07/01/2011

Malditos mercados

Isidro Esnaola. Artigo original publicado em Gara (consultar aqui) e traduzido por nós para galego-português.

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Os trabalhadores que procuram a melhor rendibilidade para as suas poupanças encontram-se numa situação esquizofrénica, em que, através de planos de pensões privados ou EPSV, procuram os melhor gestionados mas, a sua vez, esses gestores são os que estão a impulsionar os recortes sociais que recaim sobre a classe trabalhadora. São os «mercados», os mesmos que exigem medidas restritivas, e que os governos pretendem acalmar com as suas políticas de redução de gastos, recortes de pensões, atrasos na idade de aposentação ou reformas do mercado de trabalho.

A cada vez que ouço falar sobre os mercados em expressões como «acalmar os mercados» ou «os mercados exigem» etc., lembro-me de uma história que me contou um amigo ao que não via desde os tempos em que estudávamos na universidade faz em alguns anos.

Resulta que trabalhava na Volkswagen de Iruñea, tinha família e tinha conseguido poupar um pouco. Com esse dinheiro não se lhe ocorreu outra coisa que comprar uma casa no Pirineu.

Inteirou-se de quanto pagavam os esquiadores por alugar uma casa um fim de semana, calculou quantas semanas durava a época de neve e com esses singelos números jogou contas do crédito que podia pedir,  foi -se ao banco e comprou a casa.

E segundo me disse então, com esses alugueres estava a pagar o crédito sem pôr nem um duro mais e ao final devolveria o crédito e ficaria com a casa no Pirineu.

Não sei como remata a história, se a crise jogou abaixo os seus cálculos ou pelo contrário conseguiu o seu objectivo dantes de se ver arrastado pela explosão da bolha. Em qualquer caso, nesta história estão presentes todos os elementos que contribuíram a inflar a bolha imobiliária. Em primeiro lugar, a decisão de meu amigo de comprar uma casa no Pirineu deu um sinal claro ao mercado de que tinha demanda, não confundir com necessidade, desse tipo de casas.

A partir desse sinal, todo se põe em movimento: os promotores começam a procurar solares pelos povos do Pirineu que possam ser requalificados e em que se possa construir; os proprietários dos terrenos vendem-nos por bastante mais do que nunca tivessem pensado que podiam valer; os prefeitos da zona em seguida calculam que as requalificaciones darão dinheiro à Prefeitura que sempre anda escasso, com o que poderão construir umas termas e um frontão que assegurar-lhe-ão a reeleição; as construtoras começam a contratar pessoal, a comprar material e a construir o mais rapidamente possível. E por fim, os bancos que dão crédito a meu amigo, à promotora, aos construtores e às prefeituras num negócio seguro sem nenhuma classe de risco; e ademais, assessora aos que venderam terrenos sobre como investir o dinheiro conseguido. O mercado em acção.

Poder-se-iam discutir quantidade de coisas desta história, desde como uma pessoa que tinha umas poupanças se converte de repente numa pessoa sem poupanças e com um pufo no banco, passando por como se pode inflar artificialmente uma demanda que nada tem a ver com as necessidades da gente e a quantidade de actores que participam neste processo e chegar por fim até o papel que desempenham os bancos na mobilização da poupança para actividades totalmente improductivas e destruidoras de nosso património natural, mas, o impulso primeiro é o de um trabalhador que tem umas poupanças e que quer lhes sacar um rendimento. Evidentemente, por em cima há todo um sistema de instituições políticas, económicas e financeiras construído sobre a classe trabalhadora para empurrar as decisões sobre a poupança numa determinada direcção.

De todas formas, estas não são as únicas decisões sobre a poupança que toma a classe trabalhadora. Nesta época na que se acaba no ano, também  costuma rematar o ano fiscal e é quando aproveitam as instituições financeiras para nos recordar que  devemos investir as nossas poupanças em planos de pensões permitir-nos-á poupar na declaração da renda do ano que vem, com o que a rendibilidade de nosso investimento será muito maior, e de passagem a que elas nos podem prometer mais pequena, já que uma parte a paga o fisco, isto é, a pagamos entre todos os contribuintes.

