22/11/2013

A I Globalização: algumas lições para o presente

Antom Fente Parada. O autor é um dos gestores destes blogue e militante da esquerda independentista galega em Anova-Irmandade Nacionalista. Grande parte do presente artigo foi elaborado a partir de duas achegas publicadas em 2011 no portal alternativo galego Altermundo. Engadimos novos materiais para retomar algumas das reflexões lá vertidas1
 
 
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9MjZRI7cgcd8-STx00BwitU8HIMGhA9kBryZzv3RWAMkNAuP6eUZQZr99NNYHE-1PBqRmqgIeaNjunSqMfxDyGDFCuF12lzBFmq1WXHlxX-WVlNoA5eo1UuVdgee4TipBExeeztWHrX4/s1600/CARTEL+COMARCAL.jpg
 
1.- A fim da I Globalização

Tenhamos muito cuidado em Europa: ninguém nos vai avisar quando chegue o fascismo nem sequer se vai apresentar – seria absurdo- com esse nome. Tenhamos cuidado: não vamos reconhecer o nazismo quando regresse porque falará de novo, como então, de paz e civilização, de valores e normalidade, Santiago Alba Rico.

Senhores, não estejam tão contentes com a derrota [do Hitler]. Porque embora o mundo se tenha posto de pé e tenha detido o Bastardo, a Puta que o pariu anda quente novamente, Bertolt Bercht (6/05/1945) referindo-se ao capitalismo como causa do fascismo.

No livro XVIII Brumário de Luís Bonaparte o velho barbudo, Karl Marx, dizia – num claro influxo hegeliano – que a história repete-se uma vez como tragédia e outra vez como farsa, como se do “etorno retorno” de Nietzsche se tratasse. A Globalização não é tampouco, nem muito menos, um fenómeno novo dando-se a primeira durante a hegemonia no sistema-mundo capitalista do Império británico. Foi a “era do capital” (para Hobsbawn entre 1848-1870) e o tempo do laissez-faire também avalado entao pela crise de 1870, mas cuja ortodoxia se manteve até o crack de 1929 e, em boa medida, conduziu a duas guerras mundiais. Na segunda Globalização as crises análogas foram a Guerra do Vietnam, que marcou a crise-sinal da hegemonia dos EUA e a crise de 2008, comparável em este sentido a de 1929 embora no plano económica seja mais parecida à de finais do XIX2.

Após as guerras napoleónicas também se produzira uma concentração sem precedentes até então de recursos sistémicos, financeiros e militares em mãos de apenas um Estado, o Império Británico. Este empregou três mecanismos que teriam também presença destacada na hegemonia norte-americana após 1945: repressão, reforma e debilitamento do poder dos grupos subalternos mediante processos de expansão económica a escala mundial; ou seja, “globalizando” (globalização ou mundialização – na escola francesa - são em rigor uma manifestação e eufemismos de Imperialismo) com o laissez-faire que beneficia aos que na situação de partida estão em melhores condições para concorrer. No entanto, o peso da “reforma” é infinitamente superior no caso da hegemonia norte-americada do que na britânica. Se a imagem da Sociedade de Nações era o estado policial do XIX o da ONU era o estado do bem-estar do XX – que não se entenderia dito seja de passagem sem a existência duma alternativa real ao capitalismo, for esta mais ou menos sucedida, a URSS. 
 
A partir de 1917 irrompe a URSS, um desafio revolucionário que inçará esperanças nas classes trabalhadoras por toda a parte. Este desafio, somado à experiência da Grande Depressão de 1929 e do fascismo, convenceu os grupos dominantes das principais potências imperiais da necessidade de reformar o sistema-mundo capitalista da I Globalização. Existia um consenso amplo de que a economia e a política do laissez-faire contribuíram para o ocaso social e político do período 1914-1945 e, portanto, as lições do New Deal eram aplicáveis por toda a parte.

O presidente norte-americano Woodrow Wilson elaborou uma alternativa reformista ao chamamento de Lenine à «revolução mundial» e à «rebelião contra o Imperialismo», que consistiu em catore pontos e no chamamento à autodeterminação dos povos (brancos) e ao século do «homem corrente». No entanto, na altura o Congresso rechaçou aquela medida, mas também Lenine fracassara após a derrota da revolução na Alemanha e o ascenso do fascismo em Itália. Já que logo, na década de 20 os triunfadores eram novamente os que propunham o restauracionismo dum caos sistémico (como o que vivemos desde 2008). Porém o contexto era diferente do período 1840-1860 e a classe operária (embora as derrotas sofridas) contava com maior poder para confrontar o laissez-faire já que os governos tinham que preocupar-se pelos níveis salariais e as condições de vida dos cidadãos que participavam das eleições. 
 
