12/08/2010

Transgénicos: nome de código, "Monsanto"

Qual a urgência das decisões recentes assumidas pela Comissão Europeia para facilitar o cultivo e utilização de transgénicos?

Soybean - Foto de [cipher] / flickr


As recentes decisões assumidas pela Comissão Europeia para facilitar o cultivo e utilização de organismos geneticamente modificados (OGM) ou transgénicos, apesar dos riscos para a saúde pública e o ambiente, foram acompanhadas por declarações a favor da capacidade de decisão dos governos dos Estados-Membros. No entanto, há que habilitar os cidadãos com informação que lhes permita ir mais fundo no conhecimento sobre o assunto. Na altura, a eurodeputada Marisa Matias, do grupo da Esquerda Unitária (GUE/NGL) perguntou “qual a urgência de tais decisões?” tomadas pela Comissão quando há legislação em preparação e prestes a sair. Uma das respostas pode ser encontrada numa simples palavra: “Monsanto”.
Monsanto é a multinacional que controla mais de 90 por cento das sementes transgénicas que se vendem em todo o mundo. Quem relata melhor a história é a investigadora Marie-Monique Robin no seu livro “O mundo segundo Monsanto: da dioxina aos OGM, uma multinacional que lhes deseja o melhor”.
As sondagens na Europa reflectem uma opinião radicalmente contrária aos alimentos transgénicos. Em Espanha, em 2006, os inquiridos numa sondagem escolheram os “transgénicos” como ameaça alimentar mais inquietante em comparação com mais 12 hipóteses, entre as quais as “vacas loucas”, salomonelas e gripe das aves. Na Alemanha, 95 por cento dos consumidores rejeitam os OGM; mesmo nos Estados Unidos, no Estado de Nova Iorque, 39 por cento dos consumidores são contrários e 33 por cento aceitam os OGM.
Que se passou então, perante tantas rejeições, desde que 1994 foi autorizado nos Estados Unidos o cultivo das primeiras sementes transgénicas, ponto de partida para uma situação caracterizada hoje por mais de 125 milhões de hectares semeados em todo o mundo com diferentes sementes de organismos geneticamente modificados?
Uma explicação importante é: Monsanto.
A empresa Monsanto nasceu em Saint Louis, Missouri, em 1901, dedicada à produção de sacarina para a Coca-Cola. Em 1935 comprou a Swan Chemical Co., que já fabricava os PCB, policlorobifenóis. Esta substância sintética tinha diversos usos como refrigerante e lubrificante, mas representava também um grave risco para a saúde pública que a empresa conhecia “mas de fez de conta que nada acontecia até à sua proibição definitiva, em 1977”, testemunha Marie-Monique Robin. A prova deste conhecimento está na grande quantidade de documentos procedentes de arquivos da Monsanto, obrigada a divulgá-los num processo judicial.
Monsanto monopolizou a produção de PCB em todo o mundo. Contaminou assim vastas áreas do planeta, uma vez que se trata de uma substância muito resistente na natureza.
Monsanto surge depois no fabrico de dioxinas, “a molécula mais perigosa jamais inventada pelo homem”, segundo Marie-Monique Robin. A dioxina é um produto derivado do fabrico de herbicidas, incrementado durante a Segunda Guerra Mundial. A multinacional montou uma fábrica específica em 1948 e trabalhou estreitamente com o Pentágono para desenvolver a utilização da dioxina como arma química. O perigo deste produto tornou-se publicamente evidente em 1976, com o acidente em Itália que ficou conhecido como "a catástrofe de Seveso".
Monsanto obtivera entretanto contrato para produzir o “agente laranja” (uma dioxina) para utilização pelo exército norte-americano na guerra do Vietname com o objectivo de destruir colheitas e matar as populações à fome.
De 1962 a 1971 os militares norte-americanos despejaram 80 mil milhões de litros de desfolhantes sobre 3,3 milhões de hectares de selva e terra agrícolas. Mais de três mil localidades foram contaminadas com a utilização de quantidades equivalentes a 400 quilos de dioxina pura - a dissolução de 80 gramas de dioxina numa rede de água potável poderia eliminar uma cidade de oito milhões de habitantes.
Dos herbicidas, Monsanto passou aos organismos geneticamente modificados (OGM) e descobriu a “árvore das patacas” na conjugação das duas áreas. Criou as sementes transgénicas e tornou-as imunes ao herbicida que produz, o Roundup, até então um “assassino” sistémico uma vez que matava indiscriminadamente as espécies vegetais. A Monsanto passou a vender – e a impor nos contratos – não apenas as sementes transgénicas mas também o Roundup para as proteger. Além disso, é vedada aos compradores a utilização de um produto genérico do Roundup.
Diz a publicidade de Monsanto que “o glifosfato é menos tóxico para os ratos do que o sal de mesa ingerido em grande quantidade” e tem razão. O glifosfato é, de facto, o princípio activo do Roundap, mas o Roundap é muito mais tóxico na sua fórmula global. O professor Robert Bellé, do Centro Nacional de Investigação Científica francês, concluiu que o Roundap desencadeia a primeira etapa que pode conduzir a situações de cancro 30 a 40 anos mais tarde. “O Roundap é um assassino de embriões e em concentrações mais fracas é um perturbador endócrino para os fetos”, escreveu.
O professor Séralani, que desenvolve investigações para a Comissão Europeia de modo a avaliar os efeitos dos alimentos transgénicos na saúde, é alvo de críticas duras da indústria de agrobiotecnologia por ter sido taxativo quanto aos efeitos do Roundup nas células humanas: “mata-as directamente”.
