04/11/2011

Fim da ficção da democracia burguesa

Antom Fente Parada, membro do Conselho editorial de Á revolta entre a mocidade.

"E nasce o caos, a confusao das línguas, e misturam-se as propostas mais loucas com a verdade mais brilhante.
Abandonamos assim a nossa ligeireza de ontem. Desacostumados a pensar, contentes com a vida do dia para dia, hoje estamos desarmados face a treboada. Tínhamos mecanizado a vida, tínhamos mecanizado nós próprios. (...) Éramos místicos inconscientemente". António Gramsci: "Faz falha que mudemos nós próprios", 24 de novembro de 1917. 
"Siento que está en decadencia esta cumbre de jefes de Estado. Es como decir que cada año hay que rendir cuentas al rey. ¿Qué mensaje da eso en Latinoamérica?", Evo Morales sobre a Cimeira Iberoamericana deste ano, palavras aplicáveis pela cidadania de toda a parte à cimeira do euro e do G-20.

Os recentes acontecimentos em Grécia, o referendo non nato, revelaram até onde é que chega a podridão da democracia burguesa e tornou evidente até onde é que esta é uma concessão amável da grande burguesia mundial para os períodos alegres do capitalismo. Tornou-se palmatorio que faz falha uma outra democracia.

Um resultado negativo no referendo sobre o segundo "resgate" de Grécia provocaria a suspensão de pagos desse país (em rigor um estado não pode quebrar, porque não pode ser liquidado). O primeiro acordo para resgatar a Grécia chegara em março de 2010 ao se seguiram recortes e uma suicida política de "austeridade" na onda da ortodoxia ultraliberal. Um ano depois, criava-se o primeiro Pacto do Euro (mais bem "pauto") e Portugal pedia oficiosamente ajuda.  

Assim chegamos ao passado mês de outubro onde os "expertos" da UE falavam de "expectativas quase cumpridas", ao ampliar o fundo de resgate até 1 bilião de euros e pactuou a recapitalização da banca (150.000 milhões de euros) ao tempo que recortava em gasto público (especialmente gasto público social) por toda a parte. Aliás, a oferta de participar no fundo de "resgate" ao FMI e a China, em lugar de pôr ao BCE a fabricar euros que é a sua competência, supõe uma cessão de poder sem precedentes a terceiros estados com interesses mal dissimulados.  Aliás, conver lembrar que por cada mil milhões que ficam imobilizados por mor da recapitalização, 10.000 retiram-se do crédito o que se traduz, segundo Buster e Doménech, na perda 500.000 postos de trabalho e uma contracção de 2'5% do PIB. A cimeira do euro também acordou que seja o fundo de "regate" (FEEF) e não o BCE quem compre dívida pública do Estado espanhol o que repercutirá em "axustes brutais" (só em 2012 há que refinanciar 300.000 milhões de euros em dívida pública no Estado espanhol)  ao ter que pagar por esses quartos.

O segundo "resgate" grego cifra-se em 130.000 milhões de euros que não receber-se obrigariam a Atenas a entrar em suspensão de pagos meado o mês de dezembro. De aí que Merkel e Sarkozy pressionaram a Papandreu com a congelação das ajudas se este convocava um referendo e de aí que a volta da reunião do G-20, em Cannes, Papandreu chegou, qual estrela do cinema, para retirar o referendo ao povo grego e dizer que nunca fora a sua intenção convocá-lo.

Ali, Papandreu, topou com Sarkozy, aquele homem bem casado que no outono de 2008 ia numa cimeira do G-20 "refundar o capitalismo". Topou com Durão Barroso, o presidente da Comissão europeia, que recentemente numa entrevista em EuroNews defendia que faltava muito por avançar no mundo laboral para poder situar-nos ao nível da China, ou seja, que faz falha seguir disciplinando aos trabalhadores com a "austeridade", aumentando as jornadas laborais e baixando os ordenados até passar do velfarismo keynessiano da pós-guerra ao shanganismo tão do gosto dos ultraliberais (esquecendo-se do enorme gasto público que existe na China dito seja de passagem). É de supor que saudaria a Obama, que foi de recadeiro de Wall Street ao G-20 com o único nobre propósito de impedir que os europeus gravem as transacções financeiras (que segundo os cálculos da UE reportaria 55.000 milhões de euros ao ano) e regulem as agências de qualificação. Esse Nóbel da Paz que sai de Líbia e já pensa no Irão sem importar-se muito da sua gente como bom "democrata" que é.

