03/01/2011

Reino de Espanha: a banca culpável

Vicenç Navarro. Artigo tirado de aqui e traduzido por nós. O artigo apareceu originalmente no jornal espanhol Público em 30 de dezembro de 2010.

Dean Baker codirector do Center for Economic and Policy Research de Washington, foi o primeiro economista que alertou da existência de uma bolha imobiliária em EEUU e das consequências que o seu estourido  teria para a economia estadounidense. O establishment económico (os economistas em postos de direcção da Administração Bush junior, bem como as lumbreiras do mundo académico universitário) ignoraram completamente tal aviso, reproduzindo uma imagem de complacência com a situação da economia, ao mesmo tempo que mantinham uns comportamentos cúmplices com os grupos de pressão responsáveis da borbulha imobiliária (entre os quais há que destacar à banca). Em EEUU acaba de estrear-se o documentário Inside Job que mostra a génese da crise económica e financeira de EEUU, incluído o estourido da bolha imobiliária, assinalando a grande responsabilidade que centros universitários de formação e análise económica tiveram (através de seus serviços de assessoria à banca-Wall Street) no desenvolvimento de tais crises. Os guardiães da "ortodoxia económica ultraliberal", que promocionavam a sabedoria convencional económica, marginavam e silenciavam as escassas vozes críticas a tal pensamento único. Vozes críticas como as de Dean Baker eram ignoradas sistematicamente.

A borbulha, no entanto, estourou e criou uma enorme recessão. Nenhuma das vozes do establishment ultraliberal admitiu o seu erro. Em realidade, o que Dean Baker estava a assinalar era fácil de prever. As práticas especulativas do complexo bancário-imobiliário estavam a criar uma situação explosiva que se baseava nuns preços exagerados e irracionais das moradias, muito acima do nível dos salários que pudesse sustentar o consumo de tais moradias. O estourido imobiliário devia-se a esta enorme distância entre o preço da moradia e o nível salarial do povo estadounidense. A explosão da borbulha significou o colapso do sector imobiliário e a paralisação da construção. E consequência da centralidade de tal sector no crescimento económico, o colapso significou a Grande Recessão da economia [ao que cumpre engadir que os activos tóxicos da hipotecas subprime ligadas com a moradia se espalhárom por toda a parte criando umha crise financeira urbi et orbe; N. do blogger].

A maneira de sair dela era mediante o aumento do gasto público, que cobrisse, em parte, o vazio que tinha criado o colapso do mercado da moradia, estimulando assim a economia. E outra medida necessária era a baixada muito significativa do preço da moradia, que se calculou estava sobrevalorada em 30% (em algumas partes do país, como Califórnia, inclusive um 70%). Tal redução era essencial para reavivar o sector da moradia. Dean Baker acaba de escrever outro livro, False Profits. Recovering the Bubble Economy, no que indica que, a não ser que os preços da moradia baixem mais, a economia estadounidense não sairá da Grande Recessão.

O que faz especialmente interessante a leitura do livro de Baker é que as semelhanças com a situação espanhola são enormes, semelhanças que também acabam de se assinalar num artigo recente de The New York Times (18-12-10). Como nos EUA, em Espanha o complexo bancário-sector inmobiliario-indústria da construção foi o eixo do crescimento económico. E também, como nos EUA, a borbulha se baseou no comportamento especulativo da banca, que determinou, em consequência, uns preços artificialmente altos, muito acima da capacidade de compra da população espanhola, que se endividou enormemente. E de novo, como nos EUA, as autoridades públicas estimularam o comportamento especulativo (mediante, entre outras medidas, a desregulaçom do solo) do complexo bancário-imobiliário. E como em EUA, o comportamento do Banco Central foi de uma enorme deixadez na sua responsabilidade reguladora e supervisora. A responsabilidade do Banco de Espanha e de seu governador no estabelecimento da borbulha e sua explosão não foi menor [este é dos que di que há que trabalhar mais e ganhar menos, aplicar um plano B de austeridade e recortes, bancarizar as caixas de paupança, etc.; N. do blogger]. A sua complicidade com a banca adquiriu um nível tal que devessem lhe lhe exigir responsabilidades.

Mas tal complicidade, segundo The New York Times (18-12-10), continua em Espanha. Assim, não só Dean Baker senão muitos outros experientes internacionais assinalam que o preço da moradia em Espanha devesse baixar bem mais (um 30%) do que baixou (só um 12%). Se não se produz um maior descenso, equilibrando o preço da moradia com o nível aquisitivo da população, não terá reavivaçom do mercado imobiliário e não terá recuperação da economia. E aqui, de novo, o problema está no excessivo poder da banca espanhola (hoje uma das maiores proprietárias de moradias vazias), que não quer baixar mais os preços a fim de não aumentar as suas perdas e manter seu nível de benefícios. E, paradóxico e surpreendentemente, as autoridades públicas não estão a intervir para forçar a venda de tais moradias (proibindo, por exemplo, que existam moradias vazias) e com isso baixar o preço da moradia. Em realidade, estão a fazer todo o contrário. Nada menos que a segunda autoridade económica do Governo Zapatero, José Manuel Campa, indicou que "o preço da moradia baixou já suficientemente", apoiando as declarações quase idênticas do governador do Banco de Espanha que, como sempre, apoia à banca à qual devesse supervisionar e regular. Em realidade, o grau de complicidade entre o Banco de Espanha e a banca explica a desconfiança que existe fora de Espanha para a tão promovida "saúde do sistema bancário espanhol". Hoje, ninguém conhece o grau de morosidade existente em Espanha nem a percentagem de moradias vazias existente no mercado espanhol. E esta falta de confiança é a que está a atrasar a recuperação económica. E, enquanto, o governador do Banco de Espanha está a acusar aos sindicatos de ser responsáveis da escassa recuperação económica por seu defesa dos postos de trabalho

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