02/01/2011

Perspectivas da economia mundial em 2011

Walden Bello. Artigo tirado de aqui e traduzido desde o castelhano para o galego-porutuguês por nós. Professor de ciências sociais e políticas na universidade de Filipinas. Walden Bello é o representante mundial mais conhecido da esquerda filipina e um dos intelectuais mais lúcidos da nossa época. Convidado por Altermundo ofereceu umha palestra pouco depois do FSGAL na faculdade de económicas da USC. A sua extrema lucidez pode comporvar-se com a seguinte leitura.

Em contraste com suas previsões cautamente optimistas, a fins de 2009, de uma recuperação sustentada, o humor dominante nos círculos económicos liberais quando termina 2010 é sombrio, se não apocalíptico. Os falcões fiscais ganharam a batalha política nos EUA e Europa, para alarme dos advogados do gasto público, como o prêmio Nóbel Paul Krugman e o colunista do Financial Times Martin Wolf, quem vêem as restrições orçamentais como a receita mais segura para matar a incipiente recuperação nas economias centrais.

Mas ainda que os EUA e Europa parecem abocados a uma crise mais profunda em curto prazo e ao estancamento no prazo longo, alguns analistas apreciam-se de observar um "desacoplamento" do Leste asiático e de outras áreas em desenvolvimento a respeito das economias ocidentais. Essa tendência começou a começos de 2009 no ronsel  do programa de estímulos em massa de China, que não só reestabeleceu o crescimento chinês de duplo dígito, senão que sacou da recessão e levou à recuperação a várias economias vizinhas, desde Cingapura até Coréia do Sur. Em 2010, a produção industrial asiática recuperou já sua tendência histórica, -quase como se a Grande Recessão nunca tivesse tido lugar-, de acordo com The Economist.

Segue Ásia um caminho realmente separado de Europa e EEUU? Estamos realmente assistindo a um "desacoplamento"?

O triunfo da austeridade

Nas economias centrais, a indignação com os excessos das instituições financeiras que precipitaram a crise económica deu passo à preocupação pelos déficits públicos em massa em que têm incorrido os governos para poder estabilizar o sistema financeiro, frear o colapso da economia real e enfrentar o desemprego. Nos EUA o déficit situa-se acima do 9% do PIB. Não é um déficit desbocado, mas a direita norte-americana conseguiu a façanha que o medo ao déficit e à dívida federal pesasse mais no espírito da opinião pública que o medo à profundização do estancamento e ao aumento do desemprego. Em Grã-Bretanha e nos EUA os conservadores fiscais conseguiram um mandato eleitoral claro em 2010, enquanto na Europa continental uma Alemanha recrescida fez saber ao resto da eurozona que não seguiria subsidiando os déficits dos membros mais débis das economias meridionais ou periféricas, como Grécia, Irlanda Espanha e Portugal.

Nos EEUU, a lógica da razão deu passo à lógica da ideologia. O impecável argumento dos Democratas de que o gasto público em estímulos era necessário para salvar e criar postos de trabalho não pôde resistir o assalto da tórrida mensagem Republicana, segundo o qual um maior estímulo público, acrescentado os 787 mil milhões de dólares do pacote de Obama em 2009 significaria um passo mais para o "socialismo" e a "perda de liberdade individual". Em Europa, os keynesianos argüiram que a relajação fiscal não só ajudaria a Irlanda e às economias meridionais com problemas, senão também à poderosa maquinaria económica alemã, pois essas economias absorvem as exportações de Alemanha. O mesmo que nos EUA, os argumentos racionais sucumbiram às imagens sensacionalistas, neste caso o retrato mediático de uns esforçados alemães subsidiando a hedonistas mediterráneos e derrochadores irlandeses. A regañadentes aprovou Alemanha pacotes de resgate para Grécia e Irlanda, mas só a condição de que gregos e irlandeses fossem submetidos a selvagens programas de austeridade que foram descritos por nada menos que dois ex-ministros alemães no Financial Times como medidas antisociais -sem exemplo na história moderna-.

O desacoplamento, ressuscitado

O triunfo da austeridade nos EUA e  Europa, a coisa não oferece dúvida, eliminará a essas duas áreas como motores para a recuperação económica global.
Mas acha-se Ásia numa senda diferente? Pode suportar, como Sísifo, o peso do crescimento global?

A ideia de que o futuro económico de Ásia se tem desacoplado do das economias do centro não é nova. Esteve de moda dantes da crise financeira tumbara a economia norte-americana em 2007-2008. Mas revelou-se ilusória em quanto a recessão nos EEUU, dos que China e outras economias do Leste asiático dependiam para absorver seus excedentes, disparou uma repentina e drástica em Ásia entre fins de 2008 e meados de 2009. Desse momento procedem as imagens televisivas de milhões de trabalhadores chineses migrantes abandonando as zonas económicas costeiras e regressando ao campo.

Para contrarrestar a contracção, China, presa do pânico, lançou o que Charles Dumas, autor de Globalisation Fractures, caracterizou como um "violento estímulo interior" de 4 biliões de yuanes (580 mil milhões de dólares). Isso significava cerca do 13% do PIB em 2008 e constituiu -provavelmente o maior programa da história deste tipo, incluídos nos anos de guerras-. O estímulo não só restituiu o crescimento de dois dígitos; também comunicou às economias do Leste asiático um impulso recuperador, enquanto Europa e os EEUU caíam no estancamento. Esse notável investimento é o que levou ao renacemento da ideia do desacoplamento.

