Isaac Johsua salienta que “a FN, longe de se distanciar do ideal fascista, pelo contrário aproxima-se dele e encontra as suas verdadeiras bases”.
As recentes eleições cantonais foram a ocasião de uma forte subida da Frente Nacional (FN). Voto de desespero, feito de rejeições, de desgostos, e que se explica antes de mais pelo terrível fechamento do horizonte político, onde talvez haja alternância, mas de forma nenhuma alternativa. No entanto, não se pode dar conta dos pontos marcados pela FN apenas por esta configuração, que valia antes das cantonais e valerá sem dúvida depois delas. Uma mudança política rápida e recente do posicionamento político desta formação contribuiu para este sucesso, uma evolução sem dúvida facilitada pelas mudanças na cabeça do partido, mas que não se reduzem a ela.
O programa racista e xenófobo da FN é bem conhecido, quer se trate da guerra contra a imigração e os imigrantes, como da denúncia do “estrangeiro” ou da “preferência nacional” (no emprego, na habitação, nas prestações sociais). Junta-se a isso uma política familista e o “retorno das mulheres ao lar”, amplificada pela reivindicação de Marine Le Pen de “deixar de reembolsar o aborto”1. Estas tendências fortes estão sempre presentes (Marine Le Pen pede “uma moratória” sobre a imigração e que os clandestinos sejam “empurrados” para fora das águas territoriais2) e apesar de haver uma mudança recente dos enunciados políticos, ela tem lugar noutras questões.
Sob a égide de Jean-Marie Le Pen, o programa económico da FN era de inspiração claramente liberal: era preciso “libertar o trabalho”, o Estado era acusado de “estrangular” as empresas vítimas dos impostos mas sobretudo submetidas a “uma legislação do trabalho pesada e impeditiva de qualquer flexibilidade”3. Assim como disse Jean-Richard Sulzer, professor de finanças em Dauphine e conselheiro económico da Frente, “enquanto que o seu pai era ultraliberal, por reacção ao comunismo. Marine Le Pen é dirigista, no sentido colbertista do termo. Ou seja ela não é contra um Estado forte”4. Assim, face à subida dos preços da energia, ela propõe uma nacionalização das empresas “estratégicas” da energia e dos transportes, até mesmo de alguns bancos5.
Nada está ainda definitivamente fixado, a evolução faz-se por saltos bruscos, mas o sentido em que se faz é claro: o acento agora está colocado na intervenção do Estado e no “social”. Assim, em relação às reformas, além de 40 anuidades de cotização e do desenvolvimento de regimes de reforma complementares por capitalização, a FN reivindicava a reforma aos 65 anos. No momento do grande conflito sobre as reformas, esta passagem desapareceu misteriosamente (e significativamente) do programa na Internet6. Em seguida, na apresentação feita por Challenge, bem mais recentemente, a posição da FN é enunciada da seguinte forma: 40 anos de descontos para todos, mas supressão de qualquer idade de reforma7. Por fim, durante a campanha das cantonais, Marine Le Pen reivindicou simplesmente “a reforma aos 60 anos”8, como os inumeráveis manifestantes o tinham feito não há muito tempo. No tempo de Jean-Marie Le Pen, as 35 horas eram consideradas pela Frente como uma fonte de “desorganização das empresas e de aumento injustificado da massa salarial”9. Após o seu inquérito junto da FN, Jérôme Lefilliâtre afirma a 11/03/2011 em Challenge.fr“a Frente Nacional não tocará na duração legal do trabalho” e Jean-Richard Sulzer precisa: “Não nos opomos às 35 horas, excepto se houver acordo no sector”10. No tempo de Jean-Marie Le Pen, tratava-se sobretudo de denegrir o emprego público. O Estado, dizia o programa da FN, tinha sido “progressivamente paralisado pela massa artrítica das funções públicas hipertrofiadas, verdadeiras manadas de mamutes”. Era preciso abolir os “privilégios” da função pública, e se havia acordo para manter os serviços públicos, era aqueles, “estratégicos”, ligados à função de soberania e, prioritariamente (é claro) à polícia. Quanto ao resto, estavam previstas a “introdução do princípio da mobilidade” e a “não substituição de uma parte dos que passavam à reforma”11. Na campanha das cantonais, esta linguagem desapareceu e Marine Le Pen, dirigindo-se aos funcionários públicos, promete (segundo Le Parisien) “o fim das reduções de efectivos” assim como “subidas de salários”12. Além disso, o economista Nicolas Pavillon, que trabalha igualmente no projecto da FN, afirma “nós defendemos o retorno à escala móvel dos salários”, que é uma velha reivindicação sindical.
