Antom Fente Parada. O autor é militante de Anova-Irmandade Nacionalista é um dos gestores deste blogue.
Resumo:
No Velho continente enxerga-se um paulatino eclodir de diversas
formações sociais, mais ou menos organizadas, que reclamam a
necessidade duma nova cultura política. Contudo, trataremos de
reflexionar sobre os perigos ou excessos que toda reação tem -
neste caso contra a hierarquia e o centralismo democrático
dos partidos marxistas-leninistas na esquerda-. Igualmente, este
breve artigo tentará estabelecer algum paralelismo desde o campo que
temos estudado com maior detemento: a cultura profissional do
professorado, concretamente como esta se viu alterada pelo
ultraliberalismo e, especialmente, pelo que se viu conhecendo como
new public management ou
os novos encloussers
sobre o público para lançar o lucro do capital.
Palavras-chave:
democracia, assemblearismo, Anova, liderança, poder, organização,
nova cultura política, horizontalidade.
1.-
Introdução
O marxista italiano António
Gramsci, ao falar da crise orgânica indicava que esta é a porta que
permite a construção dum novo bloco histórico
através da hegemonia
das classes subalternas, duma parte; ou, doutra parte, também o
perigo da
restauração e renovação da hegemonia burguesa por meio de
revoluções passivas
(americanismo-fordismo, fascismo...), do cesarismo e da
contra-revolução [Castelo, 2009]. Por outras palavras, Gramsci faz
uma atualização muito sucedida do «socialismo
ou barbárie» de Rosa Luxemburgo e
neste quadro é onde devemos inserir a sua célebre sentencia
recolhida nos seus Cadernos de Cárcere,
que também deveria servir
para focar que em toda criação, que sempre será desde o realmente
existente, existem perigos e é
necessária a reflexão para acertarmos na praxe:
A crise consiste
precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode
nascer. Nesse interregno uma grande variedade de sintomas mórbidos
aparecem.
Gramsci deu ao conceito interregno
um significado que abrangeu um espectro mais amplo da ordem social,
política e legal, ao mesmo tempo em que aprofundava a situação
sociocultural; ou melhor, tomando a definição de Lenine da situação
revolucionária como aquela em
que os governantes já não podem governar ao passo que os governados
já não querem ser governados. Então, o que Gramsci faz é separar
a ideia de interregno
da sua habitual associação com o interlúdio da transmissão do
poder hereditário ou escolhido e associou-no às situações
extraordinárias nas quais o marco novo, na medida das novas
condições que tornaram inútil o marco anterior está ainda em uma
etapa de criação, ainda não se estruturou ou não tem força
suficiente para se instalar [Bauman,
2009].
Diversos autores, especialmente nós
seguimos a escola do sistema-mundo
iniciada por Braudel e
Wallerstein, tem assinalado a
situação de caos sistémico
em que nos topamos a nível mundial. Por
exemplo, Giovanni Arrighi tem estudado com solvência os ciclos de
ordem-caos-nova hegemonia no sistema-mundo
capitalista e anunciava a guerra do Vietname
como crise-sinal da hegemonia norte-americana
(ou em Adam Smith em Pequim analisa
a possibilidade duma futura hegemonia chinesa). Na Galiza,
quem melhor tem seguido esta
diagnose – e quem maior difusão lhe deu- foi
Xosé Manuel Beiras que
junto com o Encontro Irmandinho, primeiro no seio do BNG e logo já
na construção de Anova com outras forças políticas como o MpB e a
FPG e com uma maioria de
independentes, defendia a
necessidade de criar um novo referente político
baseado numa cultura política nova (em
boa parte recolhida na sua vertente teórica na Declaração
de Láncara1)
em sintonia com o movimento
mundial conhecido como altermundismo.
Segundo Beiras [2010: 9] estamos a
transitar por uma grave crise sistémica que devemos analisar
atendendo à crise de 1873 que significou a crise da I grande
Globalização
capitalista, impulsada pelo liberalismo britânico.
Como o alvo deste estudo não é analisar a crise atual diremos
simplesmente que nos encontramos, como em qualquer crise, num momento
de oportunidades: ou
seja, seguindo o marxismo como ferramenta de análise estamos num
momento em que a correlação de forças, a luta de classes,
determinará qual é o caminho que nos próximos decénios terá o
capitalismo (ou com muito otimismo da vontade qual é a forma que
adotaria o socialismo no século XXI). E
nesse horizonte é onde se faz urgente contar com uma ferramenta
organizativa ajeitada e que seja útil para os próximos decénios.
E neste desejo de transformação, e
já não apenas de reação face as agressões, é onde, hoje
em dia, por toda a parte em Europa vemos o eclodir de formações
sociais na sociedade civil
que reclamam ser depositárias ou terem a vontade de construir uma
nova cultura (política)
necessária para atingir
a hegemonia e poder encetar uma transformação social, económica e
política que reverta a
economia política
ultraliberal e o seu discurso
de falsa
austeridade. Esta
nova cultura emerge, em primeiro lugar, - ao menos enuncia-se – no
seio do Foro Social Mundial
e na Galiza em eventos como o Foro Social Galego
ou a Rolda de Rebeldia
e, sobretudo, emerge da praxe existente (ou imaginada/idealizada por
vezes) nos diferentes movimentos sociais em que participa a sociedade
civil mais ativa. Movimentos
dito seja de passagem ainda bastante anémicos na Galiza e
atomizados, porém que achegam um forte componente democrático à
tradição da esquerda e adiantaram-se na década de 90 a muitas
formações políticas clássicas da esquerda na resistência efetiva
perante a ofensiva ultraliberal.
Os movimentos sociais, que
compreendem um basto leque desde os anticapitalistas e emancipadores
até os mais ou menos abertamente reacionários, suscitam na esquerda
mundial múltiplas reflexões no momento presente. Duma parte a
imbricação necessária com a participação e organização
política clássica e doutra a tensão na praxe entre a atuação
setorial ou local e a transformação mundial do sistema-mundo
capitalista. Para David
Harvey [2013a]:
Quem vai conseguir que outros países parem de emitir
carbono na atmosfera? Não se pode fazer isso organizando
“assembleias coletivas” ou “refeitórios comunitários”. As
discussões sobre converter um pedaço de terra em hora comunitária
não conseguirão combater os problemas que nossa espécie deverá
enfrentar. Devemos considerar que existem bens comuns em diferentes
escalas.
Por isso, gostaria de
lançar o conceito de “diferentes escalas de organização” na
nossa conversa coletiva sobre desenvolvimento, sustentabilidade e
urbanização. Precisamos desenvolver organizações, mecanismos,
discursos e aparelhos capazes de abordar esses problemas em escala
global. Não adianta nada discutir sobre os “bens comuns”, se não
especificarmos a que escala nos referimos. E do mundo que falamos? Se
for, sugiro que se fale dos aparelhos do Estado e de suas funções.
De
por parte, os movimentos sociais viram também evoluir a sua relação
com os partidos políticos. Duma parte procuraram canalizar através
deles as suas demandas, doutra parte os partidos beneficiaram-se da
imagem dos movimentos perante a cidadania numa fase de descrédito
geral dos partidos políticos no
centro do sistema-mundo.
Ainda no nível mais
“micro”, passou-se de
monopolizar e dar diretrizes desde os comités centrais dos partidos
a empregar a participação em movimentos sociais como alavanca de
promoção interna nos partidos ao
tempo que se defende, no plano teórico, a autonomia dos mesmos.
Esse ativismo acumulativo, por vezes quase obsessivo-compulsivo, faz
uma utilização perversa igualmente dos movimentos sociais, mas não
ao serviço dum coletivo que acredita ser a vanguarda certa – o
partido–, mas ao serviço dum indivíduo que converte a sua
militância num movimentos social numa “prática” mais que pôr
no curriculum para a promoção interna dentro dum partido ou
perante um coletivo (a assembleia).
Isto reflete primeiramente o extremo individualismo das nossas
sociedades, também galopante na esquerda, e, em segundo termo, uma
preocupante emergência duma nova aristocracia da
militância que outorga também
um rol sobranceiro aos representantes institucionais das formações
por cima do militante “do comum”.
Outro
fenómeno por igual censurável é o facto de que muitos movimentos e
associações partilham os mesmos quadros, quando não o número de
ativistas reduz-se a menos duma dúzia que integram por sua vez
numerosos coletivos. Já que logo, no tecido social galego a extrema
febleza é a nota dominante e, portanto,
dificilmente se pode teorizar com rigor que os movimentos podam
desenvolver o rol que desenvolveram as organizações trabalhistas no
passado. Pela contra, numerosas experiências históricas – entre
elas a da Venezuela chavista, o
Equador de Correa, a Bolívia
de Morales e García Linera e
já antes na mesma via do socialismo democrático Salvador Allende–
mostram às claras como um governo sensível e nutrido das lutas
populares acelera a auto-organização da sociedade civil que remata
por ser um fator de tração que determina numerosas políticas
governamentais.
No entanto, o presente estudo
centrar-se-á especialmente nos partidos políticos e mais
concretamente na necessidade que semelha existir na esquerda de
superar os marcos tradicionais da política institucional e das
fórmulas organizativas do modelo leninista de partido, integrando
em boa medida elementos das tradições libertárias.
Em definitiva, uma nova
tensão já definida por Kropotkine em A conquista do pão:
entre o comunismo autoritário e o comunismo libertário. Seria,
contudo, difícil não ver que o futuro passa-se por uma síntese do
melhor das diferentes tradições ou escolas políticas da esquerda
desde o século XIX: a luta
operária no desenvolvimento da luta de classes, a luta contra o
colonialismo, as lutas pelos direitos civis...
São exemplos desta nova
esquerda, ou
da emergência – ainda mais potencial do que atual– duma nova
forma de entender e fazer política, europeia,
Die Linke em Alemanha,
Syriza em Grécia, o
Bloco de Esquerdas em
Portugal e, na Galiza, Anova que
é onde se organiza a nossa militância e desde onde faremos a nossa
focagem no presente artigo em função dalguns debates e linguagens
existentes no seu interior.
2.- Nova cultura política: que
há de novo, velho?
No escasso ano de existência de
Anova-Irmandade Nacionalista, formação política nascida o 14 de
julho de 2012, foram diversos os foros, artigos de opinião e
palestras que se centraram no que se denominou como nova
cultura política,
encetando um muito necessário
debate de renovação da esquerda galega (embora mal focado desde o
nosso ponto de vista). Para
além do erro que supõe que indivíduos ou grupos podam pressupor
ser depositários dalgo que está por construir, o que aqui nos
interessa é ver até onde o discurso associado a esta etiqueta
apresenta reptos e desafios, avanços e perigos. Em primeiro lugar,
constatamos uma excessiva fetichização de conceitos que não se
expuseram demorada e cientificamente e sim muita desconstrução da
linguagem (seguindo
a senda pós-moderna de Derridá, Foucault, etc).
Alguns destes conceitos-força
foram democracia,
horizontalidade,
assemblearismo,
partido-movimento...
e uma leitura que, pelo geral, liga-se com as formulações
pós-modernas que defendem a existência duma esquerda
líquida necessária para o novo
sujeito histórico que, mutatis
mutandis coincide com as
implicações que têm por trás
conceitos
como o de
multidão exposto
por Hardt e Negri2.
