Não precisa ir muito longe na história para descobrir que o significado cultural da palavra emergente nunca esteve tão por cima. Bastaram alguns indicadores sociais positivos, um crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) acima da média mundial, um papel estratégico na questão dos combustíveis limpos e pronto. Emergente por aqui deixou de ser sinônimo de madame arroz-de-festa para ser o principal adjetivo de um país que até bem pouco tempo era conhecido por clichês ligados ao futebol, ao samba e ao exotismo da Amazônia.
O documentário “Um olhar estrangeiro”, de 2005, dirigido por Lucia Murat, mostra isso com uma crueza real e chocante. Foram entrevistados diretores e produtores de filmes estadunidenses e europeus em que o Brasil teve um papel central na trama, dentre eles Greydon Clark, diretor do filme “Lambada, a Dança Proibida” e Philipe de Brocca, diretor de “L’homme de Rio”.
Um estadunidense e um francês, respectivamente. O primeiro foi responsável por fazer um filme ambientado na floresta amazônica (mas filmado na Flórida), cujo pano de fundo era a lambada, ritmo caribenho (e não brasileiro) que fazia muito sucesso no ocidente no fim da década de 1980. O segundo filmou um dos grandes sucessos de bilheteria na França. No filme, o protagonista é raptado por um grupo que busca uma “civilização perdida” na Amazônia. No fim, o sujeito chega a Brasília para enfrentar inimigos entre as edificações recém-construídas de Oscar Niemeyer.
Pequenas entrevistas com norte-americanos, franceses e também suecos preenchem o documentário. Nelas, não faltam clichês ao se imaginar o Brasil: uma terra exótica onde as mulheres andam de topless, disse uma; um país onde as pessoas vivem felizes, alegres e não gostam de trabalhar, disse outro.
Emergente? Quem disse? A pergunta continua no ar. Saindo do campo documental e indo para a esfera jornalística, teremos entre os grandes jornais e revistas o hábito de comprar matérias produzidas por agências de notícias. Agências como a inglesa Reuters, a francesa France Press além do jornal estadunidense New York Times são responsáveis por boa parte (quando não toda) dos cadernos e sessões de notícias internacionais.
O jornalista, ao receber o conteúdo produzido por estas agências, seleciona juntamente com seus editores o que vai ser publicado. Por uma questão contratual, o veículo não pode simplesmente copiar e colar o que foi enviado. Ai, o jornalista “cozinha” a matéria do mesmo modo que ele, no colegial, pegava a redação do moleque mais CDF da classe, mudava algumas palavras e entregava o frankstein para garantir nota.
O jornalismo internacional vive de seus franksteins também. A expressão “emergente” certamente deve ter vindo de um deles – e nós, pelo visto, aceitamos na boa. E aqui estamos reproduzindo-a como se tivéssemos saído do mundo colonizado para, em breve, desembarcar na high society mundial.
O mesmo se aplica ao tal do etanol. Alguém por acaso chegava no posto e pedia pro frentista por “ 10 reais de etanol?”. Desde que o Willian Bonner trocou álcool por etanol, os postos de gasolina nunca mais foram os mesmos.
O problema pode parecer simples, mas é bem mais complexo. Foi por isso que a UNESCO, no final dos anos 70, começou a divulgar os primeiros resultados do relatório McBride, conhecido também como “Um mundo, muitas vozes”. Nele, ficou provado que a imprensa dos países pobres (do sul, dentre eles o Brasil) é pautada pelo que os países ricos (do norte, dentre eles EUA, Inglaterra e França) pensam sobre nós. Nós, por exemplo, não somos capazes de gerar notícias sobre a França com base em nosso olhar sobre eles. A contrapartida, no entanto, existe.
No 2008 que passou, o relatório McBride completou 25 anos desde os primeiros resultados divulgados. As discussões em torno dele apontaram na época para a necessidade de criarmos a NOMIC (Nova Ordem Internacional da Informação e Comunicação) em que todos os países se engajariam na busca por um equilíbrio na relação de produção de noticias NortexSul, Sulx Norte, NortexNorte e SulxSul. O projeto, no entanto, miou pois os EUA, país responsável pela base orçamentária da UNESCO, sairam da instituição com o receio de que uma nova ordem poderia prejudicar a hegemonia cultural e política do país no mundo.
Embora haja uma crescente oferta de veículos alternativos com a chegada da internet (dentre eles, o Patifúndio!) que procuram estabelecer uma conversa franca “de colonizado para colonizado”, muito ainda precisa ser feito. Um exame cuidadoso e cético sobre o que até nós nos chega pela mídia brasileira pode ser o primeiro passo para que a construção de mundo feita em nossas cabeças não esteja impregnada de interesses culturais, políticos e econômicos contrários aos nossos.
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