Estamos perante uma verdadeira transformação da FN, de grande amplitude, que não é de ordem conjuntural, ou simplesmente ligada à mudança de direcção à frente da formação ou ainda de ordem estritamente oportunista, para “enganar os seus apoiantes”, “fazer o social”. Trata-se de uma evolução de fundo, pela qual a FN, longe de se distanciar do ideal fascista, pelo contrário aproxima-se dele e encontra as suas verdadeiras bases. Não esqueçamos que o partido nazi alemão chamava-se “nacional-socialista”. Concentrada na junção de duas palavras, temos aqui a articulação contraditória que forma o fascismo. De facto, o discurso fascista tem dois inimigos e é o combate nestas duas frentes que lhe dá originalidade. Por um lado, o inimigo é o capitalista, sob a forma do rico, do manipulador de dinheiro, do especulador; por outro lado, o inimigo é o outro trabalhador, com quem se está em situação de concorrência directa, pelo emprego, pelo salário, pela habitação, pelos apoios sociais, etc. É impressionante constatar que somos assim confrontados com duas dimensões constitutivas do proletário: oposto à burguesia, mas também aos outros trabalhadores, com o qual está em situação de concorrência perpétua, esta segunda oposição tomando a forma do racismo ou da xenofobia. O sindicato não fixa como sua primeira missão constituir uma frente de classe face ao patronato e, por esta via, superaras divisões que cindem as fileiras operárias? Quem diz superar não designa divisões que não são apagadas, mas somente ultrapassadas, não designa esta tendência permanente, criada e encorajada pelo sistema, para fazer a guerra entre uns e outros?
O público fascista é o dos “pequenos”, que pedem para ser protegidos, por um lado dos “grandes” (e das suas conivência) e por outro, daqueles que ainda são mais necessitados que eles e podem, por esse facto, ameaçá-los. Não é interessante salientar que é sobre estas duas dimensões que começa e termina o Manifesto do partido comunista, de Marx e Engels? Ele começa pela bem conhecida fórmula: “A história da humanidade até aos nossos dias é a história da luta das classes”, designando a entrada em jogo do inimigo, isto é um sistema de exploração e a classe que dele beneficia. Mas o mesmo Manifesto termina dizendo-nos, pelo contrário, quem não é o inimigo, lançando o apelo: “Proletários de todos os países, uni-vos!”.
Isto explica porque é que o voto popular de rejeição da política seguida em comum pela direita e pela esquerda à qual nós assistimos é um voto de extrema direita e não de extrema esquerda. De facto, se se trata de exprimir uma radicalização, uma cólera, a recusa de uma política ao serviço dos ricos, porquê votar FN em vez de revolucionário? É que o voto FN visa dois inimigos, enquanto que o voto revolucionário apela à solidariedade dos trabalhadores de todos os países. Um tal voto revolucionário tem sobretudo um sentido quando estamos numa fase crescente da luta das classes, quando os trabalhadores têm a impressão que se pode “sair por cima”, colocando-nos “todos juntos”. Perde o sentido, pelo contrário, quando estamos numa fase de refluxo, mesmo temporário: o grande movimento das reformas terminou com uma derrota e o voto FN é um voto de derrota.
Dito isto, a subida da FN não é simplesmente devida a uma conjuntura que lhe é favorável. O novo programa que apresentou também teve um papel. Tal foi particularmente o caso para um ponto deste programa, que teve um impacto muito grande: o proteccionismo. A FN pede “a paragem do dumping social dos países em que a concorrência da mão-de-obra arruína sectores inteiros das nossas indústrias” e o “restabelecimento das nossas fronteiras que permitia regular estes dumpings sociais, económicos e ambientais”, em particular com a ajuda de elevados direitos aduaneiros13. Este é um discurso que fica em falso, quando de maneira totalmente contraditória, se combina com uma orientação liberal, como era o caso do antigo programa da FN. Mas é um discurso que, pelo contrário, acerta no alvo (incluindo junto de militantes sindicais) quando, renunciando à visão liberal, se combina com propostas na aparência “sociais”. Enquanto que os programas de esquerda se contentam, ou a confirmar a mundialização liberal (caso do PS), ou a denunciá-la (mas quase sem fazer propostas) a FN, com este tema, dá a impressão de apresentar uma solução concreta, palpável. “Não é só” fechar as fronteiras, proteger-se do exterior. Então, a luta contra a imigração, contra o “estrangeiro” encontra o seu lugar, aparecendo apenas como dimensões de um programa mais vasto: o inimigo, é o que vem de fora, recuemos, fiquemos entre nós.