Como
apontam diversos autores, entre eles Antoni Domènech ou Xosé Manuel
Beiras3,
a desobediência tem que ser uma revolta disciplinada contra a ordem
do caos capitalista. Para Domènech, após três anos, podemos
concluir que as grandes esperanças depositadas no 15-m não se
cumpriram. Este movimento cidadão, que alimentou movimentos sociais,
criou outros e pus a política no centro para muitos membros de
gerações de classe média que nunca se preocuparam da res
publica, partilhava
com a esquerda pós-moderna implicitamente a existência duma
multidão: uma massa espontaneamente organizada que tenta mudar um
sistema fundamente hierárquico e disciplinado. Beiras concorda nesta
crítica ao conceito de multidão exposto na segunda fase da
trajetória do pensamento de Toni Negri e aponta que o 15-m, para
além de inspirar-se em boa medida na Primavera Árabe4,
é um fenómeno eruptivo e como tal desprende magma em bruto, mas sem
organização nem programa sistematizado. No fundo, e voltamos a uma
ideia já exposta, na década de 90 até a emergência dos FSM o que
se produz é uma (re)descoberta da tradição libertária silenciada
pelo marxismo-leninismo e que todavia parte da negação do realmente
existente como único elemento de auto-afirmação dum possível novo
sujeito histórico claramente heterogéneo. E aí voltamos a Gramsci:
o novo não dá nascido enquanto o velho não quer morrer sendo o
tempo do monstruoso, do caos sistémico tão bem teorizado por
Arrighi. Em tudo caso, a
crítica mais devastadora a Hardt e Negri bem da mão de Daniel
Bensaïd no seu livro Mudar o mundo e
aí remetemos ao leitor por sobardar o alcance desta achega entrarmos
pelo miúdo nas implicações e críticas desse conceito de
“multidão”.
Que
significa o desemprego de 60% na mocidade pergunta Khazin
retoricamente [2013]. Se uma pessoa não trabalha até os trinta anos
dificilmente o fará já, não poderá ter uma família, a sociedade
não se reproduz... a vida é-lhe furtada. Que opções ficam?
Animalizar-se mediante as drogas ou o roubo, o terrorismo... Existe
uma última opção: lutar pela revolução. As convocatórias
maciças em Grécia, Bulgária ou no Reino de Espanha alimentaram-se
de contingentes expulsos da classe média, se bem conservam ainda
ilusões com respeito ao pacto social, às leis e à propaganda
anti-socialista da década de noventa. A medida que se faz forte a
rua, como em Bulgária e Grécia, medram – apoiados pela oligarquia
local– partidos abertamente fascistas. Os ricos já têm um PLANO B
para as democracias burguesas liberais como na década de trinta.
Outro conceito que nos merece por igual comentário é o de
precariado. Se fazemos um percurso pela obra de Engels veremos
como nas suas famosas descrições da classe operária, na Inglaterra
da I Globalização moderna (século XIX)5,
faz referência à precariedade e a outros fenómenos relativos às
condições laborais (longas jornadas de trabalho, desproteção
legal, falta de contrato, etc.) e, portanto, indica diferenças
dentro duma mesma classe social e não entre classes sociais
antagónicas. A fragmentação do sujeito histórico revolucionário
– que sempre foi em rigor heterogéneo– é uma constante
necessidade do capitalismo. A velha máxima do «Divide
et Impera» pelo que o
precariado não
é qualquer um novo sujeito político, o «novo proletariado» (nessa
obsessão tão pós-moderna pela novidade), mas no máximo uma fração
de classe e, dito seja de passagem, por sua vez muito heterogénea.
Desta arte, a migração (associada hoje ao precariado)
tampouco é um fenómeno novo e o próprio Marx tratava o tema ao
falar da questão nacional e do confronto entre trabalhadores
ingleses e irlandeses. Igualmente, o termo «os
de abaixo» é altamente subjetivo e impreciso. O ultraliberalismo
apela ao conceito nebuloso de «emprendedores»6,
a extrema-direia fala do «povo»7
e a esquerda líquida «dos de abaixo». Como igual de impreciso para
nós é conceptualizar os trabalhadores como operários do setor
industrial manufatureiro e sindicados. A pertença ao proletariado
determina-a a consciência de classe que sofre avanços e retrocessos
historicamente no capitalismo. Chris Harman em “The Working Class
after the recession” sublinhava que o fulcral era fixar-se na
potencialidade
de desenvolvimento dessa mesma consciência no sistema de produção
[Murcia, 2013].
Se para determos a ofensiva do
capital o alvo é criar solidariedade entre todos os grupos sociais
agredidos pela ortodoxia ultraliberal não fica em claro a vantagem
de contrapor «os de abaixo» a «trabalhadores» em sentido amplo.
Todavia, devemos diferenciar entre análise e consciência de classe,
podem retroalimentar-se mas nunca podem confundir-se.
Os
danificados pelo ultraliberalismo são os que têm que trabalhar para
viver, ou seja, os trabalhadores e não os rendistas. Os que precisam
da
permissão
de terceiros para viver como recolhia Marx na Crítica
ao programa de Gotha.
É o mundo do trabalho quem paga a crise gerada pelo capital e é a
classe trabalhadora – e não o nebuloso precariado– o que tem que
reagir. A contrário, estaremos fazendo uma perversão teórica na
esquerda apenas equiparável à que no seu dia denunciou Marx na obra
acima citada: a teoria dos dois mundos tão do gosto de Lasalle e
ratificada no Congresso de Erfurt da SPD que rematou por botar em
mãos do nazismo a amplas capas «dos de abaixo».
Na
praxe, gerar consciência de classe exige empregar os termos o mais
envolventes que seja possível sem perder rigor e alimentar
cerimónias de confusão que poda explorar uma extrema direita em
auge por toda a parte ao semear a divisão entre trabalhadores
precários e não precários ou ao cair na crítica aos “privilégios”
dos funcionários ou dos trabalhadores fixos. Uns e outros são
vítimas, em maior ou menor medida, da ofensiva do capital. Já que
logo, pode-se falar «dos de abaixo», da «maioria
social»,
do
«povo»
(melhor
o povo trabalhador por razões óbvias) e até pode ser útil sempre
e quando se oponha à exígua minoria que se beneficia da crise: o
capital financeiro (a junção do capital bancário e o capital
industrial).
Por
sua parte, Callinicos [2010], com muito bom critério, advertiu que
era uma ilusão do pós-modernismo pensar que emerge um novo
movimento e que este deixa obsoleta qualquer teoria ou experiência
prévia. Se analisamos os protestos “indignados”” no seu
contexto histórico vemos que são formas tradicionais de ação
coletiva. Embora haja novas ferramentas de comunicação, o confronto
na rua – real e visível– não é tão diferente ao vivido
noutras alturas históricas. De facto, o poder de ação coletiva
segue estando em mãos da classe trabalhadora. Isto não quer dizer
que a classe trabalhadora não mude ao longo da evolução do
capitalismo, de igual jeito que a acumulação de capital trai
consigo o desenvolvimento de novas indústrias e a diminuição
doutras, Quando Engels escreveu “As condições da classe
trabalhadora em Inglaterra” (1844) referia-se aos trabalhadores do
têxtil. Apenas setenta anos mais tarde o núcleo dessa classe era a
indústria pesada do noroeste de Inglaterra e afinais da década de
trinta o motor e a engenharia da luz do sudeste eram o novo núcleo.
Não
entendermos isto é cair em ciladas analíticas como a de «multidão»
de Negri, o «precariado», ou falarmos de “aburguesamento” da
classe trabalhadora sob o welfare
state.
De fato, a consciência duma classe transforma-se constantemente por
diante da mudança das estruturas objetivas da sociedade e talvez, ao
esquecer isto, quem se “aburguesou” foi a direção de muitos
partidos de esquerda com teóricos da “academia”. Uma não-classe
(a classe média) dirigente em boa medida das formações da esquerda
atual que permitiu que a hegemonia da direita se fizesse
com os votos de muitos bairros de classe trabalhadora nas grandes
urbes. Cada vitória outorga confiança e capacidade de compreensão
à classe trabalhadora, cada derrota reforça o status
quo
e quando as derrotas se acumulam e as renúncias são continuadas na
esquerda rompe-se o sentimento identitário de classe até nos
setores onde ela tinha muito vigor.
Então,
o principal não é rejeitar que existem diferentes coletivos ou
frações de classe dentro dos “trabalhadores”, nem sequer pôr
em causa a existência de diferentes lutas e conflitos que, desde
reclamações setoriais ou parciais, podem ganhar apoio de setores
sociais cada vez mais amplos. É meridianamente claro que conforme a
democracia liberal se degrada – como advertia Andreu Nin na II
República espanhola– o que tradicionalmente se denominou
pequena-burguesia como não-classe pode identificar-se com a
burguesia ou os trabalhadores. E sem esse sumandum
não há revolução possível, por isso a esquerda deve apostar por
frentes amplas baseadas num programa comum e interclasssitas nesta
altura histórica. Todas
as lutas de todos os coletivos agredidos nesta hora ligam-se porque
essas pessoas são o povo trabalhador, quem tem que conquistar o pão
com o seu trabalho. Hoje estamos abaixo, do que se trata é de que
sejamos o centro e tenhamos consciência da nossa força... E isto
conduz a uma pergunta final que deixamos ao desígnio do leitor:
respondem em Anova, ou noutras forças da esquerda, as análises
divergentes a diferentes frações de classe para operar
politicamente numa única sociedade?
Aliás, também
cumpre salientar que, fundamentalmente, a maior eclosão desta
“teorização” sobre a nova cultura política se deu – e não
por acaso– no cenário prévio a uma I Assembleia
Nacional
de Anova em que, logicamente, existem diversos interesses organizados
e ainda diversas lideranças que os veiculam duma ou outra forma o
que, em definitiva, sempre vai alentar a necessidade de apresentar
diferenças no plano ideológico, mais ou menos reais e melhor ou
pior focadas e fundamentadas. Em tudo caso, desde a nossa visão –
de parte naturalmente, o problema não foi a parcialidade senão
antes bem a falha de profundidade e rigor nos debates. Uma
características bastante comum em muitos planos duma sociedade onde
as redes sociais e os twitts substituíram
a leitura linear
e reflexiva por outra centrada no titular, a sobre-informação e a
hiperligação.
No entanto, o que sim é claro é
que qualquer forma de
codificação cultural, e cada cultura política tem em grande parte
uma que lhe é confere a sua personalidade, não é apenas um
instrumento antropogenético de significação, não se limita a ser
uma ferramenta de sociabilidade, não é só uma alavanca para
participar à vida democrática, mas é também uma competência que
predefine as formas desta mesma participação, hierarquizando-as
[Baldi,
2011: 142].
Seja como for, em Anova há consenso
na necessidade de artelharmos uma nova hegemonia para o que Gramsci
denominou o qualunquismo,
quer dizer, um homem qualquer ou um cidadão meio . O que hoje
denominamos como a gente do comum,
a humanidade feita pó pela austeridade e o ultraliberalismo – onde
também em episódios
análogos historicamente o
fascismo encontrou a sua matéria prima não o esqueçamos enquanto
a social-democracia se perdia na “Teoria dos dois
mundos” e o Comitern nas
consignas social-fascistas. E
também há consenso em que esta hegemonia necessita explorar novas
vias e inovar politicamente, a começar tendo muito claro que devemos
acompanhar e não tutelar a sociedade civil como fazia o partido-guia
e a vanguarda dos
tradicionais partidos comunistas por toda a parte. Ora,
isto desde o nosso ponto de vista tampouco pode levar a uma reação
acratoide em que não se valore o útil e necessário da tradição
da esquerda, nem valores como a organização e a disciplina
imprescindíveis se queremos reagir com um mínimo de sucesso e
alguma esperança no marco dum capitalismo sem nenhuma trava: o
totalitarismo pós-moderno do There is not
alternative.
