21/12/2011

O segundo fôlego do movimento mundial de justiça social

Immanuel Wallerstein. Artigo tirado de aqui.



Temos de pensar numa luta mundial como uma corrida de fundo, na qual os corredores têm de usar a sua energia com sabedoria.

Durante os protestos da praça Tahrir em novembro de 2011, Mohamed Ali, 20 anos, respondeu da seguinte forma a um jornalista que lhe perguntava por que estava ali: "Queremos justiça social. Nada mais. É o mínimo que merecemos."

A primeira vaga de movimentos assumiu formas múltiplas em todo o mundo – a chamada Primavera Árabe, os movimentos Ocupar que começaram nos Estados Unidos e se espalharam a um grande número de países, Oxi na Grécia e os Indignados em Espanha, os protestos estudantis no Chile e muitos outros.

Foram um sucesso fantástico. O grau de êxito pode ser medido por um extraordinário artigo escrito por Lawrence Summers no Financial Times em 21 de novembro, sob o título "A desigualdade já não pode ser evitada pelas ideias habituais". Não é um tema em que Summers se tenha antes destacado.

Nele, o colunista faz duas observações notáveis, considerando que ele foi pessoalmente um dos arquitetos da política económica mundial dos últimos 20 anos que nos pôs a todos na profunda crise na qual o mundo se encontra.

A primeiro afirmação é que houve mudanças fundamentais nas estruturas económicas mundiais. Summers diz que "a mais importante delas é o forte aumento da recompensa de mercado para uma pequena minoria de cidadãos, em relação às recompensas disponíveis para a maioria dos cidadãos."

A segunda diz respeito a dois tipos de reações públicas a esta realidade: a dos manifestantes e a dos que se opõem aos protestos. Summers diz que é contra a "polarização", que é o que, segundo ele, os manifestantes estão a provocar. Mas diz em seguida: "Ao mesmo tempo, os que se apressam a classificar como inadequada, ou um produto do conflito de classe, qualquer preocupação acerca da crescente desigualdade estão ainda mais fora da realidade."

O que o artigo de Summers indica não é que ele se tenha tornado um expoente da mudança social radical – longe disso – mas antes que se preocupa com o impacto político do movimento mundial de justiça social, especialmente no que ele chama de mundo industrializado. Eu chamo a isso o sucesso do movimento mundial de justiça social.

A resposta a este sucesso foram algumas concessões menores aqui e ali, e logo uma crescente repressão por todo o lado. Nos Estados Unidos e no Canadá, houve uma sistemática iniciativa da polícia para acabar com as "ocupações". A simultaneidade destas ações parece indicar algum nível de coordenação em alto nível. No Egito, os militares têm resistido a qualquer diluição do seu poder. Alemanha e França impuseram políticas de austeridade na Grécia, Irlanda, Portugal e Itália.

Mas a história está longe de terminada. Os movimentos estão a desenvolver um segundo fôlego. Os manifestantes reocuparam a praça Tahrir e estão a ameaçar o chefe de Estado-Maior Tantawi com o mesmo desprezo com que trataram Mubarak. Em Portugal, o apelo a um dia de greve geral paralisou todo o sistema de transportes. Uma anunciada greve na Grã-Gretanha contra o corte das pensões esperava reduzir o tráfego em Heathrow em 50%, causando grandes repercussões em todo o mundo, dada a centralidade de Heathrow no sistema mundial de transportes. Na Grécia, o governo tentou apertar mais os pensionistas pobres, aplicando uma grande taxa de propriedade na sua conta de eletricidade, ameaçando cortar a luz se não pagarem. Mas há resistência organizada. Os eletricistas estão a religar a luz ilegalmente, contando com a incapacidade dos reduzidos efetivos do governos municipais para aplicar a lei à força. É uma tática que já foi usada com sucesso no Soweto, subúrbio de Johannesburgo, há uma década.

Nos Estados Unidos e no Canadá, o movimento de ocupação expandiu-se dos centros das cidades para as cidades universitárias. E os "ocupantes" estão a discutir lugares alternativos para ocupar durante os meses de inverno. A rebelião dos estudantes do Chile alastrou-se às escolas secundárias.

É preciso destacar duas coisas na situação atual. A primeira é o facto de os sindicatos – como parte do que está a acontecer, como resultante de que está a acontecer – se terem tornado muito mais militantes e abertos à ideia de que deviam ser participantes ativos no movimento mundial de justiça social. Isto é verdade no mundo árabe, na Europa, na América do Norte, na África do Sul, mesmo na China.

A segunda coisa a destacar é o facto de os movimentos em todo o lado terem sido capazes de manter a ênfase numa estratégia horizontal. Os movimentos não são estruturas burocráticas mas coligações de múltiplos grupos, organizações, setores da população. Ainda estão a debater empenhadamente sobre a base atual da sua tática e prioridades, e resistem a ser excludentes. Será que isto funciona sempre bem? Claro que não. Será que funciona melhor do que reconstruir um novo movimento vertical, com liderança clara e disciplina coletiva? Até agora, funcionou sem dúvida melhor.

Temos de pensar numa luta mundial como uma corrida de fundo, na qual os corredores têm de usar a sua energia com sabedoria, para evitar ficarem exaustos ao mesmo tempo em que não perdem de vista o objetivo final – um diferente tipo de sistema-mundo, muito mais democrático, muito mais igualitário que qualquer outro que exista atualmente.

Nenhum comentário: