16/04/2010

Contra o consenso indolente, Francisco Louça



“Sou candidato porque quero acabar com o consenso indolente: o consenso é o pai de a irresponsabilidade”.

Artigo tirado de aqui.






Houvo hai pouco tempo um primeiro ministro que, confrontado perante qualquer dificuldade, desalentava com um “que é que querem vocês, é a vida”. Esta indiferença parece tomar corpo no país: “é a vida” tornou-se em disculpa para o atrasso, para a pequenice, para a injustiça. O inevitável desarma o urgente, a rotina massacra modernizaçom; “é a vida”. É o refrám dum país parado.


E está de facto parado. Trinta anos despois do 25 de Abril, os dous grandes impulsos de transformaçom desse tempo parecem esgotados: a democratizaçom, que nasceu com a revoluçom, e a normalizaçom, que se consolidou com a integraçom europeia. A democracia está sendo corrompida polo privilégio, e Europa, pola renúncia.


O filósofo José Gil chamou a estas abdicaçons a cegueira, resultado dumha democracia de consenso de baixa intensidade sem o reconhecimento e o combate das diferenças, e mostrou como é que a restriçom do espaço público pola onipresença do populismo, tanto político como da indústria do lazer, evapora a democracia. Onde nom hai soluçom, hai espectáculo: “é a vida”. Esta cegueira é o consenso.


Som candidato porque quero acabar com o consenso indolente: o consenso é o pai da irresponsabilidade. Porque pagamos hoje um preço imenso por esta cegueira triste: o feche do regime político e a podredume do regime social som os resultados destes longos anos de preponderáncia do bloco central.


A podredume é a tragédia mesmo de Portugal, e a responsabilidade é da elite que nos domina: quem manda, nom sabe, e quem pode, nom quere. Esta elite viviu do delírio colonial durante séculos, fixo umha guerra que apenas podia perder, habituou-se a ser umha aristocracia de privilégios e concebe agora como sempre o Estado como um cam-de-guarda dos seus poderes e negócios.


Os antigos capitans de indústria do Imperio som hoje barons das finanças: com o seu chefeado nom se aprende, especula-se; nom se produze, vende-se; nom se inventa, compra-se: “É a vida”. O ouro de Brasil acabou-se, os fundos comunitários estám-se acabando e Portugal é o país com maior desigualade entre os mais ricos dos mais ricos e os mais pobres dos pobres, com um desemprego real que atinge 10%, o terceiro número maior de trabalhadores precários de Europa e a maior dívida externa (a empresa portuguesa que mais exporta é estrangeira e pode ir-se todavia em 2011). A um tempo, a corrupçom converteu-se num modo de vida, e 20% da economia nom paga impostos: “é a vida”.


Por enquanto, a verdade das contas que interessam é ocultada pola espiral do crédito: nos últimos dez anos, o endividamento das famílias passo de 40% a 118% em términos do seu rendimento disponível. O futuro vai ser pagado em prestaçons por quem apenas tem já.


Nom nos enganemos: Portugal está-se sumergindo num ciclo de decadência e empobrecimento, e o único problema da democracia é saber como se ajuntam as energias sociais para invertir esta situaçom e salir do atrasso.


O bloco central governante decata-se perfeitamente deste ciclo de crise e por isso quer impor o totalitarismo do discurso do consenso e a um tempo esganar a democracia com o populismo nos círculos uninominais: o mais grave atentado que se podia conceber contra o pluralismo e a verdade das eleiçons.


Som candidato porque é indispensável que haja quem luite contra esta irresponsabilidade. Som candidato porque cumpre que alguém se oponha ao salve-se quem puder que se está instalando em todos os níveis entre os poderosos: os administradores públicos concedem-se a si próprios os maiores ordenados e dádivas de Europa, e temos o espectáculo obsceno de governantes que, sendo jubilados antecipados, queren aumentar a idade de jubilaçom para os demais. O tráfico de interesses entre governantes e empressários é simbolizado escandalosamente polo transformismo identitário das figuras que som ora umha cousa ora al outra, como se todo for o mesmo.


Som candidato para combater esta política de podredume. Som candidato para apresentar alternativas movilizadoras, para trair umha nova visom ao país e, em particular, ao fim de elegir como branco da acçom cinco grandes objectivos para os próximos cinco anos:


O primeiroc objetivo é criar um sistema de protecçom social universal e justo. Só esta determinaçom permitirá responder à questom mais urgente do país, que é a do desemprego de mais de meio milhom de homes e mulheres. Quero apresentar alternativas para a protecçom social tamém a longo prazo, porque o sistema que existe hoje nom é nem universal nem justo; nem tan sequer sustentável. Hai hoje mais de 2,5 milhons de pensionistas e apenas 1,7 activos por cada pensionista. Antecipa-se por isso que o fundo total para a segurança social se eleve de 12,9% do PIB em 2000 a 16,1% em 2007. A proposta de reduzir este coste elevando a idade de jubilaçom é estremadamente injusta: A esperança meia de vida dos hombres é agora de 74 anos e o aumento da idade de jubilaçom condenaria a umha vida enteira de cotizaçons e a quase nengumha prestaçom de jubilaçom.


