14/07/2011

Tempo de pânico: nos EUA e em Europa, a catástrofe das perversas políticas de austeridade fiscal começa já a reflectir-se cruamente nos dados

Marshall Auerback. Artigo tirado de aqui.


Os dados de desemprego conhecidos hoje sugerem que estamos a experimentar algo pior que uma simples "fochanca no caminho", segundo descreveu o presidente no último mês. O verdadeiro é que se no passado mês foi momento de pânico, como sustentou desde estas mesmas páginas Stephanie Kelton, os dados de hoje deveriam provocar verdadeiras palpitações na Casa Branca. Isto não é uma "fochanca", senão um verdadeiro barranco ao estilo dos das ruas da cidade de Nova Iorque.

Está, o primeiro, a cifra de portada que todo mundo olha: os contratos de trabalho não agrícola. 18.000 mais em junho, isto é, 100.000 menos do esperado. Ademais, os aumentos dos passados dois meses foram agora revisados à baixa: 44.000 menos. Isso é francamente pouco, mas não resulta demasiado terrível.

A pouco, empero, que se afunde nos dados, a coisa pinta absolutamente horrível: a medida do desemprego estabelecida a partir de inquéritos nos lares mostra uma queda do emprego de 445.000. De acordo, é uma cifra embaraçosa. Mas, como Frank Verano me fez notar em um e-mail privado, o que essa medida do emprego, nunca revisada, mostra agora é que não teve o menor crescimento do emprego nos últimos cinco meses, e sim, em mudança um vigoroso crescimento do desemprego nos últimos três.

A coisa é, no entanto, ainda pior: na semana laboral diminuiu em uma décima parte. As horas extraordinárias diminuíram em uma décima parte. A taxa de participação laboral, de 64,1%, foi a pior desde 1984. A taxa de desemprego em um sentido mais amplo, que inclui o subemprego e o emprego a tempo involuntariamente parcial, a Ou6, passou de 15,8% ao 16,2%. Em outras palavras e tal como me sugeria esta manhã Frank, "muitos outros indicadores do emprego confirmam neste relatório os dados profundamente decepcionantes envelope a contratação laboral e a mensagem, bem mais negativo ainda, das medidas obtidas com inquéritos nos lares."

Há fatores estacionares que pudessem dar conta disso? Talvez, e singularmente do hiato observado entre os dados do Escritório de Estatísticas Laborais [BLS, pelas suas siglas em inglês] e as cifras sobre contratação laboral oferecidas pela companhia ADP [Processamento Automático de Dados, pelas suas siglas em inglês]. Mas, como sugeriu Philippa Dunne, do Liscio Report:

"Depois da publicação do relatório, alguns topenharam com a velha e fiável desculpa: dados mau desestacionados. De acordo com um das análises que circulou, se a BLS usasse o fator do ano passado (computado, claro está, usando exatamente a mesma técnica empregada para o fator deste ano), ter-se-ia visto um aumento de 221.000!. (Quem queira que fizesse esse cálculo, cometeu um erro ao comparar os níveis não ajustados estacionariamente com os ajustados estacionariamente para os dois meses: o que há que comparar são as mudanças intermensais.) Com tudo, se um vai jogar este jogo, tem ao menos que ser congruente e aplicar os dados estacionares do ano passado a vários meses, e não só a um. Caso contrário, o crescimento de 25.000 em maio converter-se-ia em uma perda de 19.000, e o aumento de abril reduzir-se-ia a só 73.000. Em qualquer caso, por que teria que o fazer? Os fatores estacionares recomputam-se a cada mês a partir da experiência recente e das singularidades do calendário, e deveriam mostrar-se mais enérgicos em uma eventual recuperação. (Esperemos que não terminem usando os dados de tendência na cima mesma da recessão como indicadores de passos para diante?) Também não há ajuste à cifra de cabeceira: os setores ajustam-se por separado (96 indústrias diferentes ao nível de três dígitos de NAICS [Sistema de Classificação da Indústria Norte-americana, pelas suas siglas em inglês], para ser exatos), e o total é a soma desses componentes. Todo o argumento é um sem senso."

Muitos dos que publicamos regularmente nestas páginas levamos meses preocupados por essas tendências. Expressamos repetidamente a nossa preocupação pela imperante histeria do deficit e os consiguintes recortes na despesa pública -fundados em um conceito de todo ponto erróneo da "solvência nacional" ou da "sustentabilidade fiscal", signifique isso o que queira-, e deixamos dito por ativa e por pasiva que todo isso terminaria gerando o tipo de situação económica que precisamente agora temos perante os nossos olhos. Desgraçadamente, o presidente, o seu incompetente secretário do Tesouro e o Congresso estão todos submetidos aos panglossianos de Wall Street e da teoria económica dominante, quem, impertérritos, seguem pronosticando tendências de crescimento desmentidas pelos dados trimestre depois de trimestre.

