Immanuel Wallerstein. Artigo tirado de Esquerda.net (aqui). Sociólogo e professor universitário norte-americano. Wallerstein interessou-se pela política internacional quando ainda era adolescente, acompanhando a actuação do movimento anticolonialista na India. Obteve os graus de B.A. (1951), M.A. (1954) e Ph.D. (1959) na Universidade de Columbia, Nova Iorque, onde ensinou até 1971. Tornou-se depois professor de Sociologia na Universidade McGill, Montreal, até 1976, e na Universidade de Binghamton, Nova York, de 1976 a 1999. Foi também professor visitante em várias universidades do mundo.
Há uma década, quando eu e alguns outros falámos do declínio dos EUA no sistema-mundo, recebemos, no melhor caso, sorrisos condescendentes pela nossa ingenuidade. Não eram os Estados Unidos a única superpotência, com envolvimento em cada canto remoto do planeta, e impondo as suas posições na maior parte das vezes? Esta visão era partilhada por todo o espectro político.
Hoje, a opinião de que os Estados Unidos estão em declínio, em sério declínio, é uma banalidade. Todos o dizem, excepto uns poucos políticos norte-americanos que temem ser recriminados pelas más notícias da decadência se forem discuti-la. O facto é que hoje quase todos acreditam na realidade do declínio.
Mas o que se discute muito menos é quais têm sido e serão as consequências mundiais deste declínio. Este tem, evidentemente, raízes económicas. Mas a perda de um quase-monopólio do poder geopolítico, que os Estados Unidos já exerceram, tem as mais importantes consequências políticas em todo o lado.
Comecemos com uma pequena história contada na secção de negócios do The New York Times de 7 de Agosto. Um gerente financeiro de Atlanta “carregou no botão pânico” devido a dois clientes que lhe ordenaram que vendesse todas as suas acções e investisse o dinheiro num isolado fundo mútuo. O gerente disse que, em 22 anos como agente de negócios, nunca tinha recebido uma ordem como esta. “Isto não tinha precedentes”. O jornal observou que a ordem era o equivalente à “opção nuclear”. Ia contra o santificado conselho tradicional de uma “abordagem ponderada” às reviravoltas do mercado.
A Standard & Poor's reduziu o rating dos Estados Unidos de AAA para AA+, o que também é “sem precedentes”. Mas tratou-se de uma acção bastante suave. A agência equivalente na China, a Dagong, já tinha reduzido a notação financeira, em Novembro passado, para A+, e agora reduziu-a para A-. O economista peruano Oscar Ugartechedeclarou que os Estados Unidos são uma “República das bananas”. Disse que os EUA “optaram pela política da avestruz, esperando com isso não afugentar as esperanças [de melhoria].” Reunidos em Lima, os ministros das Finanças da América do Sul tiveram um debate urgente sobre como se protegerem melhor dos efeitos do declínio económico dos EUA.
O problema de todos é que é muito difícil isolar-se destes efeitos. Apesar da severidade do seu declínio económico e político, os Estados Unidos permanecem um gigante na cena mundial, e qualquer coisa que lá aconteça ainda provoca grandes ondas em todo o lado.
É certo que o maior impacto do declínio dos EUA é e continuará a ser sofrido nos próprios Estados Unidos. Políticos e jornalistas estão a falar abertamente da “desfuncionalidade” da situação política dos EUA. Mas o que mais poderia ser, além de desfuncional? O facto mais elementar é que os cidadãos dos EUA estão atordoados pela simples existência do declínio. Não se trata apenas de os cidadãos dos EUA estarem a sofrer materialmente com o declínio, e terem um temor profundo de virem a sofrer ainda mais com o tempo. A questão é que acreditavam profundamente que os Estados Unidos são a “nação escolhida”, designada por Deus ou pela história para ser a nação modelo do mundo. Ainda estão a receber a garantia do presidente Obama de que os Estados Unidos são um país AAA.
O problema para Obama e para todos os políticos é que muito pouca gente ainda acredita nisso. O choque para o orgulho nacional e a auto-imagem é formidável, e também é muito abrupto. O país está a lidar muito mal com esse choque. A população está à procura de bodes expiatórios e a fustigar feroz e não muito inteligentemente os presumíveis culpados. A última esperança parece ser a de alguém ser culpado, e o remédio mudar as pessoas que têm autoridade.