2.1.- A função ideológica
interna da
nova cultura política
Partido-movimento,
horizontalidade,
nova cultura
política...
como já dissemos são termos comuns em boa parte dos discursos
existentes no seio de Anova e que foram divulgados de forma reiterada
neste ano de existência da organização, se bem alguns logicamente
já foram formulados com anterioridade. O comum a eles é que não
existe uma leitura unívoca destes termos, como acontece com qualquer
significante, e que muitas vezes semelha que se empregam mais como
palavras de ordem dentro dum confronto, real ou imaginário, entre um
suposto
aparato e
umas
bases
uniformizadas
por meio duma abstração simplicista
para
servir aos propósitos de
quem
se ergue como porta-voz dessas bases para
ocupar a dirigência.
Para
além de que o aparato,
junto a organização e a disciplina (entendida no marco da
colegialidade)
são
questões em rigor muito diferentes da burocracia [Mandel, 2013], o
que aqui nos interessa salientar é que em tudo grupo humano se dá
um interaccionismo simbólico o que no eido educativo se tem
denominado como socialização
profissional,
ou seja, uma conversão do indivíduo a uma nova conceção do eu e
do mundo tanto mais necessária quando estamos perante o nascimento
duma nova força política que tem na sua cerna a vontade de ser
diferente aos partidos caught
all
e, já que logo, precisa assumir uma nova identidade.
Uma
nova identidade que nasce, não o esqueçamos, de grupos humanos
críticos e contestatários da maioria
silenciosa que
sustenta as democracias liberais: maiorias que realmente são
minorias (a maioria absoluta de Feijoo sustenta-se em 23 de cada 100
galegos) e que se constroem
mediante os poderes fácticos
e maquinarias
eleitorais que movem milhões de euros. E estes grupos humanos, por
sua vez, viveram o retrocesso da esquerda em Europa e da consciência
de classe que se traduziu quando menos em dois grandes fenómenos
igualmente influentes: duma parte, o ascenso do pós-modernismo e do
altermundismo
disputando
a hegemonia no campo da esquerda real aos partidos leninistas após a
definitiva renúncia dos restos mortais da social-democracia e que
como toda reação por negação cai no excesso; e, doutra parte, as
contínuas e diversas fraturas nas organizações populares que
alimentaram diversos esquerdismos
afastados
de toda praxe política com incidência real na sociedade e se
refugiaram no ideologicismo ou ficaram como grupos subalternos e
críticos em organizações políticas de massas não conhecendo mais
cultura política que a da oposição interna.
Assim,
enquanto o capitalismo é ato cheio de potência para reinventar-se
crise após crise, ridicularizando as diversas teorias que
mecanicamente
o davam por inevitavelmente morto, e a ortodoxia ultraliberal é
dogma e detenta a hegemonia; a esquerda ficou relegada em Eurolândia
a potência que endógena e exogenamente
muitas poucas vezes chega a exercer uma praxe ou, quando pode
fazê-lo, renúncia
a rachar com os corsés institucionais num aggiornamento
brutal
que reforça a perda de consciência de classe e a entrega da classe
trabalhadora à extrema direita. Por seguir empregando terminologia
aristotélica: o escravo a tempo parcial (o assalariado) foi
introduzido com sucesso na sociedade de consumo através do
capitalismo renano em primeiro lugar e, logo, por meio do crédito na
contra-reforma ultraliberal. Agora que se esperta do longo sono, a
esquerda ao não ter apenas experiências a grande escala de
transformação real, carece duma praxe e sim de teorias
contra-postas não testadas na realidade com os perigos de fracasso,
cisão e bizantinismo – quando não onanismo– político que isso
trai consigo.
Esta nova identidade de que falávamos acima, conta com mecanismos
específicos no processo de socialização profissional que também
podem rastejar-se no campo das organizações políticas ao existirem
também diferentes culturas políticas – onde tradição e inovação
se combinam com maior ou menor fortuna-:
a.-
A passagem através
do espelho:
olhar o mundo às avessas, levando à descoberta da realidade
desencatada, no nosso caso, da pós-política dominante
(o apoliticismo tão grato ao sistema e que impediu converter-se em
movimento organizado a experiências ainda assim muito ricas como o
15-m) [Fente Parada: 2013].
b.-
A
instalação da
dualidade
entre a sociedade que queremos que carateriza a razão de ser da
nossa ferramenta política, Anova, e a praxe que exige a sociedade
realmente existente no quotidiano. Esta realidade realmente
existente
tende a ser ultrapassada pela identificação com um grupo de
referência (o que requer um perfil ideológico próprio e que nem
sempre é o grupo de pertença real), que representa uma antecipação
de posições desejáveis e uma instância de legitimação.
c.-
O ajustamento da
conceção do eu (e
em política o nós)
que constitui a solução habitual nos períodos de construção
identitária (individual e/ou coletiva) na sua fase última; por
abandono e rejeição dos estereótipos e mediante um processo
dialético onde a praxe é a síntese mais ou menos acabada da tese
(o modelo ideal) e a antítese (o realmente existente).
Tendo
em conta que como militantes achegamos dois processos, o biográfico
e o relacional, é da sua articulação, que resulta da interação
de uma trajetória social e de um sistema de ação, que se pode ter
uma ideia mais abrangente da construção da identidade social.
Então, a construção coletiva duma nova cultura política pressupõe
aceitar que é na praxe onde deve encontrar-se a síntese do factível
e o desejável; a síntese das diversas leituras dessas inovações
necessárias na esquerda e, especialmente nos partidos; e que é
impossível que uma pessoa ou grupo se erga como verdadeiro
depositário dalgo que ainda está necessariamente por testar e
construir. Segundo Dubar, focando a praxe do novo professorado
[Santos,
2000: 71]:
A
identidade social não é “transmitida” por uma geração à
seguinte, ela é construída por cada geração, com base nas
categorias e posições herdadas da geração precedente, mas também
através das estratégias identitárias desenroladas nas instituições
que os indivíduos atravessam e para cuja transformação real eles
contribuem.
Desta
arte, em rigor seria muito mais correto falar de novas
culturas políticas do
que duma nova cultura política única e unívoca que
se empregou, em grande parte, como ariete ideologicista no confronto
interno.
Aliás,
uma cultura política pós-moderna difundiu sem contra-discurso (e
já que logo sem processo dialético)
a sua visão e outras culturas usurparam esse discurso pro
domo sua.
Além disto podemos
identificar uma
outra cultura – identificada como aparato
ou velha cultura
política-
que não produziu apenas literatura pública e que é a antítese do
pós-modernismo laxo e se assenta na tradição da esquerda e da luta
antifascista. Esta última, não entrou na moda
da nova linguagem dominante em Anova, mas tampouco foi capaz de
apresentar formulações teóricas sólidas e alternativas à
desconstrução contínua do discurso e, muito menos, socializá-las.
As diferentes culturas políticas, que tampouco são duas como Beiras
tem tentado simplificar
para explicar a I AN de Anova de
portas para fora
[Beiras,
2013],
compreendem
as
crenças, valores, hábitos e formas assumidas de fazer as coisas em
diferentes organizações que tiveram de lidar com exigências e
constrangimentos ao longo de muitos anos.
Nas
culturas existem duas dimensões: o conteúdo e a forma. A primeira
refere-se ao que se pode absorver a partir do que os militantes
prensam, dizem e fazem. A segunda atende ao tipo de relações que se
estabelecem entre os militantes. A interdependência dá-se porque,
como indica Hargreaves «é através das formas que os conteúdos das
diferentes culturas são concretizados, reproduzidos e redefinidos»
[Santos, 2000: 75].
Hargreaves
assiná-la como uma qualidade marcante das diferentes culturas o
individualismo. O pós-modernismo sublinha precisamente o
individualismo assumindo assim um dos princípios do liberalismo.
Este individualismo é, ao nosso entender, algo que potenciam
enormemente mecanismos de eleição internos baseados, por exemplo,
nas listagens abertas. Aliás, Hargreaves adverte
dos perigos da cultura balcanizada, onde se tende a trabalhar em
subgrupos com permeabilidade baixa, permanência elevada e
identificação pessoal e compleição política, ou seja
repositórios de interesses próprios [Fente
Parada, 2011].
Assim, quando na origem Anova tentava não ser um bng-bis
o
certo é que, de momento, internamente a adscrição individual (ao
não acompanhar-se da militância única) levou a conformação duma
frente de partidos -organizados formal ou informalmente-8.
Assim,
podemos falar que em qualquer organização existem mundos
micro-políticos
que por vezes competem e por vezes cooperam e onde a dupla militância
arrasta um poder histórico e político muito grande exercido pela
disciplina dos aparatos dos diversos grupos e que se constituem,
mediante o revestimento ideológico, também em fontes de identidade
pessoal para as
pessoas
que unicamente militam
em Anova.
Combater
a balcanização não significa todavia dissolver as diferentes
culturas políticas, mas pela contra significa:
(i) procurar um equilíbrio entre as mesmas; (ii) eliminar as
estruturas organizadas formais de jeito que o facto de pertencer a
uma corrente não seja uma situação fixa toda vez que dificilmente
se pode justificar que representem essas estruturas diversas classes
sociais; (iii) que se faça uma gestão adequada das lutas em torno
de conflitos de interesses, discutidos clara e eticamente numa base
contínua, para o que os interesses devem revelar-se sem literatura;
(iv) evitar que os grupos de trabalho ou as assembleias locais sejam
armas grupais ou rematem por funcionar como organismos unicelulares,
quer dizer, sem estar a sua soberania ao serviço dum corpo
pluricelular
que é a dimensão nacional de Anova: (v) ter presente que são
fundamentais em toda organização a operatividade, a colegialidade,
a democracia... e que a fórmula de imbricar isso é na praxe, o
rigor analítico,
e desde o bom-senso não desde formulações perversas que confundem
autoridade com autoritarismo, democracia com acratismo, etc.; e,
como não, (vi)
a
confiança nos órgãos coletivos de que nos dotamos através
da participação democrática em assembleia, quer local quer
nacional,
que sempre será dupla: a confiança investida em pessoas e a
confiança investida em processos.
2.2.- Os desafios e as
cautelas associadas ao discurso líquido da Nova cultura política
Nesta
alinha trataremos de reflexionar sobre os perigos ou excessos que
toda reação tem, também dos acertos. Neste caso a reação
fundamental do núcleo que originalmente formulou as conceções
associadas aos discursos da nova cultura política deu-se contra a
excessiva rigidez, hierarquia, burocracia e, em definitiva, contra o
centralismo
democrático próprio
dos partidos marxistas-leninistas e que conduziu à rutura
do BNG em Ámio. O discurso do novo
referente político
derivou asinha em nova
cultura política
tentando evitar os erros do BNG e, fundamentalmente do seu
partido-guia a UPG. Vejamos, no entanto, como é igualmente
necessário não cair em novos perigos que também se associam na
reação perfeitamente entendível e partilhada pela totalidade da
militância de Anova (também no plano discursivo ao menos de quem na
sua dupla militância pertence a partidos m-l).
2.2.1.-
O individualismo e as listagens abertas
A
I Assembleia Nacional de Anova pus de relevo, já no seu plenário
deliberativo, uma funda simpatia pelas listagens abertas. Finalmente
aprovaram-se como método de eleição da Coordenadora
Nacional incluindo nelas o voto limitado. Porém, quem defendemos as
listagens proporcionais durante tudo este processo entendemos que é
um método pernicioso, a começar pelo fomento do individualismo.