Falaria nos corredores também, com certeza, com um velho amigo: Mario Draghi, o flamante novo presidente do Banco Central Europeu (BCE), cuja primeira medida foi baixar os tipos de xuro agora que Alemanha entra novamente em "desaceleração" (como os subiram a diferença da FED) quando esta "saira da crise". Um Draghi que é velho conhecedor da Grécia porque, quando estava em Goldman Sachs (que recebeu fundos públicos e cujos antigos directivos compõem a maioria da equipa económica de Obama) falseu as contas de Grécia para que esta puder entrar no euro (assessorador do governo da extrema-direita grega de Nova Democracia). Espero e desejo também que saudara a substituta de Strauss-Khan no FMI, Christine Lagarde, à frente dessa maravilhosa instituição que se semelha ao cavalo de Atila: onde intervém baixa a esperança de vida e inça a miséria.

Todos coincidiram entre risos que não se podia convocar o referendo no país que viu nascer a democracia, porque isso suporia um golpe para a bancocracia. Uma falência desordenada como a de Argentina provocaria enormes perdas e inquietaria "os mercados", ou seja os bancos alemaos, holandeses, franceses e britânicos; os rendistas e especuladores de toda caste que têm umas "poupanças" em CDS e bónus gregos. Assim todos concordaram em não contradizer a Aristóteles: quando a democracia degenera converte-se em oligarquia. Como muitos analistas de esquerda têm indicado: "quando a democracia entra pela porta, os mercados saltam pela janela".

Uma Eurolândia que revela, quando menos, dois coisas: um desprezo absoluto pela cidadania e a democracia; e uma teimosia fundamentalista do "resgate" dos bancos com desprezo das consequências sobre os cidadãos. Afinal, Eurolândia mostra que quando os estados se desprenderam dos instrumentos de intervenção pública sobre os desequilíbrios e as políticas monetárias e cambiarias, em nome de dogmas ultraliberais, apenas lhes ficou o perverso instrumento de ajuste da flexibilização do mercado de trabalho, perante a ausência duma Fazenda europeia. E aí, com a excepção de Islândia, seguem instalados dogmaticamente os testa-ferros do centro do sistema-mundo capitalista. No entanto, cada vez é mais claro que a "austeridade" constringe qualquer perspectiva de recuperação e crescimento (e portanto de capacidade de pago por parte dos estados), pelo que a banca necessita recapitalizar-se, fecha o crédito e volta solicitar ajudas públicas fechando a quadratura do círculo. 

A "austeridade" em Grécia nom oferece dúvidas ao respeito. Eis os resultados dos 240.000 milhões de euros comprometidos por Eurolândia em dois planos de "resgate": a recessão mais profunda. Enquanto o deficit desceu do 10'6% do PIB em 2010 até o 8'5% em 2011 os outros indicadores são os que são e não faz falha nenhuma estadia nas faculdades de economia para saber quais são as suas consequências sobre a economia real. A taxa de desemprego se passou de 12'2% em maio de 2010 a 17'6% em setembro de 2011, uma taxa apenas superada pela do Estado espanhol com 5.000.000 milhões de desempregados; o PIB caiu em 2010 3'5% e prevê-se que neste ano caia 5%; a dívida disparou-se desde 144'9% do PIB até 161'8% do PIB. Ao tempo o diferencial com o bónus alemão estava em maio de 2010 em 549 pontos básicos e agora nos 2.287 pontos básicos muito por cima da maioria de estados falidos de África e Ásia o que demonstra a irracionalidade dos "mercados" ou, por outras palavras, a natureza especulativa do problema grego. Os juros do bono eram de 8'6% em 2010 e soa agora dum insustentável 24'6%. A rendibilidade de activos opacos supera muitas vezes 150% no caso grego: o cavalo de Troia está agora em Atenas e tem nome próprio: capitalismo. Um capitalismo de casino que vive ao segundo sem importar-se dos milheiros de vítimas que estra ao passo da sua destruição criativa.