A comissão internacional de Genebra sobre o ouro forçou políticas de “ajuste estrutural” (como os ultraliberais após o colapso de Bretton-Woods) em determinados estados para conseguir supostamente moedas saudáveis (convertíveis). Estas políticas de shock3 geraram graves transtornos sociais e os governos tinham que decidir entre a “confiança dos mercados [financeiros]” e o resultado das eleições democráticas. Assim a fuga de capitais teve um papel importantíssimo, tanto no derrocamento dos governos liberais na França quanto no desenvolvimento do movimento nazi na Alemanha. Enquanto isso acontecia os partidos social-democratas eram afastados do poder: em Aústria em 1923, na Bélgica e França em 1926, na Alemanha e em Grande Bretanha em 1931... ao tempo que se reduziam os serviços sociais e se esgaçavam as resistências dos sindicatos para “salvar” (hoje diriam “resgatar”) a moeda.

A restauração do padrão–ouro converteu-se num símbolo da solidariedade mundial na década de 1920 na retórica do establishment até que o craque de 1929 devolveu o mundo à realidade: os mercados “livres” não se recuperaram embora se sacrificaram os governos “livres”. Aí emergiu o fascismo na década de trinta após governos eleitos nas urnas impor políticas autoritárias com o apoio do “liberalismo económico”. No cenário atual, segundo o já referido artigo de Wallerstein:
Por fim, podemos estar certos de duas consequências reais, na próxima década. A primeira é o fim do dólar como moeda de último recurso. Quando isso acontecer, os EUA terão perdido uma grande proteção para seu orçamento e para o custo de suas operações econômicas. A segunda é o declínio – provavelmente sério – no padrão de vida relativo dos cidadãos e residentes nos EUA. As consequências políticas deste último movimento são difíceis de prever em detalhe, mas não serão irrelevantes.

Todavia, o New Deal, os planos quinquenais soviéticos, o fascismo e o nazismo foram respostas à necessidade de liscar dum mercado mundial em desintegração e refugiar-se na economia “nacional”. Todos estes projetos opunham-se ao laissez-faire em desintegração e respondiam ao desafio do desemprego maciço. O desemprego reduziu-se com uma rápida expansão industrial que, no entanto, exacerbou outras contradições e antagonismos na procura de novas fontes de matérias primas. Uma das mais importantes os vencelhos entre recursos militares e industriais, que são claríssimos nos EUA desde a Guerra das Galáxias de Reagan e em China também desde a via socialista de mercado.

Em definitiva, a obstinação pelos dogmas da teologia da ortodoxia do livre mercado (uma das mais terríveis utopias reacionárias) conduziu para duas grandes guerras, que exterminaram milhões de pessoas e jogaram à miséria a outras tantas, para o fascismo, como solução burguesa perante a ameaça duma revolução para implantar uma ditadura de classes esmagadora4 e, por último, para continuar com a destruição criativa do capitalismo, tal e como Schumpeter lhe chamava, alheia então aos limites do planeta que se apresentam sem ambagens na atualidade e complicam a emergência dum novo desarrollismo no Sul e do keynesianismo nos estados do centro do sistema-mundo capitalista. Era a hegemonia norte-americana que emergia do caos de 1914-1945, homólogo do nosso 1973 que ainda não sabemos quando (mas sim semelha que infelizmente como) pode acabar.

2.- A I Globalização: a esquerda 
 
Em 1928, o VI Congresso do Comitern sancionava uma «viragem para a esquerda», punha fim à política de «frente operária unida» (tão solicitada pelo POUM e Andreu Nin no Estado espanhol anos depois, o «frente único») e a social-democracia devia ser descrita pelos comunistas a partir deste momento como «social-fascismo».

Estaline, na aspiração de construir o «socialismo num só país» precisava desesperadamente laços comerciais com os estados capitalistas avançados para trocar cereais soviéticos e outras matérias e recursos que lhe permitiram a aquisição de tecnologia e conhecimentos para a industrialização. O Comissário do Povo para Assuntos Externos e ex-menchevique, Georgi Chicherin, cuidava com acerto que era um disparate perigoso denunciar a outros socialistas como «socialfascistas» e tratou de comunicar a sua opinião à liderança soviética. Porém a ideia que corria na altura de que Estaline confiava a política externa a terceiros enquanto se centrava nas manobras internas do partido e na transformação económica da URSS era falsa, por muito que ele não dirigira o Comitern nem o Comissariado do Povo para os Assuntos Externos que pareciam modelar a política externa. A realidade é que ninguém se atrevia a tomar qualquer iniciativa sem consultar a Estaline (incluindo aqui os integrantes do Politburo). 
 
