24/01/2011

Pós-modernismo, pseudociência, religiom e esquerda política

Daniel Raventós. Artigo tirado de aqui e traduzido para galego por nós. Recuperamos esta recensom de Raventós sobre o livro Alan Sokal toda vez que Pedro Árias, o "intelectual" do PPdG, tem feito declaraçons sobre o neufágio intelectual da esquerda (quando como indicava num seu artigo David Rodríguez Rodríguez só a esquerda pode fracassar intelectualmente, porque intelectualidade e direita som um oxímorom) e na linha da sobrevivência de imposturas analíticas como a do pós-industrialismo, o pós-modernismo, a pós-política ou a "sociedade da informaçom". O artigo aparecera em Sin Permiso em fevereiro de 2010. Na imagem Alan Sokal.

http://www.physics.nyu.edu/faculty/sokal/sokal.jpg


Há alguma relação entre posmodernismo e pseudociencia? Bem, quiçá para poder responder com maior conhecimento de causa seja necessário definir ambos termos. O posmodernismo é uma corrente intelectual que tem em maior ou menor grau estas características: a rejeição da tradição racionalista da Ilustração, o desprezo para qualquer tipo de comprobación empírica de seus discursos teóricos, e um relativismo cognitivo e cultural que considera à ciência como uma "narração" ou uma construção social entre muitas outras.

Por pseudociencia a definição que pode valer é: conjuntos de pensamentos, afirmações ou relações sobre realidades ou imaginaciones de todo ponto inaceitáveis pela ciência; habitualmente quem pratica-a apoia estes pensamentos mediante razonamientos ou relatórios que distan de satisfazer os requisitos habituais em ciência.

Já postos, também especificar-se-á que se entende por ciência: uma tentativa crescentemente exitoso ("crescimento exitoso" porque para dizê-lo com as palavras de um dos maiores especialistas mundiais em especiación, Jerry A. Coyne: "os problemas difíceis com freqüência cedem ante a ciência") de obter um entendimento objectivo, conquanto sempre incompleta e aproximada, do mundo.

Se numa linha horizontal que tentasse refletir o contínuo que vai, de esquerda a direita, desde a ciência provada até a pseudociencia mais "pura", baseado na força dos dados empíricos a favor das diferentes teorias que pudéssemos pôr, encontrar-nos-íamos no extremo esquerdo com teorias, por exemplo, como a atómica ou a evolução. Em realidade, são muitos os que coincidem em que a evolução é um facto. Um deles, Richard Dawkins, o diz de forma elocuente: "Para além de uma dúvida razoável, para além de uma dúvida séria, para além de uma dúvida sã, informada, inteligente, para além de qualquer dúvida, a evolução é um facto." (1). Mas não nos detenhamos neste ponto; no extremo esquerdo deste hipotético contínuo, repito, estão a teoria atómica e a evolução, entre outras. No extremo direito existem, ¡ai!, muitos exemplos para pôr: astrología, creacionismo, judaísmo, cristianismo, tarot? Cerca do extremo direito também estaria situada a homeopatia, por exemplo.

A relação entre postmodernismo e pseudociencias é uma das investigações que nos propõe, entre outras muitas, Alan Sokal em seu novo livro Más allá de las imposturas intelectuales (Paidós, 2009), excelentemente traduzido por Miguel Candel.