Neste ano não têm estado muito activas nestes fazeres , seguramente porque foi um ano muito mau para os planos de pensões e, em consequência, não terão muito de que vanagloriar-se e, seguramente, sim terão perdas que camuflar.

Os planos de pensões costumam investir a maior parte dos fundos que manejam em renda fixa, isto é, em dívida de empresas ou do Estado. E neste ano foi no ano da dívida, com o resgate de Grécia e Irlanda e a queda do preço da dívida portuguesa e espanhola, queda à que pouco a pouco se vão unindo mais países europeus.

Estas quedas seguramente fizeram pó os benefícios de muitos destes planos de pensões. Se a isso acrescentamos que num futuro próximo alguns países podem declarar o falência e fazer uma tira de, digamos, o 10% da dívida, o quebranto que podem sofrer estes fundos de pensões pode ser como pára que os seus gestores passem o fim de ano rezando.

Aparte dos planos de pensões privados estão os que surgem da negociação colectiva, as Entidades de Previsão Social Voluntária, as EPSV como Geroa. Segundo o relatório de gestão do ano 2009 na mesma participavam 128.982 trabalhadores e 12.109 empresas.

Tinha uns activos 873 milhões de euros e aqui vem o mais interessante, o 83,58% estava investido em renda fixa. O relatório de gestão não diz que parte é dívida soberana nem por suposto de que países, mas é de supor que a parte será importante. E por último, o investimento no «tecido *productivo vascão» foi de 6,7 milhões de euros, isto é, o 0,68% dos fundos.

Os trabalhadores que investem nesses instrumentos as suas poupanças querem que a rendibilidade  seja a maior possível para assim poder viajar pelo mundo quando se aposentem como fazem todos esses grupos de  apacíveis velhinhos ianques que nos encontramos em qualquer aeroporto do mundo. Como eles, os partícipes dos fundos de pensões procurarão ao melhor gestor, ao que mais rendimento lhes consiga sem lhes importar demasiado se para isso têm que apostar contra a dívida de Irlanda, a espanhola ou pela revalorizaçom do ouro. O importante são os resultados ainda que afunde-se o mundo.

Os gestores desses fundos, por sua vez, sabem que têm uma grande responsabilidade para os  poupadores e, além das gorentosas comissões que cobram, se estão a jogar o dinheiro de outros, assim que têm que fazer apostas com muito fundamento e sem se deixar levar por sentimentalismos ou motivos altruístas, e se um país está na corda floja  eles serão os primeiros em atirar e sacar o máximo benefício.

Assim que os trabalhadores que têm suas poupanças em planos de pensões ou EPSV estão numa situação esquizofrénica: por um lado não querem perder suas poupanças em investimentos  duvidosos e procuram os melhores gestores, e por outra, esses mesmos gestores com os seus movimentos são os que estão a impor os recortes no gasto social, a reforma trabalhista, o atraso da idade de aposentação, etc.

A cada vez se encerelha mais a teia de aranha a nosso arredor e ainda não sabemos muito bem como nos metemos neste lio.

Enganaram-nos e deixamos-nos enganar pensando que nós também podíamos especular com a moradia como fazia todo mundo; achámos que podíamos viver de rendas facilmente e encontrámos-nos ensarilhados numa rede que criaram e manejam outros, mas da que somos parte com nossas decisões e agora nos está engulindo sem piedade.

Que o mecanismo o manejem outros pode ser um atenuante, mas em nenhum caso é um eximente da responsabilidade dos trabalhadores por suas próprias decisões e da inoperáncia de suas organizações sindicais e da esquerda.

Esquecemos que somos trabalhadores num mundo dominado pelo Capital e quisemos viver como burgueses e rendistas com as nossas pequenas poupanças. Esta crise está a pôr-nos no lugar no que temos estado todo este tempo ainda que pensássemos que aquilo já estava superado.

Assim que a próxima vez que ouçamos falar de «apaziguar aos mercados» em vez de pensar em especuladores longínquos, talvez deveríamos revisar nossas atitudes e nossas decisões.

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