O dirigente Partido Comunista de China veio a reforçar essa ideia ao sustentar que se produziu uma mudança de política que dá primazia ao consumo interior sobre o crescimento orientado à exportação. Mas se observa-se com maior detemento, vê-se que isso é mais retórica que outra coisa. Efectivamente, o crescimento orientado à exportação segue sendo o eixo estratégico, algo que se vê sublinhado pela continuada negativa chinesa a reapreçar o yuan, uma política destinada a manter competitivas suas exportações. A fase de empurre ao consumo interior parece ter terminado, achando-se agora China, como observa Dumas, "em processo de mudança em massa desde o estímulo benéfico da demanda interior para algo muito parecido ao Business as usual de 205-2007: crescimento orientado à exportação com um pouco de reaquecimento".

Não só analistas ocidentais como Dumas chamaram a atenção sobre esse regresso ao criamiento orientado à exportação. Yu Yongding, um influente tecnócrata que serviu como membro do comité monetário do Banco Central Chinês confirma que, efectivamente, se voltou à prática económica habitual: "Em China, com uma ratio comércio/PIB e exportações/PIB que excede já, respectivamente, o 60% e o 30%, a economia não pode seguir dependendo da demanda externa para sustentar o crescimento. Desgraçadamente, com um enorme sector exportador que emprega a milhões e milhões de trabalhadores, essa dependência se fez estrutural. Isso significa que reduzir a dependência e o excedente comerciais de Chinesa passa por assaz mais que por ajustar a política macroeconómica".

O regresso ao crescimento orientado à exportação não é simplesmente um assunto de dependência estrutural. Tem que ver com um conjunto de interesses procedentes do período da reforma, interesses que, como diz Yu, "transformaram-se em interesses banderizos que lutam duramente para proteger o que têm". O lobby exportador, que junta a empresários privados, altos executivos de empresas públicas, investidores estrangeiros e tecnócratas do estado, é o lobby mais poderosos agora mesmo em Beijing. Se a justificativa oferecida para o estímulo público foi derrotada pela ideologia nos EEUU, em China a argumentaçom igualmente racional a favor do crescimento centrado no mercado interior foi aniquilada por interesses materiais bandeirizos.

Deflação global

O que os analistas como Dumas chamam o regresso de China ao tipo de crescimento orientado à exportação chocará com os esforços dos EEUU e Europa de empurrar a recuperação mediante um crescimento orientado à exportação simultaneado com o levantamento de barreiras à entrada de importações asiáticas. O resultado mais provável da promoção competitiva dessa volátil mistura de empurre à exportação e protecção interior por parte dos três sectores que encabeçam a economia mundial numa época de comércio mundial relativamente menos boiante não será a expansão global, senão a deflação global. Como escreveu Jeffrey Garten, antigo subsecretário de comércio baixo Bill Clinton: "Ainda que se prestou muita atenção à demanda de consumo e industrial nos EUA e em China, as políticas deflacionárias que envolvem à UE, a unidade económica maior do mundo, poderiam afundar de maus modos o crescimento económico global". As dificuldades levam a Europa a redobrar a sua teima nas exportações ao mesmo tempo em que os EUA, Ásia e América Latina estão a dispor as suas economias para vender mais em todo mundo, o que não poderia senão exacerbar as tensões, já suficientemente altas, nos mercados de divisas. Poderia levar a um ressurgimiento das políticas industriais patrocinadas pelos estados, cujo crescimento já se observa por toda a parte. Tomados de consumo, todos esses factores poderiam chegar a propagar o incêndio proteccionista tão temido por todos".

A crise do Velho Ordem


O que nos aguarda em 2011 e nos próximos anos, adverte Garten, são momentos de "turbulência excepcional, à medida que o ocaso do ordem económico global tal como o conhecemos avança caótica e talvez destrutivamente". Garten destila um pesimismo que se está a apoderar a cada vez mais de boa parte da elite global que outrora anunciava a boa nova da globalização e que agora a vê desintegrar-se literalmente ante seus próprios olhos. E esta ansiedade fim de siècle não é monopólio dos ocidentais; é compartilhada pelo influente tecnocracia chinesa. Yu Yongding, que sustenta que o "toro de crescimento chinês tem praticamente esgotado seu potencial". China, a economia que com maior sucesso conseguiu cavalgar a onda globalizadora, "chegou a uma disjuntiva crucial: de não pôr por obra penosísimos ajustes estruturais, poderia perder subitamente o impulso de seu crescimento económico. O rápido crescimento económico conseguiu-se a um custo extremamente alto. Só as gerações vindouras  conhecerão o verdadeiro preço pago".

A esquerda na presente cojuntura

A diferença das medrosas apreensons de figuras do establishment como Garten e Yu, muitas gentes de esquerda vêem a turbulência e o conflito como a necessária companhia do nascimento de um novo ordem. E, efectivamente, os trabalhadores mobilizaram-se em China, e ganharam-se incrementos salariais significativos com greves organizadas em determinadas empresas estrangeiras ao longo de 2010. O protesto tem estourado também em Irlanda, Grécia, França e Grã-Bretanha. Mas a diferença de China, em Europa marcham para manter direitos perdidos. E o verdadeiro é que nem em China, nem em Occidente, nem em parte alguma são os resistentes portadores de uma visão alternativa ao ordem capitalista global. Ao menos, não ainda.

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