazer o pouquinho que podo e nom o muito que quero.

E por estar sem estar estando, ao menos envio-lhes estas palavras.

Quero dizir-lhes que ogalhá se poda fazer todo o possível, e o impossível tamém, para que a Cimeira da Mai Terra seja a primeira etapa para a expressom colectiva dos povos que nom dirigem a política mundial, mas padecem-na.

Ogalhá sejamos capazes de levar adiante estas duas iniciativas do companheiro Evo, o Tribunal da Justiça Climática e o Referendo Mundial contra um sistema de poder fundado na guerra e o desbanjamento, que despreça a vida humana e pom a bandeira de remate aos nossos bens terrenais.

Ogalhá sejamos capazes de falar pouco e fazer muito. Graves danos nos figérom e seguem fazendo, a inflaçom da verba, que em América latina é mais nociva que a inflaçom monetária. E tamém, e sobretodo, estamos fartos da hipocrisia dos países ricos, que nos estám deixando sem planeta enquanto pronunciam luxuosos discursos para disimular o seqüestro.


Hai quem di que a hipocrisia é o imposto que o vício paga à virtude. Outros dim que a hipocrisia é a única prova da existência do infinito. E o discursario da chamada "comunidade internacional", esse clube de banqueiros e guerreiros, porva que as duas definiçons som correctísimas.

Eu quero celebrar, em troca, a força de verdade que irradiam as palavras e os silêncios que nascem da comuniom humana com a natureza. E nom é por acaso que esta Cimeira da Mai Terra se realiza em Bolívia, esta naçom de naçons que se está redescubrindo a si própria ao cabo de dous séculos de vida mentida.

Bolívia acaba de celebrar os dez anos da vitória popular na guerra da auga, quando o povo de Cochabamba foi capaz de derrotar a umha todopoderosa empresa de Califórnia, dona da agua por obra e graça dum governo que dizia ser boliviano e era mui generoso com o alheio.

Essa guerra da auga foi umha das batalhas que esta terra segue librando em defesa dos seus recursos naturais, ou seja: em defesa da sua identidade com a natureza.

Hai vozes do passado que falam ao futuro.

Bolívia é umha das naçons americanas onde as culturas indígenas soubérom sobreviver, e essas vozes ressoan agora com mais força do que nunca, a pesar do longo tempo da perseguiçom e o despreço.

O mundo enteiro, atordoado como está, perabulando como cego em tiroteio, teria que sentir essas vozes. Elas ensinam-nos que nós, os humaninhos, somos parte da natureza, parentes de todos os que tenhem pernas, patas, asas ou raízes. A conquista europeia condenou por idolatria aos indígenas que viviam essa comuniom, e por acreditar nela fôrom açoutados, degolados ou queimados vivos.

Desde aqueles tempos do Renascimento europeu, a natureza converteu-se em mercadoria o em obstáculo do progresso humano. E até hoje, esse divórcio entre nós e ela tem persistido, chegados ao ponto que ainda hai gente de boa vontade que se comove pola pobre natureza, tam maltratada, tam magoada, mas vendo-a desde afora.

As culturas indígenas vem-na desde dentro. Vendo-a, vejo-me. O que contra ela fago, está feito contra mim. Netal encontro-me, as minhas pernas som tamém o caminho que as anda.

Celebramos, pois esta Cimeira da Mai Terra. E ogalhá os surdos nos escuitem: os direitos humanos e os direitos da natureza som dous nomes da mesma dignidade. Volam abraços desde Montevideu.



Eduardo Galeano, escritor e jornalista, alma crítica de América do Sul e figura egrégia do movimento anti-imperialista internacional. Entre os seus escritos mais conhecidos internacionalente: a trilogia Memoria del fuego (1986), El fútbol a sol y sombra (1995), Las venas abiertas de América Latina (1971), Patas arriba. La historia del mundo al revés (1999) e mais recentemente Espejos, una historia casi universal.

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