Como recordar-se-á, Alan Sokal foi o responsável de um episódio muito divertido e muito ilustrativo. No ano 1996, a revista pós-moderna que academicamente gozava de muita importância, Social Text, publicou no número 46/47 um artigo de título longo e voluntariamente incomprensible (a tradução do inglês seria algo bem como "Transgredir as fronteiras: para uma hermenéutica transformativa da gravidade quántica") escrito por este físico de esquerdas estadounidense. Pouco depois de publicar-se, o mesmo Alan Sokal enviou um artigo à mesma revista no que confessava que todo o que tinha escrito lá era um sinsentido do mais estúpido. Social Text não quis publicar este novo artigo de Sokal em onde se desmontaba o engano, ainda que sim o fez Dissent no mesmo ano 1996. Entre outras coisas, Sokal afirmava neste novo artigo: "o meu artigo [o anterior publicado em Social Text] é uma mistura de verdades, médias verdades, quartos para valer, falsidades, saltos ilógicos e frases sintácticamente correctas que carecem por completo de sentido." E também: "Confesso que sou um velho esquerdista impenitente que nunca entendeu como se supõe que a deconstrucción vai ajudar à classe operária. E sou também um velho cientista pesado que crê, ingenuamente, que existe um mundo externo, que existem verdades objectivas sobre o mundo e que minha missão é descobrir algumas delas." Armou-se um bom escândalo que até recebeu nome próprio: "o assunto Sokal". O escândalo teve por suposto também um amplo seguimiento na imprensa de grande atirada, tanto na francesa como na estadounidense. Pouco depois e quando as repercussões da bulla não se tinham extinguido nem muito menos, Alan Sokal, junto ao físico teórico belga Jean Bricmont, coescribió um livro titulado Imposturas intelectuais que, originalmente em francês, se publicou em muitos idiomas, entre eles o catalão e o castelhano, a partir de 1997. Neste livro, Sokal e Bricmont, tomando alguns textos de Jacques Lacan  o que, segundo o veterano filósofo Mario Bunge, deu lugar ao pouco recomendábel género do "charlacanismo" (2), Julia Kristeva, Bruno Latour, Jean Baudrillard, Gilles Deleuze, entre outros, mostravam a tendência destes autores pós-modernos ao abuso de alguns termos científicos sem possuir a mais remota ideia a respeito do que estavam a falar ou escrevendo. Também confessavam os autores de Imposturas intelectuais a sua preocupação porque a moda pós-moderna supunha um debilitamiento da esquerda política que se deixava influir por ela. Sokal e Bricmont, que sempre tiveram a Noam Chomsky em alta estima científica e política (3), citavam em Imposturas intelectuais ao actualmente octogenario estadounidense em seu apoio:

"Os intelectuais de esquerdas participaram activamente na vida animada da cultura operária. Alguns procuraram compensar o carácter de classe das instituições culturais com programas de educação operários ou mediante obras de divulgação  -que conheceram um sucesso muito grande-  sobre matemáticas, ciências e outros temas. É ferinte constatar que hoje em dia  os seus herdeiros de esquerdas com freqüência privam aos trabalhadores destes instrumentos de emancipação, e informam-nos que o 'projecto dos Enciclopedistas' está morto que temos de abandonar as 'ilusões' da ciência e da racionalidade. Será uma mensagem que fará felizes aos poderosos, satisfeitos de monopolizar estes instrumentos para seu próprio uso". (4)

Passaram aproximadamente 13 anos desde a edição de Imposturas intelectuais. Agora, com a publicação de Más allá de las imposturas intelectuales, Sokal, que também contou em algumas partes do livro com a colaboração de Jean Bricmont, aborda aspectos mais amplos e ambiciosos que na obra anterior. Para além das imposturas intelectuais é um livro bem mais longo que o primeiro (na edição de Paidós tem 576 páginas) e adentra-se em campos como -para além dos mencionados anteriormente: pseudociencias e postmodernismo- a religião e a ética. O resultado em minha opinião é, ainda que em conjunto muito bom, algo desigual. Creio, por exemplo, que não era necessário neste livro voltar a incluir o artigo de Social Text, conquanto agora está editado com novos comentários. Em mudança, o longo capítulo sobre "religião, política e sobrevivência" parece-me especialmente brilhante. E demoledor. Inclui uma discussão com a ideia defendida pelo já difunto Stephen Jay Gould sobre os "magistérios não superpuestos". Gould tinha querido defender com estas palavras a ideia de que a ciência trata questões de facto, e a religião, questões de ética e significado. Sokal defende de forma muito convincente que esta posição é insustentável.

Um livro que não abundará sem dúvida nas bibliotecas de postmodernos e partidários de qualquer pseudociencia.   

Notas: (1) Richard Dawkins, Evolução, Espasa, 2009, p. 22. (2)  Há uma divertida discussão em Imposturas intelectuais a respeito da equiparação (metafórica, supõe-se) que faz Lacan entre ¡o pene e a V-1! Sim, raiz quadrada de menos um. Incrível, mas verdadeiro. (3) Bricmont editou, junto com Julie Franck, um monumental livro de textos de e sobre Chomsky em 2007 que resulta imprescindível para toda aquela pessoa que queira conhecer com verdadeiro detalhe o pensamento científico, social e político do veterano luitador: Chomsky, Paris, Éditions de l'Herne. (4) Para a impecável opinião de Chomsky sobre o pós-modernismo, veja-se além do citado livro editado por Bricmont e Franck, Daniel Raventós, "Noam Chomsky sobre la revolución cognitiva, el postmodernismo, la liberdad de expresión, la democracia y las guerras", Sim Permiso núm. 5.








Nenhum comentário: