30/12/2013

Reforma económica e socialismo na China

Alejandro Nadal, membro do conselho editorial de SinPermiso. Artigo publicado originariamente em La Jornada (27-11-2013) tirado por nós de SinPermiso (aqui), desde onde foi traduzido por À revolta entre a mocidade.


O terceiro pleno do XVIII congresso do Partido Comunista chinês será recordado sempre pela nova onda de reformas económicas que aprovou. Esta nova série de reformas é comparável às que introduziu o partido em 1979 baixo a autoridade do então primeiro secretário Deng Xiaoping. Aquelas transformações abriram as portas do espaço económico chinês ao investimento estrangeiro orientada para o mercado internacional. As reformas desta sessão plenária têm objetivos diferentes.

As reformas de 1979 estabeleceram uma mistura de regulação através de planos quinquenais e do mercado que procurava chegar a algo que poderia se descrever como "socialismo de mercado". As reformas concentraram-se em transformações nas empresas do Estado, mudanças na operação das finanças, os impostos, a determinação de preços e o comércio exterior. Para as empresas públicas introduziram-se mudanças em matéria de retenção de utilidades, bónus de desempenho económico e excedentes por acima das quotas afixadas nos planos quinquenais. A partir de 1984-86 a transferência de utilidades foi substituída com impostos sobre os ganhos e muitas empresas públicas puderam começar a vender os seus excedentes (sobre as quotas dos planos quinquenais) no mercado livre. Entre 1987-92 introduziu-se um novo sistema de contratos de responsabilidade e em 1993 outorgou-se às empresas públicas uma maior categoria de autonomia. A cultura de desempenho económico foi interiorizada a todo o longo da hierarquia das empresas públicas e o emprego de orçamentos internos generalizou-se.

Outro grupo de reformas permitiu o investimento estrangeiro direta (IED) em múltiplos ramos da indústria. Mas a IED esteve orientada primordialmente para o mercado externo e só uma fração da produção se pôde dirigir para o mercado doméstico. As zonas económicas exclusivas converteram-se em um local de intercâmbio de tecnologia por mão de obra barata. Neste gigantesco esquema de divisão internacional de trabalho China conseguiu adquirir uma enorme base exportadora em muito pouco tempo, enquanto as corporações ocidentais (em especial, estadunidenses) forneceram-se de uma enorme dotação de mão de obra barata e assim puderam escapar das restrições que vinham experimentando nas suas próprias economias. A desindustrialização em boa parte dos Estados Unidos e algo da Europa é consequência deste processo.

Hoje as mudanças que se vêem no horizonte são bem mais profundas. Trata-se de abrir o mercado doméstico ao investimento estrangeiro. Isto implica uma transformação radical na economia que se vem em cima a grande velocidade. China e a União Europeia estão em negociações sobre um possível acordo bilateral de investimentos. As reformas também seriam uma resposta de Pequim ao acordo-transpacífico que promove os Estados Unidos.

Aqui neste Pequim gelado todos sabem que a primeira onda de reformas esteve relacionada com as mudanças que não era difícil levar a cabo e para os quais não tinha demasiada oposição. Hoje as reformas dirigidas a abrir o mercado doméstico serão mais difíceis de instrumentar. As empresas públicas que operam na economia chinesa terão que enfrentar a concorrência de empresas estrangeiras e das suas subsidiarias. Aqui é onde as coisas pôr-se-ão complicadas: terá ajustes e ramos inteiros desaparecerão. Na China há muitas indústrias crepusculares que estão sentadas em barreiras artificiais que lhes brindam proteção, mas tão cedo entre a concorrência derrubar-se-ão como casoupas de três paus. Também é provável que o comité de reformas no PCCh promova a privatização de várias indústrias e até obras de infraestrutura.

O outro grande setor que será impactado pelas reformas é o financeiro. O saneamento dos bancos é uma tarefa urgente para enfrentar a mudança estrutural que levar-se-á a cabo. Ademais, a liberalização da conta de capital é indispensável se Beijing quer projetar o renminbi como moeda de reserva a escala global. Nos últimos anos Pequim multiplicou os seus acordos de swaps de divisas com numerosos países, sinal inequívoca de que a hierarquia está consciente da transformação que se está a operar na economia mundial. Todo isso requer de uma reforma financeira mais profunda como parte da desregulamentação do sistema financeiro que agora se anuncia com maior força. Mas o capital financeiro pode converter em um dragão que nem sequer China consiga controlar.

Se a primeira onda de reformas ofereceu às companhias trasnacionais mão de obra barata em oferta quase ilimitada, a segunda onda promete entregar ademais um mercado gigantesco
. Deng Xiaoping, um dos principais arquitetos das reformas económicas na China, afirmou em uma ocasião que a pobreza não é o socialismo. A hierarquia do Partido Comunista chinês deverá vigiar que a via capitalista baixo o neoliberalismo não termine por devorar o que fique do caminho chinês para o socialismo.

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