Embora, como qualquer sistema, têm vantagens também aqui imos
formular os vícios que detetamos e, seguidamente, faremos uma
reflexão sobre o individualismo em relação com a nossa experiência
na análise das culturas profissionais do professorado.
a.-
As listagens abertas favorecem o
individualismo
e põem por cima as pessoas aos projetos políticos grupais. Na era
da
Internet constatou-se
também como é doado fazer campanha
eleitoral e competição entre candidatos nas redes sociais antepondo
assim a “fama” à valia. Dá-se então um fenómeno onde o
votante apenas terá o critério sobre aquelas pessoas que conhece e
das que lhe chegou o seu discurso. Evidentemente, a não ser que
acreditemos na aristocracia
da militância
antítese da horizontalidade, a relevância pública não vai
necessariamente ligada com o compromisso ou a efetividade e os
candidatos individuais não apresentam (ou não têm porque fazê-lo)
um projeto político. Por exemplo, dá mais capacidade para
desenvolver um mandato coletivo escrever artigos ou representa
simplesmente ter mais tempo ou interesse em deixar as ideias dum por
escrito?
b.-
As listagens abertas também podem supor mantidas no tempo um
estancamento
para que apareçam lideranças coletivas. Os que ostentam já uma
responsabilidade partem com uma vantagem e um (re)conhecimento muito
superior aos restantes candidatos. O critério de representação
territorial fica esvaído. Não existe, pois, a suposta igualdade de
oportunidades.
c.-
A suposta igualdade de oportunidades tampouco se deteta em que com as
listagens abertas a revogação
dos cargos
(elemento essencial
da esquerda desde, pelo
menos,
a Comuna de Paris) é muito mais complexa, especialmente nos
candidatos mais votados que são os que entram nos órgãos
colegiados. Tampouco
acreditamos que seja mais legitimador sair escolhido em listagem
aberta que em listagem proporcional porque nesta última a
representação debuxa os apoios de cada projeto ou corrente e
exige-lhe mostrá-lo coerente e desenvolvidamente.
A maiores, no caso de Anova
cumpre engadir que na composição da Permanente a CN não optou –
nem nenhum defensor das listagens abertas o propus – por elaborar
este órgão, executor das decisões da CN, a partir das pessoas mais
votadas. E ainda se poderia engadir que a forma em que prosperaram as
listagens abertas com voto limitado (não imos entrar nesta exposição
a falar do voto limitado, porque a própria denominação que se lhe
dá em direito é transparente) mostra uma total aussência já não
de velha ou nova, mas de cultura política elementar. Por outras
palavras, em contra do estipulado pela AN Constituinte, fixo-se uma
modificação dos estatutos sem contar com os 2/3 necessários (algo
que aberrante do ponto de vista do direito constitucional) e que
junto a alguma intervenção contrária aos nossos princípios
ético-políticos está nas antípodas da democracia ainda que se
fizera em seu nome.
A
colegialidade e o individualismo são conceitos fundamentais para
discutirmos sobre as diferentes culturas políticas. Como muitos
outros conceitos que fomos nomeando na nossa exposição trata-se de
conceitos vagos e que motivam retóricas num discurso mítico de
mudança e melhoria, mas que podem e devem ser clarificados –
fundamentalmente através da praxe-. Nem sempre o individualismo é
logicamente mau. Ele
pode ser forçado pela realidade organizativa dum determinado local,
pode ser estratégico (porque poupa forças e energias e é mais
eficaz em determinados casos) ou pode ser por escolha (ou seja, que
se aposta por ele conscientemente). Porém, o individualismo também
tende para o acratismo, a atomização social face a individualidade
que sublinha a independência e a realização pessoal num conjunto.
Uma
outra forma de individualismo é a indignação, diferente da
rebelião em que é um estado psicológico e que carece dum programa
coletivo e, já que logo, tem uma ação que, a diferença da praxe
não nasce da reflexão [Fente Parada, 2013]. Porém,
qualquer força política de esquerda tem que ter carácter de massas
para transformar a realidade e incidir na sociedade, já que logo
transformar a indignação em rebelião é uma necessidade. Segundo
Sousa Santos [2013] cumpre superar o pensamento que cuidava «que só
um pequeno grupo em
cada país era politizado: os membros de partidos, ONGs ou de
movimentos sociais. O resto de cidadãos era uma massa informe,
despolitizados que não tinham nenhuma relevância política, mas que
são os que estão agora na rua» e os necessários para uma nova
hegemonia que volte induzir o medo na burguesia mundial.
2.2.2.-
O partido-movimento
Uma
das etiquetas que teve amplo sucesso na retórica da nova
cultura política foi
a de partido-movimento que em realidade é um oxímoro do ponto de
vista da filosofia política. Uma
cousa é a natureza dum partido e outra bem diferente a dum movimento
social. Desde
logo, o papel dos movimentos sociais é fundamental e como indica
Tugal
[2013] :
A
nova forma de dirección para unha transformación post-capitalista
sustentábel esixe a habilidade de aprender da base, a vontade de
interactuar coa enerxía popular, institucionalizar mecanismo de
equilibrio entre forzas e a constante inmersión en institucións
alternativas e a co-educación. Como 1905 puxo o seu selo na historia
mediante a consolidación dunha nova forma de organización (o
partido revolucionario centralizado), 2011 pode crear (ou polo menos
expor) unha nova forma de organización revolucionaria (máis
democrática e ao mesmo tempo máis eficiente).
Anova
tem que ter a capacidade de acompanhar as lutas sociais e não
tutelar os movimentos sociais. Isto, teoricamente, é um ponto comum
de toda a sua militância. A vontade de que a representação
institucional seja uma caixa de ressonância das lutas da sociedade
civil. Mas o programa, o âmbito
e a organização dum partido e dum movimento nada têm a ver em
muitos outros pontos pelo que, no mínimo, a etiqueta
partido-movimento é teoricamente confusa, sociologicamene falsa –
ao não responder a nenhuma nova realidade organizativa ao menos por
enquanto – e
filosoficamente oca ao não achegar nada novo. No que sim cumpre
reparar e que no cenário social atual há que apagar em grande
medida as artificiosas fronteiras estabelecidas entre as organizações
de trabalhadores clássicas – de classe – e os movimentos
sociais, e aí algo terão a dizer também os partidos. Segundo
Harvey [2013]:
Uma
de minhas batalhas nos últimos 30 ou 40 anos tem sido dizer que é
preciso enxergar estes movimentos como movimentos de classe. Penso
que houve uma relutância a aceitar isso, em muitos setores da
esquerda.
É, pois, evidente que as forças
políticas, os partidos, têm que inovar, mas que isso não pode
significar nem perder a sua vontade de chegar às massas nem, por
suposto, deixarem de ser instrumentos eficientes e operativos para a
emancipação da classe trabalhadora num sistema-mundo capitalista
muito organizado, hierárquico e repressivo.
2.2.3.-
Democracia e assemblearismo
A democracia, a horizontalidade,
o assemblearismo são ferramentas em que se acredita coletivamente
desde a esquerda, mas tampouco podem ser uma abstração fechada, um
fim enquanto absolutos, etc. Para Tugal [2013]:
Ademais
da extensión da revolta, podemos traballar por crear lazos
interrexionais
entre activistas e dirixentes; recrutar e educar a unha nova capa de
cadros da nova xeración que por primeira vez participa en política.
Porén este recrutamento e esta construción dunha rede de alianzas
só será relevante historicamente se parte dunha visión
estratéxica. No canto de celebrar a
espontaneidade
e a falta de dirixentes, os activistas necesitan construír
estruturas de dirección flexibles e democráticas, as
revoltas espontáneas
disípanse con facilidade ou perden os seus obxectivos
Não faz muito sentido colocar
aqui o quê é que é a democracia, a horizontalidade e o
assemblearismo quando esta exposição esta pensada em chave interna
duma força política e, em tudo caso, são conceitos partilhados na
esquerda.
Porém,
o que sim cumpre ressaltar
é que são instrumentos imprescindíveis para o século XXI: a
horizontalidade, a fraternidade, a democracia e o assemblearismo,
entre outras muitas coisas, permitem avançar tomando as decisões
coletivamente, chegar a sínteses, partilhar uma linguagem comum...
Para Sousa Santos [2013] é necessária uma revolução democrática,
ou seja, «democratizar a democracia através de um movimento popular
muito forte, que às vezes resultará violento, embora nunca contra
as pessoas, e às vezes resultará ilegal, porque uma das
características dos Estados ultraliberais é ser a cada vez mais
repressivos».
Porém
isto não evita que podam apresentar-se críticas a certas conceções
líquidas
e pós-modernas do assemblearismo e da democracia onde duma suposta
radicalidade se fica inoperante e sem incidência nas relações de
poder existentes nas sociedades capitalistas. Para Sousa Santos
[2013] ao movimento dos indignados, por exemplo, podem-se-lhe fazer
as seguintes críticas, que qualquer militante duma organização
política sabe até onde lhe é também aplicável (por exemplo
assembleias insofríveis de mais de 3 horas, onde uma minoria que
resiste até o final adota as decisões fundamentais):
Primeiro,
às assembleias em onde se tomam decisões por consenso que podem ser
totalmente paralisantes, pois uma pequena minoria pode impedir
qualquer decisão. Com fórmulas dominantes de decisão não vai ter
formulação política; e sem formulação política não há
alternativas. Segundo, ao sistema de grande autonomia individual que
manejam (a cada um decide quando entra e quando se vai, por exemplo)
e que é mais semelhante ao ultraliberalismo do que pensam. Um
movimento não se constrói com autonomia individual, senão com
autonomia coletiva. E não a têm. Terceiro, um rasgo que estamos a
ver, sobretudo, nos acampados dos EUA e em alguns de aqui: tem mais
legitimidade quem fica mais tempo acampado na praça. Não têm em
conta que há gente que é muito boa, mas que tem que ir trabalhar ou
ir a casa a atender aos meninos. São menos legítimos por isso? Não,
porque permanecer mais tempo em uma praça não é um critério de
legitimidade democrática.
Por
sua parte, David Harvey [2013b]
salienta, a respeito da nova cultura política que a abertura ao novo
não significa aderir modismos e que se bem cumpre saudar a
horizontalidade e a deshierarquização,
nas lutas sociais, é igualmente importante para enfrentar um sistema
altamente articulado construir, também, visões de mundo e projetos
de transformação que não podem ser formulados no chão de uma
assembleia local de indignados. Harvey teme que o horizontalismo –
grosso
modo,
a noção de que tudo deve vir das bases e ser debatido em
assembleias – acabe se transformando num fetiche. Seria, ele
adverte, refazer pelo avesso a obsessão dos antigos Partidos
Comunistas pela autoridade e centralização: «acho
ótimos que as pessoas estejam debatendo horizontalidade, mas é ruim
que digam algo como: “ou é horizontal, ou não é nada”». E o
geógrafo engade:
Acho que há hoje um
grande apego pela horizontalidade. Tento dizer a meus alunos que
gosto de passar grande parte da minha vida no horizontal, mas também
gosto de ficar de pé de vez em quando e andar por aí! Porque acho
que esta oposição não é útil. Sou a favor de ser tão horizontal
quanto você puder. Mas há o que chamo no livro de uma espécie de
fetichismo da forma de organização — o que foi terrível nas
conceções de centralismo democrático dos partidos leninistas e
comunistas.
Repito:
a questão é para mim, identificar que tipo de organização será
capaz de enfrentar e resolver cada tipo de problema. Acho que a
horizontalidade pode ajudar a resolver alguns problemas, em certas
escalas, mas não funciona em outras situações. Vivemos num mundo
onde há um sistemas muito estruturados, a de maneira que você
também precisa de estruturas de comando e controle para lidar com
eles. (...) em sistemas fortemente hierarquizados, você precisa
tomar decisões com rapidez.