No entanto, isto não contradiz as intervenções de Chicherin, já que a função deles era o conhecimento factual e técnico. Ora, toda vez que o Politburo definia uma linha devia implementar-se sem crítica nenhuma como técnicos, que não políticos na verdade, da diplomacia soviética. A liderança soviética centrava-se nos planos quinquenais e em esganiçar um isolamento que apercebiam perigoso para a sobrevivência face os estados capitalistas.

Bukharine (que já em julho de 1929 escreveu a Estaline «não pretendo lutar, nem lutarei») foi apartado do Comité Executivo do Comitern em abril de 1928, no tempo em que Jules Humbert-Droz afirmava que os discursos de Estaline era um campo de mentiras, que Angelo Tasca dizia dele que era o «porta-estandarte da contra-revolução», que György Lukácks e António Gramsci protestavam pelo desprezo do PC perante as reformas democráticas na Europa. Porém, para muitos pouco ou nada se passou por isso já que a quinta-feira 29 de outubro desse ano estourava, após semanas caóticas nos mercados de ações, o pânico entre corredores e banqueiros e, ao tempo que as ações se mal vendiam a um ritmo louco, a bolsa de Nova Iorque (a da principal potência emergente na altura da hegemonia financiarizada británica) entrava em falência. 
 
Já que logo, entende-se bem que é aqui onde se engarça a radicalização da estratégia comunista da Comitern que parecia acertada na altura: quanto pior melhor. Por outras palavras, o desemprego, a inflação (que golpeava Alemanha como nenhum outro estado capitalista) e uns ordenados, que não cobriam as despesas correntes eram o cenário sonhado por Estaline e os comunistas da ortodoxia moscovita. Hitler e os nazis eram tratados como simples sintoma da prodredume do capitalismo. 
 
No entanto, na esquerda existam vozes que advertiam para o perigo do nazismo. Trotski indicava que Mussolini era mau e que Hitler seria ainda pior. Advertia, ao igual que Bukharine dos perigos da política de extrema-direita e do fascismo em Europa e sabia que as suas primeiras açoes seriam suprimir os partidos comunistas dos seus respetivos estados. As organizações fascistas e de extrema-direita subiam como a espuma por toda a Europa central e oriental quanto recrudescia a crise económica e social. Hitler e o NSDAP beneficiar-se-iam enormemente da depressão económica alemã, enquanto Estaline dava instruções ao Comitern para que os PC atacaram os outros partidos de esquerda, já que social-democratas, trabalhistas e outros partidos de esquerda era promotores do social-fascismo e, portanto, havia que abandonar a política de frente operária unida para adentrar-se num esquerdismo próprio do retratado por Lenine em A doença infantil do comunismo.

Em Alemanha os comunistas foram à greve geral sem sucesso já que os trabalhadores temiam perder o emprego devido à crise e o alto desemprego. O Partido Comunista polemizava com os seus irmãos. Tanto eles como o SPD eram praticamente hegemónicos entre a classe trabalhadora, mas a rutura da frente operária unida conduziu para o mais grande dos fracassos. Enquanto em 1932 os nazis conquistavam o maior número de votos e arrancavam de Hidenburgo a chancelaria, o 30 de janeiro de 1933, os comunistas e os socialdemocratas brigavam pelas ruas de Berlim. Ao tempo, a URSS mantinha relações com a Itália fascista a pesar de que Mussolini perseguira o PCI. Hitler, porém, suprimiu o Tratado de Rapallo e restringiu as relações económicas o que obrigou a Estaline a procurar um novo sócio preferente no caminho para a industrialização: os EUA. A Ford Motors, por exemplo, cedeu encantada equipamento e especialistas para a enorme fábrica de carros de Nizhni Novgorod, ao tempo que Roosevelt aplanava o caminho para o reconhecimento diplomático da URSS.