No entanto, a convocatória do referendo (não nato) por parte de Papandreu deixa-nos várias lições. A primeira é que o Pasok (ao jeito do PP e do PSOE) é um instrumento, uma congregação de mercenários do capital. Apenas assim se explicam as deserções que sofreu (começou a legislatura com 160 deputados dum total de 300 e tem agora 150 deputados perdendo a maioria absoluta) e a aposta por um governo de "unidade" como passo prévio à vinda do fascismo.

A segunda que o capitalismo mutatis mutandis segue sempre o mesmo modus operandi: quando a democracia degenera recorre-se aos governos de concentração ou unidade nacional entre todas as forças sistémicas (Nova Democracia e o Pasok), quer dizer, excluindo a esquerda real. O desprezo à democracia em Eurolândia vem de longe: o referendo sobre a NATO de 1986 convocado por Felipe González; o referendo de Mitterrand sobre Masstrich em 1992; a reprovação da Constituição europeia em 2005 na França e Holanda e logo o mesmo com o Tratado de Lisboa em Irlanda em 2008 repetido até que o povo deixou de "equivocar-se" em 2009 em troca de ceder às exigências da da direita fundamentalista. Assim, o capitalismo chega à cima da imoralidade: até aos réus a morte lhe é permitido expressar a sua derradeira vontade e, nalguns casos, escolher entre a guilhotina ou o garrote vil: aos gregos e aos europeus (como evindenciu aqui a "reforma" da Constituição) nem isso.

A terceira é que quando o povo se ergue os quartéis movimentam-se, algo que sabemos bem no Estado espanhol. Assim se entende que fora relevado o alto mando do exército para politizá-lo ainda mais por parte do ministro de defesa, Panos Beglitis. 

A quarta é que a primazia do capital-dinheiro (D-D') é tal que a irracionalidade do sistema empurra-o irremediavelmente a um novo crack global, desta volta, decalcado do de 1929. Só assim é possível entender como o simples anúncio da quita grega provocara: a) a falência do MF Global nos EUA, a cuja frente estava um antigo membro da Goldman Sachs, Jon Corzing, e que misturou fraudulentamente as contas do banco com as dos seus clientes (os clientes perdem uns 950 milhões de dólares deste jeito pela falência). De por parte, uns dias antes Corzing pedia-lhe aos seus clientes que mercaram bónus de dívida europeia pela recuperação de Europa em 2012 e pela boa situação da companhia (como nos casos de AIG ou Lehman Brothers uma variante requintada do esquepa Ponzi). b) A correria em tropel aos bónus alemães e norte-americanos, baixando do 2% com o que se disparou o diferencial de Itália e o Reino de Espanha, se estes se mantêm por cima dos 450 pontos durante vários dias os intermediários do mercado de bónus pedir-lhes-ião aos proprietários novas garantias e se estes não as têm entra o pânico, a venta massiva e dispara-se ainda mais o diferencial forçando o "regate". O diferencial do Estado espanhol está nos 375 pontos e os juros num alto 5'5%. Noutro local indicara que cuidava que o Estado espanhol daria entrada ao FMI depois do 20-n, provavelmente antes de finalizar  ano ou após os 6 meses de legislatura em 2012 para continuar com a "terápia de choque". c) O pânico bursatil perante o anúncio do referendo fala por si próprio, só a Societé Générale deixou mais de 16'23% e lembremos que há pouco que a Simens retirou 500 milhões de euros dessa entidade para depositá-los no BCE. O capitalismo já não pode dissimular que Marx tinha razão e que se repete o cenário do fim da I Globalização

A quinta, e mais importante, é que a efervescência na rua, a organização da classe trabalhadora -sem precedentes desde a II Grande Guerra-, em definitiva a luta de classes dá resultados: quem diz agora que sair à rua não vale para nada? De facto, é o único caminho.

Um comentário:

AFP disse...

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