2.2.4.-
A colegialidade e a porta-vozia
A colegialidade é um valor da
esquerda, a toma de decisões partilhada... por isso, um porta-voz
deve ser eleito pelo seu órgão colegiado para garantir o princípio
republicano da revogabilidade dos cargos, mecanismo democrático –
não apenas a assembleia é depositária da democracia-, e não cair
na cilada de nomear em assembleia um secretário-geral que apenas
poda ser revogado por essa mesma assembleia. Neste quadro também
semelham confundir-se dois conceitos: autoridade e autoritarismo. Em
palavras de Harvey [2013]:
acho que a
autoridade tem seu papel. O problema importantíssimo que se coloca
é: como você controla uma autoridade? Quais são os mecanismos de
revisão de mandatos e de controle? Porque uma estrutura hierárquica
pode, de fato, tornar-se autoritária. Mas há uma grande diferença
entre autoritarismo e autoridade. Eu acho que em certas situações,
você precisa de alguém para exercer autoridade.
O
exemplo ilustre de que muitas pessoas lembrariam são os zapatistas.
Mas eles, militarmente, não são horizontais. Sobrevivem até hoje
precisamente porque, se você tentar mexer com os militares, eles têm
um comando muito bom e estruturas de controle com os quais podem
resistir. Se você não tiver isso, será muito vulnerável. Uma das
críticas que sempre foram feitas à Comuna de Paris é que, devido a
uma espécie de anarquismo filosófico, não havia nenhuma autoridade
central para defender a cidade inteira.
Ainda sem vir muito ao fio
principal do artigo, mecanismos de composição da CN baseados
exclusivamente em modelos territoriais são também mostras de
individualismo (de cada assembleia neste caso), da atomização dum
partido que se auto-organiza nacionalmente. Insere, pois, dinâmicas
que quando menos são igualmente questionáveis e que vão em
paralelo com os discursos de assembleias soberanas por cima de tudo e
que a(s) assembleia(s) decide(m) tudo permanentemente em menoscabo da
autoridade, bem diferente do autoritarismo.
A
colegialidade tem múltiplas faces, correspondentes a distintos
sentidos políticos bem é certo. Nela pode dar-se, ao igual que
noutras noções aqui analisadas: (i) uma cultura
da colaboração
espontânea
e que parte da vontade das pessoas que conformam esse grupo; (ii) uma
cultura
da colaboração voluntária,
resultante do reconhecimento pelos integrantes dessa organização do
seu valor; (iii) cultura
da colaboração orientada para o desenvolvimento,
onde pontualmente são definidas as tarefas e as finalidades
desenvolvidas colegialmente;
(iv) uma cultura
da colaboração
difundida no espaço e no tempo, desenvolvendo-se e adaptando-se de
acordo com a praxe que vai desenvolvendo uma organização; e (v) uma
cultura
da colaboração imprevisível.
Naturalmente, muitas destas culturas interatuam num mesmo grupo e
ainda num mesmo indivíduo.
Também
pode dar-se a colegialidade
artificiosa,
muito própria das frentes em política. A colegialidade artificiosa
esta (i) regulada
e é imposta por um órgão superior (p. ex. uma assembleia nacional
escolhe diferentes grupos de pessoas que não colaboraram na CN ao
ter interesses e visões distintas ou até contrapostos, mas o
“mandato” assemblear – a correlação de forças- ditaminará a
necessidade de acordos e a construção – mais ou menos sucedida –
de cooperação; (ii) é compulsiva (assume-se como um fim e não
como um valor ou um meio); (iii) é fixa
no tempo e no espaço,
tomando lugar em locais e durante um tempo determinado – o que
duram as reuniões desse órgão-; e (iv) é previsível,
porque embora produza resultados ela foi concebida já a
priori
para produzí-los. As
principais desvantagens da colegialidade artificiosa -em certa medida
sempre presente em qualquer experiência de colegialidade – são a
inflexibilidade e a ineficiência. Por exemplo, votações mecânicas
por afinidade grupal que reforçam a atomização e impedem chegar a
acordo de consenso e ainda dilatam a toma de decisões mais ou menos
urgentes.
Logicamente, falar de
colegialidade não é negar a existência de opiniões e conceções
diversas, já que uma colegialidade ótima é aquela onde existe
dependência mútua e interação entre autonomias (pessoais ou
grupais). Ou seja, assentar os piares da fraternidade que recolhe
Anova nos seus princípios ético-políticos. E a fraternidade é
cooperação, reciprocidade, confiança mútua e responsabilidade
interdependente.
A
fraternidade foi esquecida pela esquerda em 1848 com o fracasso da II
República francesa, mal
chamada a República
fraternal, vendo-a
como uma consigna passada de moda quando era o valor fundamental da
Revolução francesa que significava que a igualdade e a liberdade
era para todas as classes subalternas: a começar pelos assalariados.
O «gran valor olvidado de la tradición republicano-revolucionaria
moderna», a fraternidade, cujo sentido político identifica Doménech
com a aspiração
efetiva, formulada em 1790 no discurso perante a Assembleia Nacional
sobre a composição social da futura Guarda Nacional por
Robespierre9.
Lá Robespierre propus a fraternidade como lema para rematar com a
distinção entre «cidadãos ativos» (capazes de pagar um censo) e
«cidadãos passivos» (pobres); a fraternidade como expressão
política para todas as classes subalternas da igualdade e a
liberdade, nomeadamente para a arraia miúda – como denominava ao
povo Fernão Lopes– base
fundamental para construir uma sociedade civil republicana de homens
livres e iguais. Por
outras palavras, Robespierre advogava através do valor
republicano-revolucionário da fraternidade por uma democracia
política radical em que não houver já espaço para o sufrágio
censitário liberal [Domènech, 2004].
2.2.5.-
Dos grupos de trabalho
Dado que a sociedade é muito
complexa e os campos de ação duma organização política muito
variados uma boa ferramenta é a dos grupos de trabalho que, ao serem
deliberativos e propositivos e não decisórios, convidam a construir
uma cultura da colaboração. Aliás, os grupos de trabalho
representam um campo natural para a interação, o debate e a
elaboração de propostas – ou até de praxes –, a nível
nacional, comarcal, local ou paroquial, entre a militância
especialmente sensibilizada com esses temas.
De por parte evita-se a criação
de estruturas dentro doutras estruturas independentes de qualquer
órgão eleito na assembleia nacional (ao contarem com assembleias
nacionais próprias) como no caso das mocidades – fundamentalmente
fornecedoras de quadros – dos partidos clássicos. A maiores, a
técnica e o rigor científico são essenciais para a esquerda, algo
que transcende a vontade da maioria simples numa assembleia e, já
que logo, a vantagem dos grupos de trabalho é tentar fornecer
materiais feitos por pessoas especializadas nesses campos: sanidade,
agro, mocidade, mulher....
Quando falamos dum grupo nacional
dificilmente as cultura políticas vão ser homogéneas, pelo que a
colegialidade exige neste caso centrar-se nas questões e atividades
concretas desse espaço de trabalho, que devem ser os desafios que
Anova tem que responder no dia a dia na praxe social e institucional.
Aqui, a autoridade do responsável do grupo de trabalho é ser enlace
com a CN, mas também garantir a coerência das linhas de trabalho e
fomentar o espírito cooperativo no seio do grupo.
Finalmente,
a centralidade dos grupos de trabalho vem dada porque neles se produz
um intercâmbio
de experiências entre militantes e artigos (formação), assistem-se
a atos comuns e trabalha-se em propostas comuns, lançam-se propostas
que se socializam entre toda a militância chegando a linguagens
comuns... Em definitiva, assume-se coletivamente a responsabilização
por um projeto e construi-se na praxe parte dessa tão necessária
nova cultura política.
2.2.6.-
Nova cultura política
Como
já dissemos anteriormente David Harvey [2013] a respeito da nova
cultura política diz-nos que a abertura ao novo não significa
aderir modismos e muito menos acriticamente. Na
sociedade capitalista o tempo é o maior inimigo da liberdade, a
leitura reflexiva e linear,
o debate de ideias fundamentado e com rigor deu passo ao twitt
e
foros onde o diálogo é muitas vezes impossível – ainda aceitando
que exista por todos os seus integrantes vontade de diálogo, o qual
é discutível–. O
bombardeio de cabeçalhos e consignas enterrou a construção
demorada de discursos.
No
entanto, tampouco o tempo dá garantia alguma, simplesmente oferece
maiores oportunidades. Num contexto de ofensiva brutal do
capitalismo, com fendas internas e externas, as organizações
políticas da esquerda com efetivos limitados têm problemas para
poder fazer reflexões demoradas sobre todos os seus desafios. Porém,
também deixar passar o tempo sem darmos a batalha das ideias é a
certeza de que a consigna e a análise superficial se ergam como
dogmas e como o único vieiro a seguir... até pode dar-se o caso
onde posicionamentos muito minoritários, mas expostos reiteradamente
em
diversos locais podam apresentar-se como algo maioritário.
Invocar uma nova cultura política
não se traduz numa efetiva mudança de práticas e também é
esperável que ao entusiasmo inicial (acrítico sobre os seus
benefícios, a sua forma e o seu conteúdo) se sega pela praxe uma
aprendizagem que tampouco deveria conduzir-nos para um ceptimo
absoluto, mas para um trabalho de análise e esculca. Um trabalho que
permita identificar os melhores elementos de cada cultura política
para erguer uma nova e conjugando isso com chegar a uma maioria
social e não ficar com um método que, podendo ser muito certo,
fique reduzido à marginalidade e portanto impossível de testar na
praxe.
Todavia,
entenda-se a nova cultura política como aquela em que o contexto e
os hábitos em que os militantes são habitualmente socializados se
transforma ainda procedendo de diversas culturas, onde o isolamento –
individual ou grupal – não é reforçado e onde chegar a acordos
pressupõe debates bem fundamentados. Em nossa opinião, e desde
propostas feitas para o mundo do ensino, possíveis estratégias
facilitadoras para a criação desta nova cultura são: (i)
desenvolvimento de competências através da formação que ponha fim
à aristocracia da militância e permita a cada vez mais pessoas
desenvolver com eficiência uma mesma tarefa; (ii) reforço do grupos
de trabalho como consultores e fornecedores de materiais desenhados
desde o rigor e a especialização; (iii) estímulo de reforço de
dinâmicas positivas que se vão estabelecendo de jeito natural; (iv)
divulgação e apoio de praxes bem sucedidas e eficazes; (v)
estabelecimento de redes de cooperação entre diversas assembleias e
/ ou grupos de trabalho; (iv) desenvolvimento duma capacidade
organizadora – aparato – suficiente para dar resposta às
necessidades da organização em cada momento, nomeadamente o
desenvolvimento duma boa infra-estrutura de apoio para as diferentes
frentes em que deve operar hoje a esquerda (estabelecendo
ao tempo os mecanismos para evitar a degeneração do aparato em
burocracia).
2.2.7.-
As lideranças e
as dinâmicas
de poder
Uma das questões -chave em
qualquer grupo tem a ver com o poder e a liderança. Foi através do
estudo da liderança que se desenvolveram em psicologia social as
análises sobre o poder onde se interligam diversos conceitos como
poder, influência, liderança, autoridade...
Podemos
falar de poder
simétrico
quando há uma certa igualdade entre parceiros, isto é, A exerce o
poder sobre B num domínio e B exerce o poder sobre A noutro. É a
transitividade
que permite que o poder «se transmita através duma cadeia
hierárquica, de modo a que o seu topo possa fazer executar algo pela
sua base» [Santos, 2013: 108]. O poder
institucionalizado
é aquele que apenas pode exercer de acordo com um conjunto de regras
que o definem e o regulam, e que numa esquerda democrática são
acordados colegiadamente, e, portanto, apenas existe no interior de
uma relação social determinada. Hegemonia,
poder
e
governo
são
conceitos, contudo, que apresentam matizes e diferenças que não
cumpre perder de vista. Por exemplo, o poder
é o exercício dum controlo, a hegemonia – ou em menor escala a
influência
– é o exercício duma persuasão. Então,
a diferença da influência, o poder exerce-se em termos de controlo.