Em geral, as autoridades federais são vistas como as únicas responsáveis – o presidente, o Congresso, os dois maiores partidos. A tendência é muito forte no sentido de haver mais armas a nível individual e uma redução do envolvimento militar fora dos Estados Unidos. Culpar de tudo os políticos de Washington leva à volatilidade política e a lutas intestinas locais cada vez mais violentas. Eu diria que os Estados Unidos são hoje uma das menos estáveis entidades políticas no sistema-mundo.
Isso faz dos Estados Unidos não só uma nação cujas lutas políticas são desfuncionais, mas também um país incapaz de exercer muito poder real no cenário mundial. Assim, há uma grande queda na credibilidade dos Estados Unidos e do seu presidente por parte de tradicionais aliados externos, e por parte da base política doméstica do presidente. Os jornais estão cheios de análises dos erros políticos de Barack Obama. Quem pode contradizê-los? Eu poderia fazer facilmente uma lista de dezenas de decisões de Obama que, na minha opinião, estavam errados, foram cobardes, e às vezes francamente imorais. Mas pergunto-me: se ele tivesse decidido de acordo com o que pensa a sua base, o resultado teria sido muito diferente? O declínio dos Estados Unidos não é o resultado de más decisões do seu presidente, mas de realidades estruturais no sistema-mundo. Obama pode ser ainda o indivíduo mais poderoso do planeta, mas nenhum presidente dos Estados Unidos é ou poderia ser hoje tão poderoso quanto os presidentes do passado.
Entrámos numa era de agudas, constantes e rápidas flutuações – nas taxas de câmbio da moeda, nos índices de emprego, nas alianças geopolíticas, nas definições ideológicas da situação. A extensão e a rapidez destas flutuações leva à impossibilidade de previsões a curto prazo. E sem alguma estabilidade razoável das previsões de curto prazo (três anos ou mais), a economia-mundo paralisa-se. Todos terão de ser mais proteccionistas e virados para dentro. E os padrões de vida vão cair. Não é uma imagem bonita. E, embora haja muitos, muitos aspectos positivos para muitos países devido ao declínio dos EUA, não é certo que, com o barco do mundo a balançar ferozmente, outros países sejam de facto capazes de lucrar aquilo que esperam desta nova situação.
É tempo de fazer análises de longo prazo muito mais sóbrias, de fazer julgamentos morais muito mais claros sobre o que a análise revela, e de realizar uma acção política muito mais eficaz no esforço de, nos próximos 20-30 anos, criar um sistema-mundo melhor do que aquele em que estamos todos enredados hoje.
Hoje, a opinião de que os Estados Unidos estão em declínio, em sério declínio, é uma banalidade. Todos o dizem, excepto uns poucos políticos norte-americanos que temem ser recriminados pelas más notícias da decadência se forem discuti-la. O facto é que hoje quase todos acreditam na realidade do declínio.
Mas o que se discute muito menos é quais têm sido e serão as consequências mundiais deste declínio. Este tem, evidentemente, raízes económicas. Mas a perda de um quase-monopólio do poder geopolítico, que os Estados Unidos já exerceram, tem as mais importantes consequências políticas em todo o lado.
Comecemos com uma pequena história contada na secção de negócios do The New York Times de 7 de Agosto. Um gerente financeiro de Atlanta “carregou no botão pânico” devido a dois clientes que lhe ordenaram que vendesse todas as suas acções e investisse o dinheiro num isolado fundo mútuo. O gerente disse que, em 22 anos como agente de negócios, nunca tinha recebido uma ordem como esta. “Isto não tinha precedentes”. O jornal observou que a ordem era o equivalente à “opção nuclear”. Ia contra o santificado conselho tradicional de uma “abordagem ponderada” às reviravoltas do mercado.
A Standard & Poor's reduziu o rating dos Estados Unidos de AAA para AA+, o que também é “sem precedentes”. Mas tratou-se de uma acção bastante suave. A agência equivalente na China, a Dagong, já tinha reduzido a notação financeira, em Novembro passado, para A+, e agora reduziu-a para A-. O economista peruano Oscar Ugartechedeclarou que os Estados Unidos são uma “República das bananas”. Disse que os EUA “optaram pela política da avestruz, esperando com isso não afugentar as esperanças [de melhoria].” Reunidos em Lima, os ministros das Finanças da América do Sul tiveram um debate urgente sobre como se protegerem melhor dos efeitos do declínio económico dos EUA.
