14/12/2011

Por que mais um partido de esquerda?

Tirado de Ruptura/Fer (aqui).



Muitos jovens e trabalhadores interrogam-se: para quê mais um partido de esquerda? Não há já partidos suficientes? O PS, o PC, o BE e até o MRPP ou o PAN não serão suficientes? Não será mais um partido que vem para dividir a já dividida esquerda? Quem ganha com esta situação não é a direita? Esta nossa crónica visa esclarecer porque temos a opinião de que, efetivamente, os partidos que existem não são satisfatórios e que faz falta um verdadeiro movimento alternativo e socialista.

Se os atuais partidos fossem suficientes e eficazes não teriam surgido movimentos alternativos de massas, em Portugal e por todo o mundo, manifestações (e acampadas) convocadas e concretizadas por cidadãos que se consideravam “à rasca” e sem representação política. Assistimos, inclusive, a uma assembleia popular, no final do último dia 15 de Outubro, por ocasião de uma manifestação internacional (com mais de 20.000 participantes em Lisboa), convocada precisamente à revelia e com a adversidade de quase todos os partidos da esquerda e mesmo sindicatos. Foi desta assembleia popular que se apelou a uma greve geral para travar Passos Coelho e a troika, porque, até aí, a CGTP, dirigida pelo PCP, nem a essa conclusão tinha chegado.

Que todos estes factos expressam uma desconfiança (e talvez um repúdio significativo) pela atual esquerda, não restam dúvidas. Mais, se passarmos em revista a política de cada um desses partidos, iremos notar porque razão um número cada vez mais maior de pessoas se divorciaram deles. Não por acaso o BE perdeu, em 5 de junho, cerca de 300.000 votos; não por acaso o PC conserva ou reduz o seu peso, nunca recuperando os números que obteve na década de 70 (por ocasião do impacto da revolução portuguesa de Abril de 1974); não por acaso ninguém vê um militante do PAN (se é que existem) em alguma manifestação; e, por fim, não por acaso o próprio MRPP, mesmo com o retrocesso eleitoral de massas do BE, não sai praticamente do mesmo registo eleitoral há dezenas de anos e não se vê sequer que tenham mais militantes, jovens então escasseiam em suas fileiras. Mas vejamos um por um o que se passa à esquerda.

Sobre o PS não nos deteremos mais do que um parágrafo. Trata-se de um partido que, (mesmo) na “oposição”, quer limitar o corte imposto pela troika e Passos Coelho a um subsídio (o outro pode ser cortado), para depois, num eventual retorno ao poder, governar tal e qual as coligações PSD/CDS-PP.

Sobre o PCP, para não ir mais atrás no tempo, para não nos referirmos que se trata de um partido que durante mais de 40 anos apoiou regimes ditatoriais e de partido único no Leste da Europa (e atualmente mantém o seu apoio a regimes como os de Cuba e China), diremos somente que, na atual conjuntura, se limita a convocar (através da mesma CGTP) uma greve geral por ano, enquanto a Grécia realiza seis ou sete para combater a austeridade. Mesmo na última, a 24 de novembro, foi a reboque de um apelo da assembleia popular já referida, com mais de 10.000 pessoas, que aprovou uma orientação que até aí nem o PCP (nem o BE, diga-se de passagem) tinham levantado: a necessidade de uma nova greve geral, bem como a suspensão do pagamento da dívida aos bancos franceses e alemães, sob pena de o país sucumbir, sem produção e emprego algum.

Por outro lado, toda a gente sabe que o PCP tem sido um sério adversário das manifestações “à rasca”, das acampadas do Rossio, das plataformas 15 de Outubro e de todas as manifestações que não são por si controladas. Todos esses factos indicam que se trata de um partido que se mantém, na sua essência, bastante autoritário e antidemocrático e com uma oposição aos governos do PS e de direita mais de retórica do que com a intenção de os travar efetivamente.

Sobre o BE, que conhecemos muito bem, trata-se um partido que prometeu muito, mas fez muito pouco. Rapidamente, as centenas de milhares de votos e a ilusão parlamentar transformaram velhos dirigentes revolucionários em simples parlamentares, com discursos e políticas institucionalizadas e coniventes com o regime e o sistema que nos governa. Senão vejamos. O BE, sobre o problema da dívida pública, tem a mesma posição do PCP: há que pagá-la. Daí ambos defenderem a renegociação. Nenhum deles tem a coragem de defender uma imediata suspensão do pagamento desta dívida imoral e injusta.

Mas, talvez, o que mais evidencia a impotência dessas duas esquerdas, BE e PC, seja a política que têm face a si próprios. Ou seja, ambos os partidos nunca se entenderam para uma unidade que pudesse disputar um governo alternativo aos do PS e da direita, apesar de terem em muitos terrenos as mesmas propostas. Unir forças para combater a direita e o PS no poder nunca o fizeram. Mais, o BE encontrou razões que a razão desconhece para apoiar o candidato de Sócrates e com essa política afundar-se a si próprio e à esquerda em geral nas últimas eleições.

O BE, valha a verdade, tem o pior dos dois partidos com que no início da sua caminhada se apresentou em alternativa: do PS recolhe a mesma estratégia e política de alianças, com Alegre, com António Costa e até a moderação programática; do PCP, recolhe o autoritarismo interno face às correntes à sua esquerda, a marginalização antidemocrática da sua expressão pública, enfim, um modelo de centralismo burocrático, típico dos partidos estalinistas. No nosso caso, não ousaram expulsar-nos mas, na prática, empurraram-nos para fora do BE. Basta ver que, a partir de 5 de junho e perante a hecatombe eleitoral, recusaram-se a convocar uma convenção extraordinária para rever auto-criticamente as políticas e, inversamente, promoveram um funcionamento interno antidemocrático e sectário, através de plenários da “Moção A” (afeta à direção), de modo a afastar literalmente todos os sectores críticos.

Do MRPP, também não ocuparemos (nesta crónica) mais do que um parágrafo. Trata-se de um partido da velha esquerda portuguesa que ainda deve conservar nas suas sedes as fotos de Estaline e Mao. Trata-se de um partido que está estagnado há décadas, não tem jovens e que oscila (como sempre, quem não se lembra do seu apoio a Ramalho Eanes, o general golpista) entre posições próximas do PS (também apoiou Alegre nas últimas presidenciais) a posições ultra-esquerdistas. É um partido que se limita a emitir comunicados, mas que nos movimentos reais pouco tem construído (ou sequer participado) para dinamizar os novos movimentos de contestação.

De toda esta realidade se pode concluir que faz falta uma nova esquerda combativa e descomprometida com o atual regime e que ponha na ordem do dia a necessidade de uma nova revolução social, de um novo 25 de Abril. Uma esquerda verdadeiramente anticapitalista, uma esquerda que desafie toda a esquerda a unir-se para enfrentar a troika e o governo da direita. Para essa tarefa nos comprometemos.

 Gil Garcia

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