Também
não é o mesmo (e vê-se perfeitamente hoje na transferência de
soberania dos estados
atuais
ao grande capital) ter o governo que ter o poder real. O
bem-estar da cidadania é um valor, mas o logro da sua realização
através da ação política exige
o exercício do poder, por isso a conquista do mesmo é o móbil do
político para exercê-lo, desde a ética de esquerdas, a favor da
cidadania. O repto, no entanto, é que esse alvo instrumental não
remate convertendo-se num fim em sim próprio como tantas vezes tem
acontecido.
Por
sua parte, o termo liderança dá conta de dois processos: a condução
dum grupo e a possibilidade de dar ordens. Portanto, não apenas se
dá liderança
quando esta formalmente identificada na organização: porta-voz
nacional, responsável de organização, comissionado de movimentos
sociais... Como
indica Santos [2013: 110]: «ser
líder comporta um conjunto de papéis e as funções que
eles englobam supõem uma cooperação. Deste modo, a liderança é
um processo e não uma pessoa, ainda que o líder seja aquele que
aparece mais frequentemente como ponto central nesse processo».
Também
cumpre salientar que liderança e autoridade são coisas diferentes.
A autoridade
se refere ao poder que se exerce no quadro duma legitimidade. O
exercício da autoridade é condicionado pelas representações que
os restantes membros desse grupo fazem daquele que ocupa uma
responsabilidade e não apenas pela perceção que têm daquele que
confere a legitimidade enquanto fonte formal de autoridade. Numa
organização política, quando o debate político é substituído
pela difamação pessoal por exemplo, o que se estão evidenciando é
os diferentes interesses de subgrupos - mais ou menos velados – ou
aparatos que tentam ser hegemónicos dentro da organização.
Naturalmente, estas lutas de poder existentes em todos os grupos
humanos tendem a camuflar-se com retóricas muito diversas e
adoçantes do que lateja realmente no fundo delas.
No
entanto, no que devemos fixar-nos para avaliar a competência duma
pessoa numa responsabilidade ou âmbito específicos é,
exclusivamente, a sua legitimidade que, fundamentalmente procede de
três fontes: (i) a competência nesse âmbito ou noutros
semelhantes, (ii) a capacidade de gerir
conflitos ou impor a sua liderança sobre as partes litigantes, e,
por último, a legitimidade que dá na cultura assemblear ser eleito
mediante um processo eleitoral toda vez que este exige um maior
sentido da responsabilidade (tu escolhes-me e eu devo em troca
oferecer uns resultados acordes com o teu horizonte de expectativas).
Assim,
numa assembleia local também se dão dinâmicas de poder: (i) a do
poder
legítimo,
baseado na perceção de B que A tem legitimamente o direito de lhe
prescrever a conduta (de acordo com a sua função na organização);
(ii) o poder
de referência,
baseado na identificação de B com A; o poder
da competência,
baseado na perceção de que A tem uma experiência e conhecimentos
específicos que lhe conferem uma mestria num domínio; o poder
de coerção
(rejeições, maiorias mecânicas...);
e o
poder de recompensa.
Como
já dizemos, a classe operária sofre a “precariedade”
desde que o capitalismo é capitalismo e o trabalho assalariado
sempre foi um abuso. A palavra trabalho etimologicamente procede de
TRIPALIUM,
um instrumento de tortura dos escravos, e Aristóteles dizia dos
assalariados que eram escravos a tempo parcial. Negri
e outros pós-modernos insistem contudo em que a “precariedade” é
uma novidade e há quem fala de “precariado” e já não de
proletariado. O termo precariado apareceu por vez primeira na
literatura produzida pela Fundação Friedrich Ebert, ligada com o
SPD e numa diagnose que fala de capitalismo pós-industrial. O
simbólico impõe-se ao material, o idealismo ao materialismo, a
análise abstrata prima sobre a teimada realidade.
O
“novo sujeito emergente” relacionado com a “indignação”, o
15-m, etc. é a mostra da fragmentação da classe trabalhadora e do
elitismo inoculado na classe média. A classe trabalhadora sempre foi
precária, mas agora que em Ocidente também se precariza a esquerda
académica – procedente dessa não-classe– teoriza novos
paradigmas e apresenta como “novidade” uma constante no
capitalismo. O precariado não é uma nova classe social, são
contingentes
– sem consciência de classe pelo
geral–
que eventualmente visitam
a classe trabalhadora mas que com licenciaturas e másters espera
asinha superar isso. No sul de Europa é questão de tempo rachar com
esta ilusão da não-classe, pois o ultraliberalismo apaga as
condições materiais para a existência da mesma. A pergunta é se
está a esquerda pronta para reforçar a consciência de classe e
politizar uma classe trabalhadora ainda entregue ao consumismo e
hipnotizada pela cultura de massas e os reallity
show.
Desde
a nossa ótica, é uma aberração dizer que as classes sociais já
não se constituem em base à propriedade dos meios de produção,
mas em função do capital cultural e a formação de cada pessoa.
Essa é a ideia pós-moderna da “sociedade do conhecimento” que,
na educação, serve como aríete do New
Public Management.
Em 2012, 24'9% dos jovens de entre 18 e 24 anos não se formava
academicamente. Os filhos da classe operária sem os quais a esquerda
nunca vencerá. Bourdieu [2003],
na década de sessenta, incidia em que a universidade reproduz e
perpetua o sistema de classes, convertendo-o na eleição dos
eleitos. Atualmente, menos de 10% dos universitários são filhos de
pais não universitários. O
jovem «do comum» não tem carreira nem emigra a Londres. Não
rematou nem a ESO como para darmos corda ao conto da “geração
melhor preparada da história”. É apolítico quando não
anti-político. Desconhece a maioria dos seus direitos. E o Estado
espanhol lidera o fracasso escolar na UE.
Quanto
à mulher, 20% da empregadas percebem um ordenado por baixo do SMI,
sendo 1.500.000 no Estado espanhol. Como Pazos Morán [2010: 7]
aponta:
la
precariedad, el subempleo, la temporalidad, pero también la
parcialidad, ni es decente ni tampoco productivo. (…) el empleo a
tiempo parcial no es productivo, le puede venir bien a algunas
empresas para aprovecharse de ello. Pero a las empresas, una a una,
les vienen bien muchas cosas. Por ejemplo, les viene bien también no
gastarse un euro en formación profesional. Pero eso no es productivo
para el país. La única situación que verdaderamente es productiva
para el país es un empleo estable, a tiempo completo, con un salario
digno y con protección social. Esa es la única manera de que una
persona pueda desarrollar sus potencialidades a lo largo de su vida
(…).
O Estado espanhol conta hoje com
4.000.000 milhões de mulheres inativas, que não podem trabalhar
porque assumem cuidados familiares; ou seja, porque trabalham em algo
que o capitalismo não remunera. É isto novo? Este precariado é
novo quiçais para os filhos da emigração galega onde as mães
assumiam tudo tipo de trabalhos precários? 300.000 empregadas do
fogar sem amparo no estatuto dos trabalhadores; aqui e em Alemanha,
onde minha mãe limpava escadas até 1994. E tudo isto quando as
mulheres são 43% da oferta laboral e as 46% mais formadas.
Por
sua vez, a classe operária nunca foi um ente inamovível alheio às
mutações do capitalismo. A medida que evolui o capitalismo muda a
classe operária e também a sua representação devido a fatores
históricos, geográficos, culturais, etc. Na Galiza do Atraso
económico en Galiza
eram os camponeses, na Alemanha dos sessenta do século passado eram
os trabalhadores sob o modelo fordista. A classe trabalhadora é
multiforme e flexível, por isso a sua representação
necessariamente muda. Os de abaixo, os 99%, distorce a realidade e
óbvia mais dum século de sociologia marxista. Enquanto a
pós-modernidade veja a classe trabalhadora como trabalhadores
industriais estaremos nesse relativismo inservível para a
transformação social. A classe operária existiu, existe e existirá
com fordismo, pós-fordismo ou o que for... por
não falar de que fordismo segue plenamente vigente, só que
deslocou-se para o ovo
asiático
enquanto o centro do sistema-mundo se alimentava da financiarização.
Após
a Grande Guerra no terreno cultural o modernismo viu a eclosão das
vanguardas e no político a impostura e a desorientação dos
partidos socialistas, que apoiaram a contenda imperialista, foi
maiúscula e semelhante à que vive hoje a esquerda pós-moderna (por
exemplo o governo dos Verdes e a SPD chefiado por Shröeder)11.
Mussolini
como Rosa Díez e tantos outros militava no “socialismo”. Negaram
o eixo esquerda-direita e refugiaram-se no militarismo e no
nacionalismo apresentando-se como neutrais por cima da “velha
política”. Em 1933, o 29 de outubro no teatro da comédia de
Madrid, José Antonio Primo de Rivera, no discurso fundacional de
Falange
Española
afirmava12:
El
movimiento de hoy, que no es de partido sino que es un movimiento,
casi podríamos decir un antipartido, sépase desde ahora, no es de
derechas ni de izquierdas. Porque en el fondo, la derecha es la
aspiración a mantener una organización económica, aunque sea
injusta, y la izquierda es, el el fondo, el deseo de subvertir una
organización económica, aunque al suvertila se arrastren muchas
cosas buenas. Luego, esto se decora en unos y otros con una serie de
consideraciones espirituales. Sepan todos los que nos escuchan de
buena fe que estas consideraciones espirituales caben todas en
nuestro movimiento; pero que nuestro movimiento por nada atará sus
destinos al interés de grupo o al interés de clase que anida bajo
la división superficial de derechas y izquierdas.
Um
partido galego, de massas é de esquerda, é pela configuração da
nossa sociedade interclassista e reproduz no seu seio a comunidade
nacional que quer emancipar-se social e nacionalmente. A noção de
nacionalidade, ao lado da sua natureza política, acaba por ser
resultado duma instância simbólica, consequência duma incessante
construção discursiva cultural – que é um sistema de
representação. Ou seja, não importando as diferenças que
caraterizam os indivíduos duma nação, a ideia duma identidade
cultural nacional – ou duma identidade organizativa– acaba por
construir uma unidade. E quando num processo emergente apenas uma
parte, que aliás é minoritária, produz capital cultural o
resultado é uma radiografia incompleta em que não se espelham as
diferentes partes desse movimento político organizado, com o
corolário que torna impossível construir uma unidade organizativa
por cima de supostas frações de classe organizadas em estruturas
dentro de estruturas. Aliás,
a ideia de nação presume a
convivência de diferentes grupos étnicos e a existência da
estratificação social, além disso, supõe uma síntese de
elementos culturais vários. Naturalmente, esta ideia de síntese,
através da dialética marxista em que acreditamos, não significa
homogeneidade nem parceria, significa, na verdade, uma luta pelo
poder, vencida por determinados valores que acabam por definir o
caráter “nacional” (ou organizativo) a ser instruído e
assumido, daí o grave erro de não dar a batalha das ideias.
4.- Considerações finais
Mediante
este artigo, demasiado extenso para os tempos que correm demasiado
curto para o tema que nos ocupa, fizemos fincapé em que a construção
coletiva duma nova cultura política não é um a
priori do
que um grupo seja depositário, mas há que construí-la na praxe.
Enunciá-la apenas e inserir aí conceitos pouco pertinentes, ou
ainda pior que levam mais a confusão, é a garantia para perpetuar
velhas praxes sob o fato do modismo.
Isto exige uma continuada negociação e construção de ideias,
significados e valores comuns de acordo com uns princípios
ético-políticos.
