03/10/2010

História das Internacionais - parte II

Luiz Bicalho. Artigo tirado de aqui.

Neste artigo apresentamos o começo da construção internacional da classe operária enquanto classe. Depois das revoluções burguesas o capitalismo começa a se implantar em todo o mundo, aumentando a classe operária. E esta inicia a sua organização.



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Antecedentes

Como vimos, desde o inicio das revoluções burguesas, já existiam, ainda que em germe, a proposta de igualar a todos economicamente e da supressão da propriedade privada. A revolução francesa e, depois dela, as guerras napoleônicas arrasaram boa parte do feudalismo Europa adentro e abriram caminho para o desenvolvimento do capitalismo em todo o continente, ainda que sobrassem em toda parte – e até na França – os governos monárquicos “restaurados”. Mas o povo, em particular a classe operária, tinha aprendido com as duas revoluções (Inglaterra e França) que os reis de “direito divino” podiam ter suas cabeças cortadas.

Abre-se o século XIX, então, com a perspectiva do comunismo espalhando-se pela Europa e muitos filósofos e políticos dizendo-se “socialistas” ou “comunistas”. A economia burguesa espalhava seus tentáculos e as fábricas, o comercio, os bancos, desenvolviam-se em toda a parte. O maior desenvolvimento era na Inglaterra, o primeiro estado onde a burguesia dominava. E é de lá que vem a primeira explicação sobre a riqueza e sobre o lucro. Adam Smith (1777) escreve o seu livro A riqueza das nações onde explica que o valor é produzido pelo trabalho. Ricardo complementa esta explicação (1817) mostrando que o valor de troca de uma mercadoria é dado pelo tempo de trabalho nela acumulada. Em outras palavras, a burguesia reconhecia que a riqueza da sociedade era constituída pelo trabalho dos operários, exatamente aqueles que viviam nas piores condições naquele momento.

Mesmo sem ter consciência clara desta situação, movidos pela “injustiça” da vida, surgiram os movimentos comunistas ou socialistas chamados de “utópicos” por Marx e Engels. O que tinham em comum estes movimentos era que pretendiam a abolição da propriedade privada e a sua transformação em propriedade social, ainda que não tivessem uma visão clara da economia que explicasse como fazer esta transformação, ou uma visão clara política da necessidade dos operários se organizarem em partido para retirar a burguesia do poder e encaminhar esta transformação. Classicamente, os três maiores representantes deste movimento foram Robert Owen, Fourier e Saint Simon.

Robert Owen foi um operário especializado que chegou a direção de uma fábrica e posteriormente a sócio majoritário desta. Nesta condição, estabeleceu um regime de trabalho com 10h30m diárias de funcionamento, residências para os operários e inclusive fundou jardins de infância para dar educação aos filhos dos operários. Ele começou o seu trabalho nesta direção em 1800, tentando inclusive através do exemplo de suas fábricas, convencer outros capitalistas a trabalhar da mesma forma. Em 1817 chega a conclusão que é necessária uma mudança geral da sociedade e que sem isso não haverá mudança na maioria das fábricas. Isto leva a um confronto com a burguesia enquanto classe e Owen é obrigado a se refugiar nos EUA onde funda fábricas e colônias baseadas em sua experiência. É evidente que tais tentativas, por mais heróicas que fossem, não conseguiram sobreviver. De volta a Inglaterra em 1829, ajudou a organizar os primeiros sindicatos, participando do congresso de sua fundação em 1834. Morreu em 1858, mantendo a sua luta pelo socialismo.


Fourier foi um filósofo e escritor que batalhou pelo socialismo, sendo um dos primeiros a colocar a necessidade da igualdade entre homens e mulheres. Propunha como forma de organização da nova sociedade o funcionamento em cooperativas de produção e consumo (falansterios). Algumas comunidades na França, no Brasil (Santa Catarina) e nos EUA chegaram a ser formadas de acordo com os planos de Fourier. Fez uma critica radical de toda a moral burguesa, em particular da moral cristã. Tentou convencer diversos industriais e burgueses de suas idéias, o que, naturalmente, não conseguiu. Nas revoluções de 1848 encontravam-se diversos defensores das propostas de Fourier.

Saint Simon participou ainda jovem da guerra pela independência dos EUA e da Revolução Francesa. Depois da revolução, refletindo sobre a sociedade, chegou a principal conclusão de que a ciência era a chave para o desenvolvimento humano e que a religião teria que ser científica, com os padres sendo substituídos por cientistas. Propos uma organização do trabalho humano em uma imensa fábrica, onde “a cada um segundo sua capacidade, a cada capacidade segundo seu trabalho”. Em outras palavras, a exploração do homem seria substituída pela organização coletiva do trabalho, onde cientistas e industriais exerceriam os postos de comando. Propunha a união das nações ao invés da guerra entre elas. Na França, depois de sua morte (1825) os seus seguidores continuaram a desenvolver o movimento, intervindo na revolução de 1830 com a proposta do fim da propriedade privada.

