27/01/2011

O desastre húngaro

G. M. Tamás, filósofo húngaro. Artigo tirado de aqui. A fonte que empregamos tomou o artigo de Vermelho.









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O governo de direita da Hungria, com Viktor Orbán à frente, provocou uma onda internacional de protestos com a aprovação de uma nova lei de imprensa, cerceando as liberdades democráticas. Mas a lei é apenas a ponta do iceberg. Desde que assumiu o governo há poucos meses, Viktor Orbán vem promovendo inúmeras mudanças no país, e boa parte delas ameaçam frontalmente o pouco de democracia que existia no país. Que medidas são essas?

A história da Hungria é um exemplo de muitos ensinamentos, e que serve de alerta para mostrar como as democracias burguesas europeias tornaram-se frágeis nesses tempos turbulentos e decadentes. Onde a solidariedade e a coesão sociais estão ausentes em função da inexistência de justiça, é difícil esperar que os cidadãos defendam as instituições liberais e a divisão de poderes. 

Desde abril de 2010, quando a direita húngara conquistou a maioria de dois terços no parlamento e, sobretudo após as eleições municipais de setembro — nas quais a direita recebeu 93% dos votos nas aldeias e nas cidades, conseguindo com isso a maioria em todos os distritos governamentais —, aprovaram-se febrilmente leis que poderiam mudar a Hungria para sempre.

Inicialmente, o parlamento condenou em sessão comemorativa o Acordo de Trianon de 1920 que dividiu o então Império húngaro, alimentando as esperanças dos membros da minoria húngara dos Estados vizinhos na obtenção de sua cidadania até agora negada. Em seguida, todas as instituições estatais e os edifícios públicos foram orientados a ornamentar as suas parade com os termos da profissão de fé do novo regime: a declaração em prol de uma cooperação nacional (o regime proclama-se oficialmente como um sistema de “cooperação nacional”, e o governo como um governo de unidade nacional).

Posteriormente, modificou-se a legislação eleitoral para dificultar o ingresso de pequenos partidos no parlamento. Além disso, o Tribunal Constitucional teve suas atribuições reduzidas. E houve a nomeação de políticos da direita para os principais postos da Procuradoria Geral do Estado — por um período de nove anos —, do Tribunal de Contas, bem como de órgãos judiciários locais. O serviço secreto foi reestruturado e um novo centro de combate ao terrorismo foi montado sob a direção de guarda-costas do primeiro-ministro Viktor Órban.

O governo mudou a direção de todos os órgãos do poder público – sobretudo da Polícia, das autoridades fiscais e alfandegárias, e do Exército. Ele promoveu a aprovação de uma lei que lhe garante a demissão de todos os servidores do Estado sem justificativa, e, correspondentemente, a admissão de seus sucessores sem a qualificação necessária. Há investigações em curso, sob a suspeita de corrupção, envolvendo antigos funcionários — sobretudo aqueles filiados aos partidos socialista e liberal —; e já existe muitos processos abertos.

Novas leis foram aprovadas também no campo da educação, ou estão sendo preparadas. Apoio educacional só poderiam ser obtidos por aqueles que vivem em “condições regulares”. Isso faz com que a administração local possa negar apoio `as camadas sociais mal-vistas e às minorias.

Nas instituições acadêmicas, já antes das eleições, os setores conservadores desencadearam uma ampla depuração motivada políticamente. Dois importantes institutos de pesquisa, que antes eram financiados pelo Estado – o Instituto 1956 e o Instituto de História Política -, tiveram a verba cortada. Todas as universidades encontram-se sob a direção das forças conservadoras.

No teatro, as forças tradicionalistas também avançaram. Os teatros livres e alternativos perderam apoio financeiro. Todos os recursos estatais da indústria cinematográfica foram cortados. Fala-se que o próximo alvo no campo cultural serão as editoras.

A infame lei de imprensa, que despertou a atenção internacional, permite que o governo, além de exercer a censura, possa punir os órgãos da mídia levando-os à ruína. Para controlar a sua aplicação constituiu-se um organismo que tem à sua frente uma mulher que é da direita , nomeada para um mandato de nove anos, e que fiscalizará a concessão de rádios e a proibição de determinados conteúdos na Internet. O sistema público de rádio será centralizado. As informações para as rádios estatais e para a televisão serão divulgadas exclusivamente a partir de um novo centro, que é parte da agência estatal de notícias. Os diretores dos canais públicos foram todos recém nomeados, e a maioria vem da imprensa direitista. Centenas de jornalistas dos órgãos públicos de comunicação já foram demitidos.

O direito de greve foi restringido. O direito de negociação dos sindicatos dos trabalhadores da mídia é ignorado abertamente. A legislação social transfere dinheiro dos pobres para a jovem classe média branca. Um imposto unitário foi introduzido beneficiando os mais ricos, enquanto isso o imposto sobre o consumo indireto foi elevado brutalmente.

E o país continua tranquilo.

A crítica do Mainstream ao sistema de cooperação nacional é ineficaz, pois é interpretada como apoio ao governo anterior – de fachada liberal e de um pluralismo artificial. Não há, portanto, luto algum pela democracia, já que quase ninguém acredita que vivemos em uma democracia. A justiça e a polícia atuam de modo injusto, brutal e ineficiente, e isso não é de hoje.

O governo de Viktor Orbán teve extraordinário exito em dividir e golpear grupelhos de extrema-direita e para-militares, para enfrentar um crescente terrorismo fascista e rascista nacional. Mas claro, utilizando métodos policiais bastante questionáveis. Sem ter sido, também nesse caso, criticado pelos liberais.

A questão da minoria cigana Roma é tratada como um problema policial. A divisão rascista é propagada abertamente pela direita, e os programas de integração foram reformulados. O debate público sobre a questão étnica e racial desapareceu.

Um dos principais colunistas dos conservadores – professor universitário e redator de uma respeitada revista mensal -, afirmou:
“- O antifascismo é um crime”.

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