Também
para que Anova seja uma alavanca para atingir o nosso horizonte
estratégico devemos manter uma continuada vigilância que não deve
confundir-se com a crítica pela crítica. Nos partidos e nos
sindicatos vimos como uma burocracia alimentada pelo “mercado
eleitoral” e as instituições furtou a capacidade transformadora
de muitas forças de esquerda, por isso é tão importante a nossa
particular Glasnot
com medidas como a carta financeira de Anova. O novo e velho sujeito
revolucionário é a classe trabalhadora que deve ser entendida
dentro da reprodução social do sistema-mundo capitalista e as suas
relações de produção e poder. Os
pós-modernismo com as suas etiquetas pouco pertinentes de
pós-política, pós-fordismo, precariado, multidão, etc. contribui
para uma fetichização da linguagem que responde em boa medida ao
fato de estarem as direções dos partidos de esquerda conformadas
pela classe média, inserindo distorções da realidade.
Para
recapitular diremos que, em nossa opinião, no processo da I AN de
Anova a nova
cultura política
– e outros conceitos a ela associados – se converteu mais bem
numa consigna ou palavra de ordem dentro duma polarização interna e
duma luta de poderes onde, a finalidade real de erguer uma nova
cultura política esteve totalmente ausente na praxe. A nova
cultura política,
e as outras etiquetas nomeadas no artigo e também convertidas em
palavras de ordem neste processo, foram então
teoricamente confusa
– diferentes interesses e visões do que é ou não a nova cultura
política e patrimonialização da mesma por um grupo face o resto (a
velha cultura) com
o agravante de estigmatizar às gentes procedentes do BNG e de Ámio,
como se for possível erguer uma nova cultura de costas à maioria da
militância de Anova e do capital humano dos contingentes saídos de
Ámio e impulsores em boa medida de Anova;
sociologicamente
inconsistente
- vendo as praxes presentes e passadas de boa parte dos contingentes
que a enunciam, enquadradas
por vezes no leninismo degenerado pela praxe do socialismo de estado
ou
pelos estigmas de décadas de marginalidade;
filosoficamente
confusa
-ao partir do pós-modernismo e da esquerda denominada líquida; e
estrategicamente
oca
– fora do âmbito interno, pois a cidadania evalua antes de mais a
praxe externa do que o confronto interno, e
sem impacto na praxe real; e
antes de mais evalua, com muito bom critério, a praxe por cima das
retóricas discursivas.
Devemos ter muito claro que a
mudança exige audácia, como nos lembra Sergue Halimi (2013):
El
precedente de los años 1930 ya lo había sugerido: según las
circunstancias nacionales, las alianzas sociales y las estrategias
políticas, una misma crisis económica pude conducir a respuestas
tan diversas como la llegada de Adolf Hitler al poder en Alemania, el
New
Deal
en Estados Unidos, el Frente Popular en Francia y poca cosa en el
Reino Unido. Mucho después, y en cada caso con pocos meses de
diferencia, Ronald Reagan accedió a la Casa Blanca y François
Mitterand al Elíseo; Nicolás Sarkozy fue derrotado en Francia y
Barack Obama reelecto en Estados Unidos.
Na última década a produção
mundial dos principais estados emergentes passou-se de 38 para 50%.
Os produtores e consumidores desses estados foram o exército de
reserva dum sistema-mundo que em 2008 semelhava agonizar. Em 2009,
Alemanha exportava já mais a China do que a EUA e juntos constituem
o topo dos estados superavitarios que mantêm o padrão do dólar.
Segundo Wallerstein [2010] América do Sul foi a «sucess story» da
esquerda mundial durante a primeira década do século XXI. No
entanto, as tensões não estiveram ausentes, falando do texto de
Wallerstein Serge Halimi [2013] diz-nos:
Desde
el momento que ya nadie imagina los principales partidos y las
instituciones actuales modifican siquiera un poco el orden
neoliberal, aumenta la tentación de privilegiar el cambio de
mentalidades por sobre las estructuras y las leyes, de ceder el
terreno nacional para reinvertir a nivel local o comunitario, con la
esperanza de allí algunos laboratorios de futuras victorias. “Un
grupo apuesta por los movimientos, por la diversidad sin
organización central – resume Wallerstein, y otro sugiere que sin
poder político, no se puede cambiar nada. Todos los gobiernos de
América Latina tienen ese debate.
No entanto, a primeira aposta –
como Boaventura e Harvey têm também assinalado sem por isso caírem
no centralismo democrático do modelo leninista– é um espelhismo.
A classe dominante, solidária, mobilizada, consciente dos seus
interesses, dona da terra e da força pública facilmente esmaga uma
sociedade civil despedaçada num sem fim de associações,
sindicatos, ciumentos de guardar a sua autonomia face os partidos
políticos, e que reagem mal quando há que fazer política
confundido-a com partidismo. Talvez, por isso, a ilusão da Internet
seja tão forte: a “organização em rede” é a carauta teórica
para a falha de organização, de reflexão estratégica, pois a rede
não tem mais realidade que o fluxo circular de comunicados
eletrónicos que todo o mundo reencaminha e ninguém lê.
Os partidos de esquerda ou
centro-esquerda ganharam múltiplas eleições e a integração
regional oscila entre a irrupção duns mercados mundiais maiores e
a construção do socialismo para o século XXI. Governos como os de
Equador, Bolívia ou Venezuela demonstraram que, de existir vontade
política, há alternativa ao ultraliberalismo se se criam as
condições para o êxito, que exige reformas estruturais económicas
e políticas. A função do partido político segue a ser fundamental
e uma rutura pela esquerda no nível político é fundamental para
retro-alimentar a potencialidade auto-organizativa da sociedade
civil:
Reformas que vuelven
movilizar a las capas populares a las que la falta de perspectiva
había encerrado en la apatía, el misticismo o la tendencia a
arreglárselas de cualquier manera [Halimi, 2013].
Compre reforçar o público até
cobrir todas as necessidades básicas, na medida da sua evolução
histórica, o qual apenas é possível restituindo à comunidade
todos os seus recursos e riquezas. A esquerda para fazer a mudança
precisa necessita audácia e passar à ofensiva, converter a potência
dos seus programas em ato, em praxe (o que apenas é possível nesta
altura juntando forças em frentes amplas e organizações
interclassistas):
Un programa
semejante, deliberadamente, ofensivo tendría tres ventajas. Primero,
política: aunque podría reunir una coalición muy amplia es
irrecuperable para los liberales y la extrema derecha. En segundo
lugar, ecológica: evita un estímulo keynessiano que, al prolongar
el modelo existente, significaría que “una
suma de dinero importante se inyectaría en las cuentas bancarias
para ser redirigida al consumo mercantil por la política
publicitaria”. (…) Por último, una ventaja democrática: la
definición de prioridades colectivas (…) ya no quedaría reservada
a unos pocos (…) [Halimi, 2013].
No estado atual da relação de
forças mundial, a aceleração da robótica no emprego industrial e
também nos serviços ameaça com reduzir o custe de trabalho,
aumentar o mais-valor e a taxa de ganho do capital e, em definitiva,
criar um desemprego maciço cada vez menos indemnizado que permita
aumentar a taxa de ganho do capital, ao tempo que se disciplina a
classe trabalhadora, tentando desagregar, mais uma vez como sempre na
história do liberalismo, a demanda efetiva dos salários13.
As dez maiores companhias de Internet (Google, Facebook,
Amazon...) apenas criaram 200.000 postos de trabalho, mas
ganharam centos de milheiros de milhões na bolsa.
“En una situación
de sobreendeudamiento histórico – señala, sin embargo, el
economista Frédéric Lordon-, sólo se puede elegir entre el ajuste
estructural al servicio de los acreedores y una u outra de ruína”.
La anulación de una parte o de toda la deuda equivaldría a expoliar
a los rentistas y financieros independientemente de su nacionalidad,
después de habérselo concedido todo [Halimi, 2013].
Assim, a comunidade recuperaria
ingressos fiscais delapidadas por trinta anos de ultraliberalismo
que, apenas na UE, achegam-se ao bilião de euros.
(…) para elaborar
una estrategia, imaginar su base social y sus condiciones
de implementación políticas, es mejor elegir un número reducido de
prioridades que componer un catálogo destinado a reunir en las
calles una multitud heteróclita de indignados que se dispersaría
con la primera tormenta [Halimi, 2013].
A questão do euro também é
necessária focá-la na esquerda radical europeia. Para Domènech se
a Eurozona de desintegra as consequências seriam terríveis e os
réditos políticos para a extrema-direita. Não há, segundo o
catalão, nenhum economista competente que aposte pela saída do euro
sendo esta uma bandeira que, pelo geral, arrebola o esquerdismo para
apresentar-se como mais radical... A rutura do euro mudaria
substancialmente o peso de Europa no mundo hoje e dificilmente pode
ver-se em que melhoraria a situação da classe trabalhadora: 7% da
população, 50% do gasto social, 23% da produção mundial.
Por sua parte Yanis Varoufakis,
na sua obra O minotauro global, opor-se-á igualmente à saída
do euro e, em troca, fez sua conhecida “Modesta Proposição”
[Varoufakis, 2012]14.
Segundo, Antoni Domènech, a Eurozona desenhou-se para que ninguém
pudesse nunca sair, evitando que algum tubarão financeiro repetira o
de Soros com a libra esterlina, quem apostara contra o euro
perderia15.
Estados pequenos como Grécia
(onde Merkel chantageou ao povo trabalhador grego com a expulsão da
Eurozona se, como Chomsky ironiza amiúde, se “equivocava”
votando a Syriza) e até Chipre não foram expulsos de Eurolândia. E
porque? A saída do euro trairia consigo um imediato pânico
bancário, fuga de capitais e quebra bancária na periferia. A fuga
de capitais que já acontece agora é compensada pelo BCE pelos
excedentes do Banco Central Alemão, uma dívida do BCE com o
Deutchsbank que ascende já a 1 bilião de euros, 40% do PIB
germano. Sair do euro acentuaria a fuga de depósitos sem capacidade
do BCE para outorgar liquidez à periferia. Esta rutura de Eurolândia
destruiria, antes de mais, 40% do PIB alemão da noite para a manhã
e ipso facto, num intervalo máximo duma semana, conduziria a
quebra de todas as bancas privadas. Isto por não falar dos ataques
especulativos contra as novas moedas que as deixariam sem valor...
sendo isto em boa medida causa duma das mais sangrentas guerras após
a II Grande Guerra e conduzindo a uma conjuntura onde ou se impõe o
fascismo ou a correlação de forças favorável para a classe
operária conduz à Guerra Civil 16.
A reconquista da soberania deve
figurar na cerna de qualquer programa sério. Porém, a saída do
euro – mas de quê forma e a quê preço- como proposta para a
reconquista da soberania não parece passar duma supercharia para
certa esquerda que não garante por sim própria vitória de nenhum
tipo, como o Reino Unido e Suíça o demonstram. Para Halimi as
conclusões são semelhantes [2013]:
La salida del euro,
un poco como el proteccionismo [quando
os lanhos do padrão-ouro, em que se sustentava a economia política
da hegemonia britânica, entravam em falência na I Globalização e
o protecionismo era a resposta ao laissez-faire]
está basada en una coalición política que combina lo peor y lo
mejor, y en cuyo interior el primer término se impone sobre el
segundo. La renta básica, la reducción de la deuda y la
recuperación fiscal permiten obtener resultados similares, pero
evitando los efectos no deseados.