As provas em que se baseou a homologação do Roundup fizeram-se apenas com o princípio activo, mascarando os efeitos reais do produto. Este é o truque da propaganda de Monsanto.
Em 1993 a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos autorizou Monsanto a comercializar a hormona de crescimento bovino obtida por manipulação genética (rBGH), hormona que se introduz nas vacas para produzirem mais leite. Em Abril de 1998 uma fuga de informação fez deflagrar um escândalo político e científico por detrás desta autorização. Tanto Monsanto como a FDA tinham escondido dados essenciais.
Trabalhos científicos questionaram o uso desta hormona. Consideram-na prejudicial para a saúde das vacas e para a saúde humana. De facto, a hipófise das vacas e dos seres humanos produz uma hormona específica de crescimento mas ambas provocam a produção da mesma substância, a IGF, factor de crescimento insulítico de tipo I. O nível de IGFI é significativamente superior no leite produzido pelas vacas tratadas com rBGH do que no leite natural. O aumento da substância em causa multiplica por quatro o risco de cancro da próstata nos homens e por sete o risco de cancro da mama nas mulheres.
Devido à forte polémica, a hormona está oficialmente proibida na União Europeia desde 1 de Janeiro de 2000, com base no princípio segundo o qual “a biosfera não deve transformar-se num laboratório de alto risco para os seres humanos”.
De facto, segundo numerosos trabalhos científicos, a disseminação de organismos geneticamente modificados pode alterar os mecanismos e os ritmos do desenvolvimento humano.
Monsanto controla mais de 90 por cento da produção de OGM no mundo. É um monopólio Este monopólio ameaça a segurança alimentar sobretudo nos países mais pobres, onde mais de mil e quinhentos milhões de pessoas sobrevivem graças à conservação de sementes.
O movimento Greenpeace afirma que as possibilidades de um mundo livre de transgénicos continuam em aberto: 92 por cento das terras cultivadas no mundo estão livres de OGM. Apenas quatro países concentram 90 por cento da utilização de sementes modificadas: Estados Unidos 53 por cento, Argentina 18 por cento, Brasil 11,5 por cento e Canadá 6,1 por cento. No mercado existem apenas quatro sementes: soja, milho, algodão e colza; na Europa só 0,119 por cento do terreno cultivado é dedicado a OGM, contra quatro por cento, por exemplo, de agricultura ecológica.
“A manipulação genética”, escreve Paco Puche na revista “El Observador, “não tem nada a ver com o que os camponeses fazem há 10 mil anos, isto é, conservar as melhores dádivas das suas colheitas para as semear no ano seguinte; nem com os mecanismos de melhoramento através dos cruzamentos entre plantas seleccionadas dentro da mesma espécie. A manipulação genética salta por cima das barreiras biológicas que separam as espécies, despreza os mecanismos naturais de evolução e intervém nas interacções genéticas até agora inacessíveis ao ser humano”.
O processo de manipulação genética desenvolve-se em duas fases: em primeiro lugar extrai-se o gene da planta que interessa de um doador e incorpora-se numa molécula portadora, que pode ser um vírus; em segundo lugar implanta-se este vector no organismo receptor. Para avaliar o resultado da transformação há que injectar um gene resistente aos antibióticos e banhar as células numa solução antibiótica. As que sobrevivem são as que aceitaram a transferência. Sobre estas realizam-se depois bombardeamentos com “canhões de genes”, o que provoca a colocação do gene de forma aleatória em qualquer parte do genoma.
Os primeiros êxitos da Monsanto na sua batalha legislativa nos Estados Unidos para aceitação deste processo foram alcançados em 1992, quando foi aprovado um regulamento segundo o qual “os alimentos derivados de variedades vegetais segundo os novos métodos de modificação genética regulam-se no mesmo quadro e segundo a mesma perspectiva adoptada para o cruzamento tradicional de plantas”. Isto é, deixa de haver diferenças legislativas entre as selecções de sementes dentro da mesma espécie e as quebras das barreiras biológicas que separam as espécies.
Aos benefícios desta legislação, Monsanto acrescentou o estabelecimento de um quadro de declaração de patentes sobre todas as sementes geneticamente modificadas, facto que lhe permite controlar o mercado mundial em forma de monopólio.
Em causa estão a saúde pública no mundo, a preservação ambiental e a biodiversidade. Trabalhos científicos sobre estes assuntos permitiram estabelecer um decálogo de malfeitorias dos OGM e do controlo de Monsanto sobre a sua produção e comercialização: riscos para a saúde pública; contaminação genética sem controlo; aumento da contaminação química devido ao maior uso de biocidas; perda permanente da biodiversidade agropecuária e florestal; aumento da insegurança e perda da soberania alimentar; grande concentração de poder em poucas empresas; degradação da democracia através das pressões sobre a classe política e a actuação dos lobbies; aumento da desigualdade Norte-Sul; prejuízos para a agricultura ecológica devido à contaminação.

Artigo publicado no portal do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu

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