Na revolução de 1830, que se espalhou pela Europa inteira, apesar de aparecerem proletários descontentes com a alta do custo de vida, não existia ainda um movimento de massas ou um partido proletário forte. Iniciativas como dos Saint Simonistas eram ainda isoladas. É só a partir da década de 1830 que surge o primeiro partido proletário da história, o movimento cartista inglês.

O movimento começa com reivindicações puramente democráticas. Apesar da revolução inglesa ter sido feita pela supremacia do parlamento sobre o Rei, o parlamento era eleito pelo voto censitária, ou seja, só votavam aqueles que tinham determina fortuna, o que excluía a classe operária, os camponeses e uma parte da pequena burguesia. No parlamento, as propostas de Reforma do Sistema são derrotadas (1832) e, então, uma série de mobilizações leva a constituição de uma Carta do Povo (1837), elaborada por Willian Lovet, que foi assinada por um milhão e duzentas e cinqüenta mil pessoas, reunindo manifestações populares com 100 mil, 200 mil pessoas em 1838. Ela trazia as seguintes reivindicações: sufrágio universal masculino, pagamento aos deputados, votação secreta, parlamentos anuais, igualdade dos distritos eleitorais e supressão do censo de bens para fins de elegibilidade.

O primeiro congresso Cartista discute inclusive a realização de uma insurreição e a proposta de uma greve geral. A reação da burguesia foi violenta, com o movimento sendo reprimido e com mais de 450 presos. O movimento passa então a lutar pela libertação dos presos políticos e constitui uma Associação Nacional da Carta (partido cartista) que chega a ter 50 mil aderentes. Em 1841 com a libertação de O’Connor, o movimento reinicia, adotando então uma plataforma que ao lado das reivindicações democráticas levanta reivindicações operárias - jornada de trabalho de 10h, abolição da Lei dos Pobres e fim das casas de trabalho froçado; adota também um programa agrário, exigindo a destruição do monopólio da terra.

A segunda carta consegue três milhões e 300 mil assinaturas[1]. Em 2 de maio de 1842 a nova Carta é rejeitada e inicia-se uma onda de greves e a repressão abate-se novamente – 1.300 pessoas são presas! Entretanto, em 1847 o parlamento vota a lei de jornada máxima de trabalho em 10h, consituindo-se uma vitória do movimento, que então reacende.

O terceiro cartismo liga-se a onda revolucionária de 1848. A crise econômica de 1847 leva a que nas eleições o movimento cartista consiga eleger O’Donnel para o Parlamento. Em 1848, enquanto a revolução estoura em vários países do continente europeu, é convocada em Londres uma manifestação para apoiar novamente a carta, agora com quase dois milhões de novas assinaturas. O partido cartista, entretanto, não se dispôs a comandar uma insurreição e a nova carta é então rejeitada pelo Parlamento. Na Inglaterra, então o pais mais avançado, a revolução assumia um caráter nitidamente operário que só não vai para a frente em virtude das limitações e fragilidades do primeiro partido de massas que a classe constituía, o Partido Cartista. No Continente Europeu, as revoluções ainda eram dirigidas pela burguesia mas passaram a contar com um componente operário forte, com organização independente, o que levou a burguesia a recuar e fazer acordos com os restos do feudalismo contra os operários.

É dessa forma que a revolução na Áustria leva a constituição de milícias operárias e de milícias estudantis, na França os militantes blanquistas organizam de forma independente a classe operária. Na Alemanha, então dividida em vários principados independentes e sendo um dos países mais atrasados da Europa, Marx e Engels editam a Nova Gazeta Renana e o movimento comunista, a partir da organização dada pela Liga dos Comunistas participa ativamente da Revolução[2]. Mas a burguesia sente, antes de tudo, o medo frente a classe operária que começa a se organizar. A pequena burguesia hesita em fazer na Áustria e Alemanha o que foi feito na Inglaterra e França. Ao invés de decapitar o rei da Prússia, pedem que ele assuma a direção de um estado único Alemão, unificando todo o povo (inclusive Áustria). O Rei recusa-se e organiza a reação, com o apoio da grande burguesia. Na luta que se segue, sem direção conseqüente, a revolução é derrotada. Marx e Engels são forçamos a emigrar para a Inglaterra.

Sim, o proletariado mostrou suas garras e a burguesia treme de medo. E organiza em todo o continente provocações, prisões, mortes dos lideres do proletariado. Na França, organiza uma provocação contra os operários e, depois de cinco dias de combate quando proletariado é derrotado, mais de 3.000 prisioneiros são executados. Vitoriosa, a burguesia vinga-se do proletariado e procura impedir que eles voltem a se organizar através do banho de sangue. Eles, entretanto se enganaram e menos de 30 depois sentirão isto na carne.