A realidade foi que o Comitern não reagiu até que o fascismo triunfou claramente com as suas piores roupagens. Agás China e a URSS, Checoslováquia e França contavam com os maiores PC do mundo e foi lá onde as bases esganaram a linha do Comitern para evitar a sorte dos seus homólogos italianos e alemães. Em fevereiro de 1934 os militantes socialdemocratas e comunistas organizaram juntos em Paris uma greve geral obviando todo o que Maurice Thorez (na altura líder do PCF) dizia. A URSS entrava na Liga de Nações, até há pouco descrita como uma organização das potências capitalistas ganhadoras da Grande Guerra para manterem o seu domínio global, para limitar a expansão do Japão e da Alemanha.

Assim as coisas, o Comitern teve de recuar. Agora, liberais, socialdemcoratas e comunistas uniam-se no anti-fascismo e nas frentes populares, como que triunfou em fevereiro de 1936 na II República espanhola, embora lá o PCE tinha uma implantação social na altura testemunhal. O PCF fora também pioneiro ao juntar-se a socialistas e liberais em julho de 1935 dando a presidência a León Blum, embora sem entrarem em carteiras ministeriais em maio de 1936, e com Thorez falando de que «temos de saber como terminar uma greve» perante o auge da conflituosidade social. A esquerda voltava a tender pontes de fraternidade sobre um inimigo comum que abalava Europa, mas a Alemanha e Itália já estavam perdidas, milheiros de camaradas assassinados e a predição de Lenine duma sequência de guerras mundiais tornava-se a cada passo mais certa e, de facto, a fim da Guerra Civil espanhola em 1936 precederia em poucos meses ao começo da II Grande Guerra. 
 
A lição para o presente semelha clara. Com uma correlação de forças ainda mais desfavorável para o mundo trabalho do que na altura, sem uma alternativa realmente existente ao capitalismo e com a esquerda em reconstrução por toda a parte no Velho Continente aguardemos que, novamente, não seja tarde demais para pular em todo o Estado espanhol e em Eurolândia por um frente amplo a prol da rutura democrática, a (re)conquista da soberania popular e o respeito pelos diferentes feitos nacionais. A história assinala que a credibilidade da esquerda perante amplas capas sociais passa, sem dúvida, por este caminho...

3.- Algumas lições para o presente

Boaventura de Sousa Santos centra boa parte dum recente artigo seu5 na necessidade de falar não apenas de direitos da cidadania, mas também dos deveres desta:

Uma das razões para tendermos a falar mais de direitos do que de deveres reside em que nas democracias se assume que o dever de garantir a vigência dos direitos pertence ao Estado e que cabe aos cidadãos apenas fruir e defender os seus direitos. E o que ocorre quando o Estado deixa de cumprir esse dever como acontece agora? Cabe aos cidadãos o dever coletivo de defender os direitos por todos os meios pacíficos ao seu alcance.
Longe de ser um dever abstrato, é um dever concreto e situacional. O seu exercício acarreta riscos porque, quando o Estado se demite do seu dever, as instituições são vítimas de uma patologia insidiosa: estão vigentes mas dedicam-se a realizar a missão contrária àquela para que foram criadas. É assim que o Estado social se converte em Estado antissocial e a segurança social em insegurança social. Por esta razão, o dever dos cidadãos tem muitas vezes de ser exercido fora das instituições e, quando exercido dentro delas, assim um caráter contracorrente que exigem coragem e determinação.

Como de costume é de por sim ilustrativo o que Sousa Santos nos diz. Cabe destacar que a crise de 2008 reforçou e não debilitou como se podia pensar as teses ultraliberais, especialmente no centro do sistema-mundo. Isso em boa parte apenas é possível porque no caminho a um mundo multipolar grandes destacamentos de consumidores chineses, índios ou brasileiros estimularam a demanda. Em 2009 para Alemanha o principal mercado já era o chinês em exportações e não os EUA. Contudo, a decadência hegemónica da potência mundial, hoje os EUA ontem as Províncias Unidas ou a Grande Bretanha, coincide com o período de financiarização e da maior obtenção de lucros por esta via. Assim, se em 1985 os EUA controlavam 16% dos lucros empresariais em 2008 atingia já 41% e o 0'1% mais rico desse país aumentou a sua riqueza um 700% entre 1980 e 2007. 
 
Na correlação de forças atual o capital obtém novas rendas reduzindo o custe de trabalho e gerando um desemprego maciço cada vez mais generalizado. As dez maiores companhias de Internet apenas criaram 200.000 postos de trabalho quando a sua capitalização bursátil ascende a centos de milheiros de milhões6. Esta realidade leva a pensar num sistema mais piramidal e hierárquico do que nunca, com dinheiro que move a mídia, as máquinas eleitorais... então é uma necessidade apostar pela Frente Ampla, isso sim, tendo claro que bloco social e que aliança para quê projeto. 
 