No programa para sentar os
cimentos do socialismo democrático, as reivindicações gerais ou
demasiado numerosas devem evitar-se, já que apresentam problemas
para exprimir-se politicamente a longo prazo. Uma ampla coligação é
mais doado que emerja segundo o ultraliberalismo contrai a sua base
social. Devemos igualmente tomar boa nota do fracasso estratégico
das revoltas da “indignação” para desenhar o caminho da
rebelião:
En Egipto, la
respuesta la dieron... los militares. La mayoría del pueblo se
oponía, con todo tipo de excelentes razones, al presidente Mohamed
Morsi, pero, a falta de cualquier otro propósito que el de asegurar
su caída, le entregó el poder al ejército, a riesgo de convertirse
en su rehén hoy y su víctima mañana. Porque a menudo, no tener una
hoja de ruta equivale e depender de aquellos que si la tienen.
La espontaneidad y
la improvisación pueden favorecer un momento revolucionario, pero no
garantizan una revolución. (…) La metáfora de Acardo se aplica
aquí: la presencia en una mesa de todas las partes de un reloj no le
permite hacerlo funcionar a alguien que no tiene un plan de montaje.
Un plan de montaje es una estrategia. En política, uno puede ponerse
a gritar o puede pensar el plan de montaje de las piezas.
(…) Una revolución
Wikipedia, en la que cada cual añade contenido no repará el
reloj.
Estos últimos años,
algunas acciones localizadas, aisladas, febriles, dieron origen a una
protesta enamorada de si misma, una galaxia de impaciencias e
impotencias, una sucesión de desalientos. En la medida en que las
clases medias a menudo constituyen la columna vertebral de estos
movimientos, tal inconstancia no sorprende: éstas solo se alian con
las categorías populares en un contexto de peligro extremo, y
siempre que puedan recuperar rápidamente la dirección de las
operaciones [Halimi, 2013].
A prioridade atual, como nos
lembrou na I AN o nosso porta-voz nacional, Xosé Manuel Beiras
Torrado, é implementar Anova por toda a Galiza, desenvolver o nosso
projeto estratégicos, ganhar credibilidade perante cada vez mais
galegos e juntar forças com outras organizações de massas que
assumam como prioridade a luta de classes, que nesta altura passa
pelo combate do ultraliberalismo, e a democracia republicana e
radical, onde se inclui o direito a decidir de todos os povos que
conforma o Estado espanhol... ou seja, audácia, trabalho,
compromisso, fraternidade e organização para o confronto perante um
gigante: o capitalismo.
E já para rematar fechamos este percurso sobre alguns dos desafios
da esquerda galega hoje com uma muito acertada sentência de Harvey
[2013b]:
Não devemos, portanto, nos restringir dizendo: “esta
é a única estratégia que vai funcionar”. Podemos adotar
diversas, todas as que forem possíveis.
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2Alguns
exemplos destas formulações, fundamentalmente pós-modernas para
bem e para mal, da nova cultura política
que podem dar-lhe ao leitor uma ideia do que imos expor (e também
até onde isso responde a uma sincera reflexão sobre o novo ou por
vezes pode ocultar as sempre existentes lutas de poder nos grupos
humanos, isto será
especialmente diáfano para as pessoas que viveram o processo de
reconstrução do nacionalismo galego e por ser esta uma aproximação
simplesmente a opacidade será maior para as pessoas alheias a este
processo). São
tudo artigos de opinião e até a data desconhecemos qualquer estudo
minimamente pormenorizado sobre o tema na Galiza. Também se
organizaram diversas palestras para focar esta nova
cultura política
fundamentalmente desde as
assembleias mais urbanas de Anova e com uma assistência,
fundamentalmente, composta por militância.
A modo de exemplo deixamos algumas amostras:
Arias, Pepe (2013,
a), “Dar-lhe corda a umha nova cultura política” em Praza
Pública:
http://praza.com/opinion/999/dar-lhe-corda-a-umha-nova-cultura-politica/
________
(2013, b), “Ferramentas para umha nova cultura política” em
Praza Pública:
http://praza.com/opinion/1035/ferramentas-para-umha-nova-cultura-politica/
_________
(2013, c), “Nom se podem
pôr cancelas ao mar” em Praza Pública:
http://praza.com/opinion/1098/nom-se-podem-por-cancelas-ao-mar/
Dobao,
Antón (2013, a), “Encrucilladas” em Praza Pública:
http://praza.com/opinion/288/encrucilladas/
___________
(2013, b), “Igual, non dá igual” em Praza Pública:
http://praza.com/opinion/1135/igual-non-da-igual/
Dopico,
Rafael (2013), “Partido-movemento, algo máis que unha marca” em
Praza Pública:
http://praza.com/opinion/1124/partido-movemento-algo-mais-que-unha-marca/
Martínez
Barreiro, Manuel (2013), “Anova, entre a vella e a nova cultura
política” em De Paso:
http://concheiros.net/dpaso/?p=285
Monteagudo,
Henrique (2012), “Por unha nova cultura política” em El País
(10-5-2012):
http://ccaa.elpais.com/ccaa/2012/05/10/galicia/1336668533_784389.html
Rodríguez
Rodríguez, David (2013, a), “Da AN de Anova, do fin de ciclo e
dos peixes rémora” em O Funambulista
Coxo:http://ofunambulistacoxo.blogspot.com.es/2013/06/da-de-anova-do-fin-de-ciclo-e-dos.html
______________________
(2013, b), “Por que queremos tanto a Beiras” em O
Funambulista Coxo:
http://ofunambulistacoxo.blogspot.com.es/2013/06/por-que-queremos-tanto-beiras.html
Rodríguez
Rodríguez, David e Antón Dobao (2013, c), “Anova, o la república
del dios Jano” em Viento Sur:
http://vientosur.info/spip.php?article8099
3O
recolhido neste parágrafo é material recopilado a 30 de novembro
de 2013 na apresentação do livro Exhortación á desobediencia
de Xosé Manuel Beiras, que
contou com a presença de Antoni Doméch, Marga Tojo e Raul
Asegurado.
4Temos
pronunciado alguma reflexão sobre a Primavera
Árabe desde
uma perspetiva histórica em correlação com as revoltas de 1848:
“A primavera dos povos” em À
revolta entre a mocidade:
http://revoltairmandinha.blogspot.com.es/2011/03/primavera-dos-povos.html
5Sobre
a I Globalização temos feito uma análise desde a perspetiva atual
no artigo “A I Globalização: algumas liçoes para o presente”
em À Revolta entre a mocidade:
http://revoltairmandinha.blogspot.com.es/2013/11/a-i-globalizacao-algumas-licoes-para-o.html
6A
economia do Estado espanhol funciona hoje apenas com metade da força
de trabalho juvenil. Social e tecnicamente seria viável uma renda
básica, o reparto do trabalho (jornadas de 4-5 horas) para que a
energia juvenil criasse alternativas de cooperação, solidariedade,
lazer sem consumo... Esperar a reativação económica sem mudar o
modelo produtivo é uma utopia (e como em qualquer utopia a
componente reacionária é evidente). E a mudança em curso é
letal: desmantela-se a universidade e a investigação ao tempo que
se aposta pelo turismo: guias, camareiros... Isso complementa-se com
os “empreendedores”, onde algum êxito individual – e
limitado– não pode compensar centos de fracassos [González
Parada, 2013].
7Badiou
[2013] lembra-nos os quatro significados da palavras povo: o
significado fascista, o significado estatalista e jurídico, o
significado nas lutas nacionais e o significado que tem na ação
política encaminhada à emancipação igualitária.
8É
notório que a mídia galega, Praza Pública,
Sermos Galiza ou
Galicia Confidencial
difundiram uma visão da assembleia muito concreta. Mas equánime,
se bem não faz referência a quem defendia uma ideia
estática
de frente ampla e sim à velha guarda
foi o Novas da Galiza
(nº 127). Em tudo caso,
cumpre lembrar com Toni Morrison que «as
definições pertencem aos definidores, não aos definidos».
9
No
entanto, Domènech assiná-la também como a aspiração da
fraternidade corresponde ao cristianismo, herdeiro do igualitarismo
justiceiro bíblico, o mérito histórico de transformar
revolucionariamente a solidariedade cidadã em amor ao próximo e à
humanidade, desde a `perspetiva da codifico de irmãos, quanto
filhos de deus, dos Seres Humanos. Porém, é igualmente certo que
nas suas origens este conceito de fraternidade foi apolítico quando
não anti-político. Não obstante, a tese de que em virtude do
poder absoluto divino todos os homens se convertem em iguais e se
mostram como seres que merecem a redenção deu pé a construções
como às das cidades, a um desprezo da escravatura e, em geral, a
tentativas muito diversas de institucionalização da fraternidade e
do apoio aos débeis. Que esta fraternidade também se eclipsara, e
por razoes não muito diferentes às que Domènech cataloga a
propósito da «fraternidade
dos modernos» é algo que o leitor interessado pode completar no
magnífico livro sobre a fraternidade do catedrático catalão.
10O
título desta alinha tomamos-o do livro Contra o pos-modernismo
(Compostela: Laiovento) de Alex
Callinicos, onde se refere ao pós-modernismo surgido da deceção
do maio do sessenta e oito francês.
11"Shröeder
consigue el apoyo del Bundestag al envío de tropas a Afganistán
pese a la rebelión interna", ABC,
17-11-2001:
"Shröeder
aplica, a un mes de las elecciones, una reforma laboral para reducir
el paro a la mitad", ABC,
17-08-2002:
13Na
década de 80 a contra-reforma utlraliberal sustenta a sua
arquitetura na iniciativa de Paul Volcker, presidente da Reserva
Federal dos EUA entre agosto de 1979 e agosto de 1987 (nas
presidências de Reagan e Carter). Volcker assumiu que os EUA são
uma potência deficitária renunciando a recuperar a sua potência
industrial, o que lhe deixava a Alemanha, Japão e, finalmente,
China. Esses excedentes reciclam-se, por sua vez, em Wall Street
construindo um imenso esquema Ponzi que se afunde em 2008, ao não
ser possível desagregar durante muito tempo a demanda efetiva dos
salários (para o que o ultraliberalismo ao descer a produtividade
recorreu ao crédito e a bolha imobiliária – o que aplica
atualmente em muitos BRIC'S com uma classe média emergente). China
hoje tem 2 biliões de letras do tesouro dos EUA, 2 vezes o PIB do
Estado espanhol.
14Veja-se
também um artigo recente de Yanis Varoufakis (2013) sobre Syriza e
as possibilidades da esquerda em Eurolândia: “Pode Syriza mudar a
economia europeia desde Grécia?” em À Revolta entre a
mocidade:
http://revoltairmandinha.blogspot.com.es/2013/12/pode-syriza-mudar-economia-europeia.html
16Referimo-nos
à I Guerra do Congo que se iniciou com um amotinamento do exército
quando Mobutu tentou pagar em 1993 os soldos com notas de 5 milhões
de zaires (por volta de 2 dólares), já recusadas em 1992 por não
terem valor. Em 1994 o genocídio entre hutus e tutsis provocou uma
onda de refugiados que nem o Governo de concentração nacional que
Mobutu encabeçava pus evitar que desestabilizaram ainda mais o
polvorim congolês. Após a guerra o Zaire passou-se a ser a
República Democrática do Congo, mas as forças vizinhas e
imperialistas – cobiçosas da grande riqueza natural do estado
africano- prolongaram e financiaram uma nova guerra civil: a II
Guerra do Congo, a Grande Guerra Africana ou a Guerra do Coltão,
que se desenvolveu entre 1998 e rematou oficialmente em 2003 no
Acordo de Pretória (seguindo, no entanto, ativa numa intensidade
mais “baixa”, mas causa 45.000 vítimas cada mês). Envolveu a
25 grupos armados, oito estados africanos e causou 3'8 milhões de
mortos.
17Trata-se
do Trabalho Fim de Máster (TFM) apresentado no curso 2010/2011 e
cujo tutor foi o professor da faculdade de Psicologia Alfonso García
Tobío, ativista em Fírgoa.
De momento, este trabalho não foi ainda publicado.
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