Este discurso ganha tanto mais quanto à esquerda a questão do proteccionismo é praticamente um tabu. O PS aprovou sem discussão o modelo liberal actual; até mesmo a mais grave crise económica desde a de 1929 não chegou para o pôr em causa aos seus olhos. À esquerda do PS, a crítica ao ultraliberalismo é radical, mas a questão do proteccionismo raramente é debatida abertamente, enquanto tal. É por isso que algumas palavras sobre o assunto podem ser úteis. Não esqueçamos que o movimento altermundialista foi em primeiro lugar designado como antimundialista e foi necessária uma grande batalha para que, nos média, ela ganhasse o seu verdadeiro nome. A FN é contra a mundialização, nós somos por uma outra mundialização. Somos contra uma mundialização governada pelas forças do mercado, por uma mundialização dominada pelos povos, através de debates e de um acordo político.
“Nós devemos pôr em causa a Organização Mundial do Comércio (OMC) e conservar a opção de um controlo dos fluxos de capitais. A política actual da emergência (tal como é praticada, por exemplo, pela China) instala a guerra feroz de todos contra todos. Era necessário mudar o seu centro de gravidade do 'virado para as exportações' para um desenvolvimento autocentrado, que se voltasse para as imensas necessidades não satisfeitas das respectivas populações. A tradução destes princípios deveria estar, nas relações com os países em via de desenvolvimento, em acordos comerciais bi ou multilaterais frequentemente revistos, acordos que submeteriam a controlo e a enquadramento os fluxos comerciais nos dois sentidos. A contrapartida da travagem da locomotiva exportações seria a instauração de uma verdadeira ajuda pública ao desenvolvimento. Não se trata simplesmente de voltar atrás, restaurando os antigos volumes de ajuda: é preciso fazer mais e melhor, insistindo nos projectos locais e na participação das respectivas populações, controlando a utilização dos fundos, vigiando a aplicação (muitas vezes não considerada) das técnicas dos países desenvolvidos. Evidentemente, previamente a todas estas medidas é preciso fazer face às necessidades mais urgentes, e em particular, revogar a dívida dos países pobres e pôr em prática a soberania alimentar”15.
Podemos ver que não se trata de uma orientação de recuo, de isolamento, mas de um plano de conjunto, que tem a ver com as relações entre grandes blocos no mundo. Não se trata de agressividade e de relações de força, mas de pôr a política no posto de comando, trata-se de negociações que colocariam em primeiro plano a incontornável vida em comum no mesmo globo. Não se trata de nacionalismo, mas de solidariedade, conscientes que estamos das nossas responsabilidades para com os mais desprotegidos (pobres) do planeta. A Europa devia ser o principal protagonista de uma tal redistribuição de cartas, sendo a tarefa demasiado pesada para ser carregada por um só país.
O tema do proteccionismo é apenas um dos temas que foram empurrados para o palco político pela recente subida da FN: a saída do euro, igualmente proposta pela Frente, é outro exemplo, que gera polémica (sobre o qual, remeto para os bons artigos de Catherine Samary16 e de Pierre Khalfa17). Prova-se assim, como se fosse necessário, da urgência que há em alimentar o debate sobre o programa e fornecer à esquerda propostas para bloquear a nova fórmula venenosa da FN.
Artigo de Isaac Johsua, economista e membro do conselho científico de Attac-França, acabado de redigir a 30/03/2011, publicado no site de Attac França. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net
1 Nathalie Schuck, Le Parisien, 16/03/2011.
2 Nathalie Schuck, Le Parisien, 16/03/2011.
3 “FN, le pire ennemi des salarié-e-s” (“FN, i pior inimigo da/os assalariada/os, brochura de VISA (Vigilance et initiatives syndicales antifascistes – Vigilância e iniciativas sindicais antifascistas), página 14.
4 Jérôme Lefilliâtre, journaliste à Challenge.fr, 11/03/2011.
5 Nathalie Schuck, Le Parisien, 16/03/2011.
6 « FN, le pire ennemi des salarié-e-s », opinião citada, página 7, 24.
7 Jérôme Lefilliâtre, jornalista de Challenge.fr, 11/03/2011.
8 Nathalie Schuck, Le Parisien, 16/03/2011.
9 « FN, le pire ennemi des salarié-e-s », opinião citada, página 14.
10 Jérôme Lefilliâtre, journaliste à Challenge.fr, 11/03/2011.
11 «FN, le pire ennemi des salarié-e-s», opinião citada, páginas 15, 16.
12 Nathalie Schuck, opinião citada.
13 «FN, le pire ennemi des salarié-e-s», opinião citada, páginas 11, 13.
14 La grande crise du XXIe siècle. Une analyse marxiste (“A grande crise do século XXI. Uma análise marxista”), La Découverte, 2009.
15 Ibid, pages 128, 129.
16 Disponível no site de Attac França em: http://france.attac.org/archives/spip.php?action=acceder_document&arg=8581&cle=95f25cc52d73fa9c295add4b42dfb49b2563bf83&file=pdf%2FEuro_Samary.pdf
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