No entanto, é claro que a esquerda ainda não está pronta em boa medida para assumir esta necessidade histórica e a sua situação de debilidade é muitíssimo superior a da década de 30 no passado século. A temporalidade da macroeconomia fará que os terríveis efeitos da austeridade europeia se sintam com mais força a partir de 20157
 
Na atualidade, os produtos financeiros de derivados especulativos representam já 720.000.000.000.000 dólares, enquanto o PIB mundial apenas chega a 62.000.000.000.000 dólares ou a capitalização bursátil mundial atinge “apenas” 58.000.000.000.000 dólares. A esfera financeira nascida da desregularização escapa por completo do controlo dos estados, ainda mais hoje do que antes da crise do sistema-mundo capitalista iniciada em 2008. As atividades criminosas, hoje mais globalizadas também do que nunca, ascendem a 1.500.000.000.000 dólares (o equivalente ao PIB de Rússia para 2010) e onde, evidentemente, não computa a deliquência de colo branco. Como Pierre Conesa advirte8:
las mafias (como término genérico) tienen comportamientos empresariales análogos a los de los actores económicos, salvo en lo que a la violencia se refiere. Definen su estrategia comercial en función de los beneficios, de los riesgos, de su política de diversificación de productos (multiplicidad de delitos) y de las posibilidades de blanqueo y de inversiones. Adaptan su organización internacional (a menudo muy jerarquizada) aprovechándose de la desregularización financiera.

A luz destes dados semelha, já que logo, difícil neste cenário reprovar a tese de que o grande capital internacional foi o responsável e o grande beneficiário da crise de 2008 e que a continuidade das mesmas políticas económicas apenas pode conduzir para um cenário ainda muito mais devastador. A desregulação impulsada pelo FMI, o Banco Mundial e em Eurolândia a troika contribui para que cada vez um maior volume de lucro escape a qualquer controlo e que aumente o interesse de apostar por atividades criminosas. Os estados vem reduzidas as suas competências de dia para dia quando não diretamente estados falidos atuam como guarda-chuvas de organizações criminosas como em vários estados falidos das Áfricas:
La interpenetración entre delincuencia y mundo político permite que ésta acceda a los mercados públicos y, simultáneamente, obtenga protección a escala nacional (desmantelamiento de células judiciales consideradas demasiado eficaces, como en Italia) e internacional (adopción de normas poco coercitivas). Los Estados, incluso los democráticos, nunca se han prohibido a sí mismos la realización de actividades ilícitas. La financiación de la guerrilla afgana antisoviética por la Central Intelligence Agency (CIA) a través del tráfico de drogas, para gran perjuicio de la Drug Enforcement Authority (DEA), tenía la ventaja de no necesitar el aval del Congreso.

Porém a perda da soberania dos estados não é um fenómeno exclusivo dos “tradicionais” estados falidos. O 16 de novembro de 2002 naufragava nas nossas costas o Prestige. O resultado do juízo-farsa que vimos de conhecer revela que, como no caso do Álvia acidentado em Angrois, apenas os “maquinistas” - os trabalhadores dalgum modo- são culpáveis dos desastres. Também na crise de 2008 por “viver por cima das suas possibilidades” e não a banca por especular por cima das suas possibilidades ou mesmo das possibilidades físicas do Planeta. A demanda de indemnização do petroleiro (em última instância capital de Marc Rich conhecido narco-traficante de armas e heroína) encontrou-se com sessenta sociedades pantalha implantadas em seis estados... como é então possível nem sequer sonhar com que o grande capital (disciplinado, hierárquico, com uma forte solidariedade de classe...) respondesse aos, ao fim e ao cabo dada a magnitude da catástrofe ridículos, seis mil milhões de euros exigidos? 
 