O problema de todos é que é muito difícil isolar-se destes efeitos. Apesar da severidade do seu declínio económico e político, os Estados Unidos permanecem um gigante na cena mundial, e qualquer coisa que lá aconteça ainda provoca grandes ondas em todo o lado.
É certo que o maior impacto do declínio dos EUA é e continuará a ser sofrido nos próprios Estados Unidos. Políticos e jornalistas estão a falar abertamente da “desfuncionalidade” da situação política dos EUA. Mas o que mais poderia ser, além de desfuncional? O facto mais elementar é que os cidadãos dos EUA estão atordoados pela simples existência do declínio. Não se trata apenas de os cidadãos dos EUA estarem a sofrer materialmente com o declínio, e terem um temor profundo de virem a sofrer ainda mais com o tempo. A questão é que acreditavam profundamente que os Estados Unidos são a “nação escolhida”, designada por Deus ou pela história para ser a nação modelo do mundo. Ainda estão a receber a garantia do presidente Obama de que os Estados Unidos são um país AAA.
O problema para Obama e para todos os políticos é que muito pouca gente ainda acredita nisso. O choque para o orgulho nacional e a auto-imagem é formidável, e também é muito abrupto. O país está a lidar muito mal com esse choque. A população está à procura de bodes expiatórios e a fustigar feroz e não muito inteligentemente os presumíveis culpados. A última esperança parece ser a de alguém ser culpado, e o remédio mudar as pessoas que têm autoridade.
Em geral, as autoridades federais são vistas como as únicas responsáveis – o presidente, o Congresso, os dois maiores partidos. A tendência é muito forte no sentido de haver mais armas a nível individual e uma redução do envolvimento militar fora dos Estados Unidos. Culpar de tudo os políticos de Washington leva à volatilidade política e a lutas intestinas locais cada vez mais violentas. Eu diria que os Estados Unidos são hoje uma das menos estáveis entidades políticas no sistema-mundo.
Isso faz dos Estados Unidos não só uma nação cujas lutas políticas são desfuncionais, mas também um país incapaz de exercer muito poder real no cenário mundial. Assim, há uma grande queda na credibilidade dos Estados Unidos e do seu presidente por parte de tradicionais aliados externos, e por parte da base política doméstica do presidente. Os jornais estão cheios de análises dos erros políticos de Barack Obama. Quem pode contradizê-los? Eu poderia fazer facilmente uma lista de dezenas de decisões de Obama que, na minha opinião, estavam errados, foram cobardes, e às vezes francamente imorais. Mas pergunto-me: se ele tivesse decidido de acordo com o que pensa a sua base, o resultado teria sido muito diferente? O declínio dos Estados Unidos não é o resultado de más decisões do seu presidente, mas de realidades estruturais no sistema-mundo. Obama pode ser ainda o indivíduo mais poderoso do planeta, mas nenhum presidente dos Estados Unidos é ou poderia ser hoje tão poderoso quanto os presidentes do passado.
Entrámos numa era de agudas, constantes e rápidas flutuações – nas taxas de câmbio da moeda, nos índices de emprego, nas alianças geopolíticas, nas definições ideológicas da situação. A extensão e a rapidez destas flutuações leva à impossibilidade de previsões a curto prazo. E sem alguma estabilidade razoável das previsões de curto prazo (três anos ou mais), a economia-mundo paralisa-se. Todos terão de ser mais proteccionistas e virados para dentro. E os padrões de vida vão cair. Não é uma imagem bonita. E, embora haja muitos, muitos aspectos positivos para muitos países devido ao declínio dos EUA, não é certo que, com o barco do mundo a balançar ferozmente, outros países sejam de facto capazes de lucrar aquilo que esperam desta nova situação.
É tempo de fazer análises de longo prazo muito mais sóbrias, de fazer julgamentos morais muito mais claros sobre o que a análise revela, e de realizar uma acção política muito mais eficaz no esforço de, nos próximos 20-30 anos, criar um sistema-mundo melhor do que aquele em que estamos todos enredados hoje.
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