18/12/2011

Martin Luther King: Vejo a terra prometida

Livro em quadrinhos ressalta a biografia do martir da luta pelos Direitos Civis e por igualdade racial nos Estados Unidos, colocando a importância da questão para a humanidade. Por Marcos Aurélio Ruy*

Biografia de Martin Luther King Ilustração de Manu Chitrakar

Juntando uma editora indiana, Tara Books; um escritor e performático norte-americano, Arthur Flowers; um artista plástico bengalês, Manu Chitrakar e designer italiano Guglielmo Rossi, mais um biografado fundamental, Martin Luther King, surge uma graphic novel (história em quadrinhos) de qualidade e importância em todos os sentidos.

A WMF Martins Fontes trouxe ao Brasil essa obra importante (1) pelo seu caráter multifacetado e pela atualização do tema. Justamente, como disse Clóvis Moura, estudar a história é importante para entender o passado e assim compreender o presente e com isso encaminhar as lutas futuras. A vida de King tem significado especial para as lutas antirracistas em todo o mundo por ele ter participado ativamente do enfrentamento com os stablishment norte-americano para derrubar as leis de segregação racial.

Pode-se discordar de várias de suas teses e métodos, mas há que se reconhecer a sua importância pela compreensão que teve da realidade e de como enfrentá-la sem se perder em verborragias, mesmo que por vezes tenha dado prosseguimento moderado à luta, divergências por exemplo com os não menos importantes Panteras Negras. Mas King parecia saber que num enfrentamento violento haveria muitas baixas, principalmente entre os negros. Por isso, desenvolveu a tese da não violência, muito baseado em outro herói, agora indiano: Mahatma Gandhi.

Para os editores da Tara Books esse projeto “foi uma ano longo e feliz de mediação” de uma “colaboração inusitada”, estabelecendo o contato entre “pessoas brilhantes que nunca se conheceram”. No final de tudo afirmam que este livro em quadrinhos “tornou-se um relato rico e comovente sobre uma vida extraordinária”. O norte-americano Arthur Flowers relata ter percebido que “não estava contando apenas a história de Martin Luther King, mas de toda a luta afro-americana”. Para ele é fundamental que o público compreenda o que King representava “para nós naquela época e o que significa agora”, principalmente para a “luta pela vida e pelas conquistas”, pela melhoria da condição humana. Já o pintor e cantor bengalês, Manu Chitrakar disse saber que os personagens dessa história lhe “são estranhos”, até por que “se passa em outro país”, mas “essa história pertence a todos os seres humanos”. Ele complementa afirmando que “Martin Luther King me lembrou Khudiram, o revolucionário que lutou por nossa liberdade”. Para a editora do livro, Gita Wolf, “Martin Luther King dedicou a maior parte de sua vida adulta à ideia de que todas as pessoas devem ser tratadas como iguais. Pregou a tolerância, a compreensão e a comunicação transcultural”.

Após a Guerra Civil Americana (1861-1865) a questão da igualdade racial ganhou destaque devido à resistência do Sul ex-escravista às mudanças, com uma aberta segregação racial, que também persistia Norte. Nesse aspecto as chamadas Black Church (Igreja de Negros) desempenharam papel fundamental na organização da resistência antirracista. No século 20 elas ganharam destaque nessa luta por arregimentarem grande número de descendentes de escravos para lutarem por seus direitos. O próprio Martin Luther King um pastor protestante. “Os pregadores negros sempre lutaram na linha de frente, e, na hora de mobilizar o povo, King simplesmente aplicou à oratória política sua habilidade de fazer sermões”, diz Flowers, complementando que ele “era o que se chama um homem de estirpe, da ala progressista da burguesia negra do Sul, gente para quem a defesa da raça é tradição de família”.

Com a Proclamação de Emancipação em 1863, que pôs fim à escravidão nos Estados Unidos, a luta antirracista intensificou-se. Os brancos do Sul organizam-se em grupos paramilitares para objetivo de atacar os negros, essencialmente os que “ousavam” em tentar ser igual. O mais famoso desses grupos foi a Ku Klux Klan, entidade reacionária que defendia a supremacia branca e assassinou (em linchamentos públicos muitas vezes) inúmeros negros e defensores de seus direitos. Para a Klan cabia aos negros apenas submeter-se aos ditames dos brancos. Flowers conta que sempre se esperava que “você dê precedência ao branco, que sente no fundo do ônibus, que beba do bebedouro dos pretos, que saia da calçada para os brancos passarem”.

As coisas começaram a mudar quando Rosa Parks, em 1955, sentou em local não permitido aos negros e acabou por ser presa. A partir desse episódio intensificou-se a luta com um forte boicote aos ônibus em Montgomery. Outro episódio que revoltou a comunidade negra diz respeito ao caso do garoto Emmet Till, acusado de assobiar para uma garota branca; ele “foi atado com arame farpado a uma descaroçadeira de algodão e jogado no rio Tallahatchie”.

A saga dos afro-americanos e a liderança de Martin Luther King aparecem muito bem neste livro que mostra inclusive a divergência com Malcolm X, defensor de um enfrentamento mais radical com os brancos. Ao ganhar o prêmio Nobel da Paz, em 1964, a luta pacifista desenvolvida por King ganhou realce. E também mais tenaz perseguição, desde o grampeamento de seus telefones até chantagens policiais. King, porém, nunca cedeu. E acabou assassinado em 4 de abril de 1968, em Memphis (Tennessee). Tornou-se o maior mártir da luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos e sua luta ressoa até hoje em todos os cantos do mundo. Para Flowers King foi “um praticante do jogo a longo prazo, em que são concebidas estratégias para que as futuras gerações se transformem no sentido mais desejável”.

O discurso mais famoso de King “Eu Tenho um Sonho”, foi pronunciado em agosto de 1963, um ano antes de ganhar o prêmio Nobel. Nele pregou a chegada da terra prometida, com justiça social, em que todos fossem tratados como seres humanos, iguais em direitos, com as mesmas chances de vida. “Eu vi a terra prometida. Talvez não vá até lá com vocês, mas esta noite quero que vocês saibam que nós, como povo, chegaremos à terra prometida”, profetizou King. Enfim, Flowers complementa ao afirmar que “a Guerra Civil pode ter libertado os negros da escravidão, mas foi Martin Luther King quem nos livrou dos grilhões”.

(1) Vejo a Terra Prometida. Arthur Flowers, Manu Chitrakar e Guglielmo Rossi. Editora WMF Martins Fontes, São Paulo, 2011

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