Trimestre depois de trimestre o crescimento revelou-se sempre menor do esperado. Por que? Por causa do persistente desdém da importância da política fiscal e por entregar-se à irracional crença na eficácia de ensalmos como o da QE2 [segunda flexibilización monetária cuantitativa]. A realidade é bem mais implacável: o crescimento ficou por embaixo da taxa de 2% nos dois primeiros trimestres deste ano, e em vez de responder à crise real de desemprego, os nossos decisores políticos seguem obsedados com a redução do deficit e com os recortes aplicados aos "insustentáveis" programas sociais, o que não faz senão sacar ainda mais recursos de uma economia que regressa aceleradamente ao precipício da recessão.

E com a perspetiva de um acordo parlamentar sobre os limites do endividamento, que incluirá ainda mais recortes da despesa pública; com a perspetiva, ademais, de uma ulterior pressão à baixa sobre os rendimentos reais dos consumidores por causa do incremento do preço das matérias básicas propiciado pela especulação, a administração segue inexplicavelmente pronosticando, uma vez mais, a recuperação significativa da senda de crescimento, só porque os gajos que lhe asseguram financiamento eleitoral em Wall Street lhes seguem dizendo que isso é o que vai ocorrer.

Mas não vai ocorrer. Não, se seguimos por este despenhadeiro. É muito de temer que o que nos espera seja um declive à  européia, em onde a austeridade fiscal está em pleno desenvolvimento. As vendas a varejo no Reino de Espanha foram um desastre. Caíram um 6,6% em relacionamento ao ano passado. Isso é muito pior que a já de por si horrível queda de 4,4% registada em cinco meses anteriores. A taxa de desemprego espanhola é de 21%. Grécia, que acaba de pôr por obra outra ronda de recortes da despesa pública, tem uma taxa de desemprego acima do 16%, e aponta a mais. E Itália começa finalmente a aparecer nos titulares: a sua renda per capita cresceu um 0% na última década. Hoje mesmo, o Banco da França dizia o seguinte no seu relatório económico mensal:
A atividade industrial caiu em junho devido ao comportamento mais débil da indústria automobilística, dos bens de equipa e de outros setores industriais. A taxa de utilização de capacidades caiu. As encomendas ainda se consideram acima dos seus níveis normais, mas parecem estar em pior situação que nos meses passados.

E isto é o núcleo, não a periferia. Já não é só um problema dos "manirrotos mediterráneos".

A comum aceitação da austeridade fiscal foi para além do perverso. É como se Josef Mengele se tivesse reencarnado em um economista e andasse trabalhando em algum novo experimento extravagante para infligir a máxima quantidade de dano ao máximo número de pessoas. É como uma variante do velho chiste:

"- Doutor, dói-me muito quando faço isto.

- Pois siga fazendo-o."

Os governos de vinte e oito países desenvolvidos atuaram de concerto para fazer baixar o preço do petróleo e salvar a recuperação económica mundial. Nestes últimos dez dias, os investidores profissionais, os especuladores e os habituais manipuladores parceiros de viagem conseguiram torcer o braço desses governos, forçando de novo uma alça nos preços do cru. À vista do qual, e do terrível frente de dados económicos procedentes ultimamente da Europa, melhor fariam esses governos em procurar de novo uma via para evitar a especulação sobre os preços dos alimentos e dos combustíveis: caso contrário, a Grande Recessão, Segunda Parte, aguarda-nos à volta do canto.

Ah! Mas de que nos preocupamos? Se é só uma poça no caminho! Recortemos um pouco mais a despesa pública -a Segurança Social parece ser o próximo objetivo-, porque, nem que dizer tem, basta com dizer que "temos que ser responsáveis", basta com dizer que "não podemos seguir vivendo acima das nossas possibilidades", para que se faça o milagre, se restaure a confiança e saiamos do fosso em que se encontra o 95% do mundo. Ou isso ao menos é o que o nosso presidente não se cansa de nos repetir quando celebra um "acordo" parlamentar sobre a limitação do endividamento. Em realidade, os únicos que deveriam o celebrar são os candidatos Republicanos às próximas eleições presidenciais, um dos quais conseguirá, muito provavelmente, converter a Obama em presidente de um só mandato. 

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