04/09/2010

Ciganos e canalhas

Miguel Portas é eurodeputado do Bloco de Esquerdas e jornalista. O artigo apareceu no jornal Sol em 27 de Agosto.

Há 70 anos, o nazismo enviou os ciganos para o holocausto. Agora, a direita europeia, num gesto magnânimo, apenas os deporta. Melhorámos?
Se tivesse que seleccionar o acontecimento político deste Verão, seria certamente o da deportação de ciganos para o Kosovo, a Roménia e a Bulgária.
Tudo começou, pianinho, em Abril, quando o Governo alemão impôs ao seu protectorado kosovar um acordo para o acolhimento de 14 mil ciganos. Berlim fez tábua rasa de todas as recomendações da ONU contra deportações para um território que, além de não ter condições para receber, é o paraíso da máfia na Europa.
O segundo momento desta história canalha passou despercebido: em fins de Julho, o Governo flamengo despachou umas centenas de ciganos para a Valónia. Este gesto antecedeu a campanha que iria nascer no país ao lado. Atolado num escândalo de financiamento partidário contra ‘esquecimento fiscal’, o Presidente francês decidiu dar visibilidade a uma política que a sua administração já praticava há dois anos: a deportação regular de ciganos para a Bulgária e a Roménia.
Durante Agosto, o Governo de Paris aliou a demolição de dezenas de campos de caravanas à deportação de centenas de ciganos. Em redor destas duas operações foi montado um circo mediático com dois alvos: por um lado, a comunidade das vítimas, acusada de preferir a ladroagem à integração; e, por outro lado, Bruxelas, suspeita de não financiar os programas para a fixação dos ciganos nos seus países de origem.
Em face das primeiras reacções de Budapeste, de organizações humanitárias e da própria Comissão Europeia – afinal, a livre circulação de europeus na União consta dos Tratados e as verbas podem ser usadas desde que os governos apresentem candidaturas para o efeito –, de imediato Berlusconi saltou em defesa do seu aliado francês. Por seu turno, a Liga Norte, que detém a pasta do Interior, aproveitou a boleia gaulesa para exigir novas expulsões. Em Itália, a situação não se compara à que enfrentam as crianças ciganas na República Checa – onde um terço se encontra escolarizada em escolas para deficientes mentais – mas a via para o delírio xenófobo tem vindo a ser traçada, nos últimos anos, com expulsões violentas e o agravamento dos quadros legais.
Parafraseando Karl Marx, a História repete-se, primeiro como tragédia e depois como paródia. Há 70 anos, o nazismo enviou os ciganos para o holocausto. Agora, a direita europeia, num gesto magnânimo, apenas os deporta. Melhorámos? No dia em que deixarmos de pensar «que a culpa é dos ciganos» ou que «eu não sou racista, mas...», acredito que sim. Até lá, continuaremos a merecer líderes ignorantes, oportunistas e rascas.

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