Nos próximos cinco anos, é precisa umha mudança radical do sistema de financiamento para garantir umha segurança social igual para todas e todos, utiliçando umha parte dos impostos e alterando a regra da cotizaçom para que as contribuiçons das empresas sejam proporcionais ao valor engadido.


Nos próximos cinco anos, precisamos dar grandes passos na convergência da segurança social, começando por abaixo, polos mais pobres, e criando umha pensom mínima nacional ao nível do salario mínimo: essa opçom custa 0,6% do PIB e é financiável mediante um aumento do IVA.


O segundo grande tema para os próximos cinco anos é a reforma da justiça. Com um milhom de processos pendentes, con processos arrastrados durante vinte anos, com comareiros tan elevados, que impedem que os pobres cheguem aos tribunais, com mais presos que a meia europeia, sendo quarta prepventivos, a justiça nom é um pilar de liberdade. Tem que chegar a sê-lo. Em cinco anos, é preciso salvar à justiça., criando as condiçons para priorizar a luita contra a corrupçom. Para umha justiça accesível e eficaz, e para reduzir o prazo máximo de prisom prepventiva polo menos num ano.


O terceiro grande debate é sobre o renacimento cultural que o país necessita. Instalou-se a ideia de que a cultura é um luxo, e de que a maioria dos portugueses se contenta com lixo. Nada mais falso: a exposiçom de Paula Rego tivo 157 mil visitantes e vendérom-se cinco milhons de livros da colecçom “Mil folhas” (Periódico Público). O país exige e deve de ter a libertade dumha criaçom cultural viva, assi como um apoio empenhado na criaçom de públicos e na existência de diversidade, o que contrsata vivamente com a actual inversom estatal em cultura, que continua por baixo de 1% do orçamento.


A quarta grande questom é a revoluçom ambiental. Portugal continua a ser o país com maior desperdício energético da Europa dos 15, o país onde se perde 40% da auga canalizada. Por volta da metade dos portugueses nom é atendida por estaçons de tratamento de augas residuais. Pior ainda: Portugal já está um 14% por cima do limite de emissom de gases de efeito estufa fixado polo protocolo de Kioto. Nada se tem feito ao respeito. O estado é ambientalmente irresponsável e nom haberá modernizaçom sem um troco drástico no comportaento público e privado em relaçom ao meio ambiente.


Finalmente, a quinta grande questom que quero suscitar é Europa. O silêncio consensuado sobre a Uniom Europeia esconde um déficit tremendo e um impasse preocupante. Agora bem; é en Europa e com Europa como podemos e devemos determinar políticas coerentes à hora de atingir o pleno emprego, assi como na cooperaçom para a investigaçom científica, na educaçom e na criaçom de estándares mínimos de protecçom social. A UE vai hoje numha dirección contrária, e nom outra é a razom profunda da sua crise: Com a adesom de Blair à grande mentira da guerra imperial no Iraque, e agora com a coligaçom CDU-SPD na Alemanha, é o liberalismo gananceiro o que destrói Europa. É precisso derrotá-lo.


A minha candidatura serve para assumir responsabilidades em todos esses terrenos e para combater um estilo, um ambiente e umha política que nos di que o país está como está porque nom pode estar de outra forma. É o que nos vam a repetir os que repetem como candidatos. É o que vam repeter os que representam as políticas que provocárom as crise. A esses digo-lhes simplesmente que nunca mais me digam que nom se pode fazer nada, que “é a vida”, para justificar a renúncia e o consenso. Eu nom desisto.


Som candidato porque, para vencer, a esquerda precissa dum combate clarificador contra as causas da crise nacional, e nesta eleiçom, imos escolher entre grandes ideais para o país. É portanto um tempo de rigor e franqueza. Os ajustes de contas, as antipatias, as pequenas divisons nom merecem o respeito dos eleitores. Polo contrário, é tempo de un grande combate político em nome da esquerda socialista moderna contra o conservadurismo e a situaçom política dominante.


Para vencer, a esquerda tem que acreditar em seus valores: esses valores som a minha vida. Para vencer, a democracia precissa romper o consenso indolente: o combate contra a podredume é minha razom. Para vencer, a esquerda precissa de ideias fortes: é o que debatirei com todos os meus adversários.


Os eleitores escolherám quem vai à segunda volta, e esse é o sentido da minha candidatura: merecer a confiança de todas e todos quantos procuram por umha esquerda maioritária que queira vencer a condea ao atraso, que se enfrente com as elites dominantes, e que enjeite a lei da injustiça.


Esta nom é a campanha dumha soa pessoa: É todo um movimento socialista popular o que é convocado, é toda a esquerda plural a que é chamada. Aqui estou. Aqui estamos: “é a vida”. É a nossa vida, esta campanha de olhos nos olhos, com as pesoas que sofrem, que se inquedam, que se preocupam polos outros, que queren derrotar o cinismo, a incompetência, a explotaçom e a desigualdade.






Francisco Louça é deputado do Bloco de Esquerdas, economista, professor da Universidade de Lisboa, onde dirige a Unidade de estudos sobre a complexidade na economia.

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