08/07/2013

Chomsky, sobre Žižek e Lacan: “Não me interessam estes falsários intelectuais, carentes de todo contido”. Entrevista

Noam Chomsky. Artigo tirado de Sin Permiso (aqui) e traduzido por  revolta entre a mocidade. Avram Noam Chomsky é professor emérito de linguística e filosofia no Instituto Tecnológico de Massachusetts em Cambridge, Mass.




Faz em umas poucas semanas penduraram-se em youtube umas declarações de Chomsky sobre Žižek e Lacan. Julie Wark, membro do Conselho Editorial de SinPermiso e amiga pessoal de Chomsky, tem-as transcrito e traduzido para SP. Não é nova a hostilidade do grande cientista e veterano ativista político estadounidense para todas as variantes do obscurantismo pós-modernista em general, e designadamente,  da French Theory e os seus múltiplos derivados. Já faz duas décadas, por exemplo, escrevia:

"Os intelectuais de esquerda participaram ativamente na vida animada da cultura operária. Alguns procuraram compensar o carácter de classe das instituições culturais com programas de educação operários ou mediante obras de divulgação -que conheceram um sucesso muito grande- sobre matemáticas, ciências e outros temas. É ferinte constatar que hoje em dia os seus pretendidos herdeiros com frequência privam aos trabalhadores destes instrumentos de emancipação, nos informando, de passagem, de que o -projeto dos Enciclopedistas- está finado, que há que abandonar as "ilusões" da ciência e da racionalidade. Será uma mensagem que fará felizes aos poderosos, satisfeitos de monopolizar esses instrumentos para o seu próprio uso."

E faz pouco mais de 8 anos, Chomsky explicava que quando abre uma revista especializada de matemáticas, normalmente não entende grande coisa, mas se tem interesse em compreender algum tema em especial, "sei que tenho que fazer". Dirige-se a um amigo ou colega com conhecimentos sobre o tema do que procura uma explicação, e lhe pede que lho clarifique. O objetivo cumpre-se de forma habitual. Mas, em notabilíssimo contraste, quando trata de ler algo escrito pelos pós-modernos que não entende, e se dirige a um especializado em pós-modernismo para que lho explique, não serve de nada. "Os que praticam estas artes não parecem capazes de me explicar o conteúdo do que se diz". E acrescenta a seguir: "é o contrário do que ocorre habitualmente nas ciências, as matemáticas, a composição musical ou em outros domínios."

A pequena entrevista que a seguir transcribimos e traduzimos segue esta mesma linha, que expressa com simpática contundência a indignação do homem de ciência e do homem de ação contra o não tão inocuo charlatão de salão. [SP]

ENTREVISTA

George Hegel: Em uma das nossas conversas no passado, você disse que não lhe interessa muito a teoria, nem pensa que seja útil ou que tenha aplicações práticas à hora de combater e mudar estes sistemas de poder. Não obstante, nos nossos tempos um dos intelectuais esquerdistas mais polifacéticos, Slavoj Žižek, tem uma perspetiva quase diametralmente oposta no seu trabalho. Ele se baseia no trabalho de Derrida e Lacan e outros para explicar a sua crítica do capitalismo global, a ideologia do império, e assim sucessivamente. Explica-me por que você não escreveu mais livros sobre a teoria política, económica ou social e daí pensa do trabalho de Slavoj Žižek, na medida em que você o tenha lido ou conheça, o seu uso do trabalho do psicoanalista francês Lacan e, por suposto, de Derrida, o deconstrucionismo e todo o seu legado?

Noam Chomsky: Você se refere à "Teoria" e quando disse que não me interessa a teoria, o que queria dizer é que não me interessa esta adoção de posturas mediante o uso de termos extravagantes compostos de arquissílabos, nem, menos, a fantasiada ficção de dispor de uma "teoria",  quando não há nenhuma teoria em absoluto. Não há nada de teoria em todo este rolho, não, desde depois, no sentido de "teoria" de quem esteja minimamente familiarizado com as ciências, ou com qualquer outro campo sério. Tente você procurar em todo o trabalho que mencionou alguns princípios desde os quais seria possível deduzir conclusões ou proposições empiricamente verificáveis e a um nível algo mais alto do que se possa explicar a um menino de doze anos em cinco minutos. A ver se você pode encontrar algo assim, uma vez decodificados todos a verba extravagante. Eu, não posso. Carece, pois, de interesse para mim este tipo de pavoneio presuntuoso. Žižek representa um exemplo extremo do mesmo. Não vejo o menor contido no que diz. Com respeito a Jacques Lacan, o certo é que cheguei ao tratar pessoalmente. E nesse plano, gostava bastante. Reuníamo-nos de vez em quando em Paris. Mas, a dizer verdade, sempre pensei que era um charlatão integral. Não fazia senão coqueteios ante as câmaras de televisão, à maneira típica de tantos intelectuais de Paris. Não tenho a menor ideia de por que tudo isto lhe parece a você tão influente. Eu não vejo nada que mereça ter essa influência. Quiçá você me pode explicar por que pensa que é influente; se há algo importante, eu, sou incapaz do ver. Não me interessam os falsarios intelectuais carentes de todo o conteúdo.

George Hegel: Acho que interessa-lhe a muita gente..., sobretudo porque este trabalho é a cada vez mais popular em ambientes contestatários... lembrança que ouvi o nome de Žižek faz poucos anos, e agora quando vou a diferentes círculos organizadores de acontecimentos, protestos, mítines ou assembleias, ouço com frequência o seu nome ou comentários sobre o seu trabalho... e parece-me que você, faz pouco, teve uma reunião com Angela Davis, uma conversa em Boston moderada por Vijay Prashad. Gostaria de ver mais conversas deste tipo, até entre gente com diferentes perspetivas, por exemplo você mesmo com Slavoj Žižek, o trabalho do qual é a cada vez mais influente... Pensa você que seria útil fazer esse tipo de debates, no mínimo conversas com outras pessoas da esquerda que oferecem trabalhos a gente que sim que os encontram interessantes? Acha que temos que pensar nisto?

Noam Chomsky: Diz que o seu trabalho é a cada vez mais influente? Permita-me que o duvide. Acho que os seus poses e posturinhas são a cada vez mais influentes. Pode-me você dizer a que trabalho se refere? Porque o que é eu, não o encontro. É um bom ator. Faz postas em cena e que as coisas pareçam apaixonantes, mas encontra você algum conteúdo? Eu, não. Não tenho o menor interesse em ter uma conversa com ele, e suponho que ele também não quereria charlar comigo. Em mudança, a conversa com Angela Davis foi boa. É uma pessoa intelectualmente estimável, pensa seriamente e tem coisas que dizer, e algumas, interessantes.   




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