Câmaras municipais como a de Compostela com mais duma dúzia de imputados, tramas como a Gürtel, Pokemon, Nos... ou fenómeno da porta giratória9 demonstram também até onde no Estado espanhol o desfalco de fundos públicos responde, em última instância, ao entramado criminoso internacional. Apenas aí se podem enquadrar as políticas aplicadas polo chefe do Protetorado de Espanha, Mariano Rajoy. Ao igual que a Yakuza japonesa se negou, após inserir-se na esfera política nipona, a assumir as perdas imobiliárias na crise de 2008 (que sim pagou o Tesouro público). Os investimentos no AVE (o comboio de alta velocidade espanhol) é gasto público para resgatar as grandes empresas do setor imobiliário também ajudas com a criação dum banco malo (ativos tóxicos dos que responde a cidadania com impostos e dos que impunemente se desfiz a banca). Nova Caixa Galicia ou Bankia, as privatizações na educação ou na sanidade são alguns exemplos mais duma listagem sem fim no tocante ao espólio do público.

Na crítica ao euro e a recuperação da soberania nacional, ou a conquista da mesma nas nações sem Estado próprio como a Galiza, fica clara a necessidade da desmundialização, termo cuja paternidade atribuiu-se ao economista filipino Walden Bello – se bem fora empregado anteriormente por Bernard Cassen em 1996. Para Lordon se foi possível estabelecer com bastante «facilidad un acuerdo para llamar “mundialización” a la configuración presente del capitalismo, debería ser posible otro acuerdo para entender que “desmundialización” expresa la afirmación de un proyecto de ruptura con ese orden». 
 
E aqui é preciso entendermos por igual a importância do feito nacional, face o universalismo abstrato, a começar por «los asalariados chinos u los asalariados franceses se encuentran en la misma relación de antagonismo de clase, cada uno respecto de “su” capital, pero no es menos cierto que las estructuras de la mundialización económica los ubican también y objetivamente en una relación de antagonismo mútuo». Entender isto é evitar o que Marx criticava dos jovens hegelianos de esquerda: melhor que contar com “essências” que produzam por sim próprias improváveis efeitos, seria fantasiar com refazer as estruturas reais, que determinam sem dúvidas as relações em que entram os diversos grupos sociais.

Notas a rodapé

1Fente Parada, Antom (2011): “O fim da I Globalizaçom” em Altermundo: http://www.altermundo.org/o-fim-da-i-globalizacom/
 
Fente Parada, Antom (2001), “O I fim da I Globalização: a esquerda” em Altermundo: http://www.altermundo.org/o-fim-da-i-globalizacao-ii-a-esquerda/
 
2Wallerstein, Immanuel (2013), “As consequências do declínio americano” em À Revolta entre a mocidade: http://revoltairmandinha.blogspot.com.es/2013/11/as-consequencias-do-declinio-americano.html
 
3Para um desenvolvimento pormenorizado da doutrina do choque no terreno político (social e económico) a partir da psicologia e os experimentos desenvolvidos na década de 50 que logo empregaria a CIA nas torturas da Contra em Nicaragua veja-se o livro A doutrina do choque (The shock doutrine) da economista canadiana Naomi Klein.

4Realmente, como demonstra também o caso da II República espanhola à perfeição, o fascismo conseguia “disciplinar” a mão de obra, reduzir drasticamente o valor do trabalho e permitir assim que o capital aumentasse as suas rendas e superá-se a famosa lei enunciada por Marx sobre a queda na taxa do ganho que provoca as crises. 
 
5Boaventura de Sousa Santos (2013), “Os deveres dos cidadãos” em Visão, nº 1072, 19-25 de setembro de 2013, página 32.
 
6Há 18 meses o Facebook começou a vender as suas ações e ingressou no mercado bolsista em maio de 2012. As suas ações foram transacionadas a 28'5 euros, colocando o valor de mercado da empresa em 67 mil milhões de euros. Hoje as ações – quando Twitter também vá unir-se à bolsa – estão cotadas a 32 euros e a empresa vale por volta de 77'5 milhões de euros. No caso de Google entrou em bolsa em agosto de 2004 com as ações a 64 euros e a empresa a valer 17 mil milhões de euros. Atualmente, cada ação vale 665 euros e o valor de mercado da empresa atinge 222 milhões de euros.
 
7Fréderic Lordon (2011), “¿Temor a la desmundialización?” em EL Atlas Conflictos de Fronteras, Le Monde Diplomatique en Español, 2013, páginas 93-98.

8Conesa, Pierre (2012). “La globalización criminal” em El Atlas de Le Monde Diplomatique: Nuevas potencias emergentes, pp. 62-67.

9Fente Parada, Antom (2012), “A porta giratória no Estado espanhol” em À revolta entre a mocidade: http://revoltairmandinha.blogspot.com.es/2012/05/porta-giratoria-no-estado-espanhol.html
 

Nenhum comentário: