31/08/2010

Fidel Castro faz autocrítica da perseguição da homossexualidade na Cuba revolucionária no passado

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Fidel Castro Ruiz. Artigo tirado de aqui e publicado originariamente em castelhano no jornal mexicano La Jornada. A entrevista foi realizada por Carmen Lira Saade. A traduçom é do Diário Liberdade e a imagem do comandante foi feita por Alex Castro para Cubadebate.

Ainda que não haja nada que denote nele mal-estar algum, acho que Fidel não vai gostar do que lhe vou dizer:
– Comandante, todo o encanto da Revolução Cubana, o reconhecimento, a solidariedade de uma boa parte da intelectualidade universal, os grandes lucros do povo em frente ao bloqueio, em fim, tudo, tudo foi pela água abaixo por causa da perseguição de homossexuais em Cuba.
Fidel não foge do tema. Nem nega nem recusa a asseveração. Só pede tempo para recordar, diz, como e quando se desatou o preconceito nas filas revolucionárias.
Faz cinco décadas, e por causa da homofobia, marginou-se os homossexuais em Cuba e a muitos enviou-se-lhes a campos de trabalho militar-agrícola, acusando-os de contrarrevolucionarios.
– Sim –recorda–, foram momentos de uma grande injustiça, uma grande injustiça! –repete enfático–, tenha-a feito quem fosse. Se fizemos nós, então nós... Estou tentando delimitar a minha responsabilidade em todo isso porque, é claro que, pessoalmente, eu não tenho esse tipo de preconceitos.
Sabe-se que entre seus melhores e mais antigos amigos há homossexuais.
– Mas, então, como se conformou esse ódio ao diferente?
Ele pensa que tudo se foi produzindo como uma reação espontánea nas fileiras revolucionárias, que vinha das tradições. Na Cuba anterior não só se discriminava os negros: também se discriminava as mulheres e, com certeza, os homossexuais...
– Sim, sim. Mas não na Cuba da nova moral, da qual tão orgulhosos estavam os revolucionários de dentro e de fora...
– Quem foi, por tanto, o responsável, direto ou indirecto, de que não se pusesse um alto ao que estava sucedendo na sociedade cubana? O Partido? Porque esta é a hora em que o Partido Comunista de Cuba não explicita em seus estatutos a proibição a discriminar por orientação sexual.
– Não –diz Fidel–. Se alguém for responsável, sou eu...
"É verdade que nesses momentos não podia tratar desse assunto... Estava imerso, principalmente, da Crise de Outubro, da guerra, das questões políticas..."
– Mas isto se converteu em um sério e grave problema político, comandante.
– Compreendo, compreendo... Nós não o soubemos valorizar... sabotagens sistemáticas, ataques armados, sucediam-se o tempo todo: tínhamos tantos e tão terríveis problemas, problemas de vida ou morte, sabes?, que não lhe prestamos suficiente atenção.
– Após todo aquilo, se fez muito difícil a defesa da Revolução no exterior... A imagem se tinha deteriorado para sempre em alguns setores, sobretudo da Europa.
–Compreendo, compreendo –repete–: era justo...
– A perseguição a homossexuais podia dar-se com menor ou maior protesto, em qualquer parte. Não na Cuba revolucionária –lhe digo.
– Compreendo: é como quando o santo peca, verdade?... Não é o mesmo que peque o pecador, não?
Fidel esboça um tênue sorriso, para depois voltar a pôr-se sério:
– Olha: pensa tu como eram os dias nossos naqueles primeiros meses da Revolução: a guerra com os ianquis, o assunto das armas e, quase simultaneamente a eles, os planos de atentados contra minha pessoa...
Fidel revela o tremendamente que influíram nele e o que alteraram sua vida as ameaças de atentados e os atentados mesmos de que foi vítima:
"Não podia estar em nenhuma parte, não tinha nem onde viver..." As traições estavam à ordem do dia, e ele tinha que andar um dia aqui e outro ali...
"Escapar à CIA, que comprava tantos traidores, às vezes entre a nossa gente, não era coisa simples; mas enfim, de qualquer jeito, se houver que assumir responsabilidade, assumo a minha. Eu não vou jogar a culpa a outros...", sustenta o dirigente revolucionário.
Só lamenta não ter corrigido então...
Hoje, no entanto, o problema está a ser enfrentando:
Sob o lema A homossexualidade não é um perigo, a homofobia sim, se comemorou recentemente em muitas cidades do país a terceira Jornada Cubana pelo Dia Mundial Contra a Homofobia. Gerardo Arreola, correspondente da Jornada em Cuba, dá conta pontual do debate e a luta que se leva adiante na ilha pelo respeito aos direitos das minorias sexuais.
Arreola refere que é Mariela Castro, uma socióloga de 47 anos –filha do presidente cubano Raúl Castro–, que lidera o Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex), instituição que –diz ela– tem conseguido melhorar a imagem de Cuba após a marginalizção dos anos 60.
Aqui estamos as cubanas e os cubanos, para seguir lutando pela inclusão, para que esta seja a luta por todas e todos, pelo bem de todas e todos, disse Mariela Castro ao inaugurar a jornada, escoltada por transexuais que sustentavam uma bandeira cubana e outra multicolor do movimento gay.
Hoje em Cuba, os esforços pelos homossexuais incluem iniciativas como a mudança de identidade de transexuais ou as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo.
Desde os anos 90, a homossexualidade na ilha está despenalizada, ainda que não tenham desaparecido por completo casos de assédio policial. E desde 2008 praticam-se operações gratuitas de mudança de sexo.
O bloqueio
Em 1962 os Estados Unidos decretaram o bloqueio contra Cuba. Tratou-se de uma feroz tentativa de genocídio... como o chamou Gabriel García Márquez, o escritor que melhor tem cronicado o período.
– Período que dura até nossos dias –me adverte Fidel.
"O bloqueio vigora hoje mais do que nunca, e com o agravante, nestes momentos, de que é lei constitucional nos Estados Unidos, pelo fato de que a vota o presidente, a vota o Senado, a vota a Câmara de Representantes..."
O número de votos e sua aplicação podem aliviar consideravelmente, ou não, a situação. Mas aí está...
– Sim, aí está a Lei Helms-Burton, ingerêncista e anexionista... e a Lei Torricelli, devidamente aprovadas pelo Congresso dos Estados Unidos.
Lembrança bem ao senador Helms no dia de 1996 em que lhe foi aprovada sua iniciativa. Estava exultante e repetia ante os jornalistas o central de suas pretensões:
"Castro tem-se que ir de Cuba. Não estou nem aí para como Castro deixe o país: se é em forma vertical, ou em forma horizontal, isso é com eles... mas Castro deve deixar Cuba."
Começa o cerco
"Em 1962, quando Estados Unidos decretou o bloqueio, Cuba se encontrou de repente com a evidência de que não tinha nada mais que seis milhões de cubanos resoltos, em uma ilha luminosa e desprotegida..."
Ninguém, nenhum país, podia comerciar com Cuba; com ninguém se podia comprar ou vender, ai daquele país ou empresa! que não se sujeitasse ao assédio comercial decretado pelos Estados Unidos. Sempre me chamou a atenção aquele barco da CIA que patrulhou as águas territoriais até faz em uns poucos anos, para interceptar os barcos que levassem mercadorias à ilha.
O problema maior, no entanto, foi sempre o das medicinas e os alimentos, que se mantém até nossos dias. Ainda hoje não se permite a nenhuma empresa alimentar comerciar com Cuba, nem sequer pela importância dos volumes que a ilha adquiriria ou porque esta sempre está obrigada a pagar por adiantado.
Condenados a morrer à fome, os cubanos tiveram que inventar a vida outra vez desde o princípio, diz García Márquez.
Desenvolveram uma tecnologia da necessidade e uma economia da escassez, relata: toda uma cultura da solidão. Não há gesto de pesar, menos de amargura, quando Fidel Castro admite o abandono em que deixou a ilha grande parte do mundo. Ao invés...
A luta, a batalha que tivemos que dar nos levou a fazer esforços superiores aos que talvez teríamos feito sem bloqueio –diz Fidel.
Recorda com uma sorte de orgulho, por exemplo, a gigantesca operação de massas que levaram adiante cinco milhões de rapazes, agrupados nos CDR. Tão só em uma jornada de oito horas conseguiram uma vacinação em massa em todo o país, com a qual erradicaram doenças como a poliomelite ou o paludismo.
Ou quando mais de um quarto de milhão de alfabetizadores –cem mil deles meninos– se lançou à alfabetização da maior parte da população adulta do país que não sabia ler nem escrever.
Mas o grande salto dá-se, sem dúvida, na medicina e na biotecnologia:
– Fala-se de que Fidel mesmo mandou a formar na Finlândia a uma equipe de cientistas e médicos que teriam de encarregar da produção de medicamentos.
O inimigo usou contra nós a guerra bacteriológica. "Trouxe aqui o vírus II do Dengue. Na Cuba pré-revolucionária não se conhecia nem o I. Aqui apareceu-nos o II, que é bem mais perigoso porque produz uma dengue hemorrágica que ataca sobretudo os meninos.
"Entrou por Boyeros. Trouxeram-no os contrarrevolucionários, esses mesmos que andavam com Posada Carriles, esses mesmos que Bush indultou, esses mesmos que deram lugar à sabotagem do avião de Barbados... Essa mesma gente recebeu a tarefa de introduzir o vírus", denúncia Fidel.
– Culpavam Cuba porque, diziam, tinha muito mosquito na Ilha –digo-lhe.
– Como não os ia ter, se para os combater faz falta o abate, e o abate não o podíamos obter: só o produziam nos Estados Unidos? –revela.
O rosto do comandante ensombrece:
Começaram-nos a morrer as crianças, lembra. "Não tínhamos como atacar a doença".
Ninguém nos queria vender as medicinas e as equipes com que se erradica o vírus. Cento e cinquenta pessoas morreram vítimas da doença. Quase todas eram crianças...
Tivemos que ir às compras por contrabando, ainda que fosse caríssimo. Em toda a parte proibiram até trazê-lo. Uma vez, por misericórdia, deixaram trazer um pouco.
Por misericórdia, disse o homem forte da Revolução. Confesso minha turvação...
Não precisamente por misericordia, mas por solidariedade, foram alguns amigos de Cuba. Fidel menciona, pelo México, os Echeverría: Luis e María Esther que, ainda que já não estivessem no governo, puderam conseguir algumas equipes que permitiram reduzir de alguma forma a epidemia.
– Não os esqueceremos nunca –diz comovido.
– Está vendo? –digo-lhe. Não todo têm sido más ou desafortunadas relações com personagens do poder mexicano...
– É claro que não –diz antes de que concluamos a conversa-entrevista e passemos ao almoço que compartilhamos com sua esposa, Dalia Soto del Valle.
Deste terraço sideral onde se coloca para olhar e analisar o mundo, a vida... Fidel faz um brinde por que no mundo do futuro tenhamos uma só Pátria.
"Que é isso de que uns são espanhóis, outros ingleses, outros africanos? E que uns tenham mais que outros...?
"O mundo do futuro tem que ser comum, e os direitos dos seres humanos têm que estar acima dos direitos individuais... E vai ser um mundo rico, onde os direitos sejam igualzinhos para todos..."
Como se vai conseguir isso, comandante?
Educando... educando e criando amor e confiança.


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