A Liga dos Comunistas, que começou como uma organização conspirativa e, a partir da discussão com Marx e Engels, dispõe-se a organizar um partido de massas do proletariado no continente europeu, adotando o Manifesto Comunista como o seu programa, é reprimida e destruída (1852). Na reação que se segue, os dois prosseguem o seu trabalho de educação política das lideranças do proletariado, em particular com os restos do movimento cartista na Inglaterra e com os lideres comunistas ainda livres no restante do continente. Este trabalho político tem um salto com a realização de exposições internacionais, particularmente na Inglaterra que permitem a discussão e a reunião de operários especializados de todo o mundo. E, como fruto dele, nasce a I Internacional.

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[1] para entender o alcance destes números, é preciso lembrar que a Inglaterra tinha na época uma população estimada entre 15 a 17 milhões de pessoas, ou seja, um quinto da população assinou a carta. Seria como conseguir um abaixo assinado no Brasil com 35 milhões de assinaturas!

[2] A partir da proposição de Marx, o Comite Central da Liga aprova o programa do Partido Comunista para a Alemanha, que será usado na intervenção neste país e também servirá de referencia para a luta da Liga em outros países. O programa é curto e reproduzimos aqui o seu conteúdo:

“Trabalhadores de todos os países, uni-vos!”

1. Todo território da Alemanha deverá ser declarado como uma única e indivisível república.

2. Todo alemão, ao atingir a idade de 21 anos, deverá ter o direito de votar e de ser eleito, desde que não tenha sido condenado por um crime.

3. Os representantes do povo deverão receber salário para que os trabalhadores, também, possam ser membros do Parlamento Alemão.

4. Armamento universal do povo. No futuro, os Exércitos serão, simultaneamente, Exércitos de Trabalho, para que as tropas não apenas consumam, como antigamente, mas que produzam mais do que o necessário para sua sobrevivência. Isso será, também, uma contribuição para a organização do trabalho.

5. Os serviços legais serão gratuitos.

6. Todas as obrigações feudais — dívidas, corvéias, dízimos etc. — que sempre foram praticadas com a população rural, deverão ser abolidas sem compensação.

7. As fazendas dos príncipes e outros tipos de posses feudais, juntamente com as minas e afins, deverão se tornar propriedade do Estado. As fazendas deverão ser cultivadas em larga escala e com os métodos científicos mais avançados seguindo os interesses de toda a sociedade.

8. As hipotecas nas terras dos camponeses deverão ser declaradas propriedade do Estado. Os valores de tais hipotecas deverão ser pagos pelos camponeses ao Estado.

9. Nas localidades onde o sistema de aluguel está desenvolvido, os aluguéis deverão ser pagos ao Estado tal como um imposto.
As medidas descritas nos itens 6, 7, 8 e 9 deverão ser adotadas para reduzirem o peso comunal — entre outros — que sempre foram impostos aos camponeses e pequenos fazendeiros locatários, sem diminuir os meios disponíveis para custear o estado e sem colocar a produção em perigo.
O senhorio no sentido estrito, aquele que não é nem camponês e nem fazendeiro locatário, não terá participação na produção. O seu consumo é, então, nada além de um abuso.

10. Um banco estatal, cujas emissões são o meio legal de pagamento, deverá substituir todos os bancos privados.
Essa medida tornará possível a regulação do sistema de crédito seguindo o interesse do povo como um todo, e assim irá minar a dominação dos grandes magnatas financeiros. Futuramente, ao substituir gradualmente as cédulas por moedas de ouro e de prata, os meios universais de troca (aqueles indispensáveis pré-requisitos do comércio burguês) serão barateados; e o ouro e a prata estarão liberados para o uso no comércio exterior. Finalmente, essa medida é necessária para proteger o Governo dos interesses da burguesia conservadora.

11. Todos os meios de transporte — ferrovias, canais, barcos a vapor, rodovias, postos etc. — deverão ser tomados pelo Estado. Eles deverão se tornar propriedade do Estado e oferecidos gratuitamente para as classes necessitadas.

12. Todos os trabalhadores civis deverão receber o mesmo salário, sendo que a única exceção está naqueles trabalhadores civis que possuem uma família para sustentar e, assim, deverão receber um salário maior.

13. Separação completa da Igreja e do Estado. O clero de cada congregação deverá ser pago apenas pelos contribuintes voluntários de sua congregação.

14. O direito à herança será abolido.

15. Introdução de acentuado imposto progressivo e a abolição de taxas nos artigos de consumo.

16. Criação de workshops nacionais. O Estado deverá garantir o sustento para todos os trabalhadores e provê-lo para aqueles que são incapacitados ao trabalho.

17. Educação universal e gratuita para o povo.

É pelo interesse do proletariado alemão, da pequena burguesia e dos pequenos camponeses, que apoiamos essas demandas com toda a energia possível. Apenas com a realização dessas demandas, os milhões na Alemanha — que sempre foram explorados por um punhado de pessoas e que são aqueles que os exploradores querem que continuem em tal situação — ganharão direitos e chegarão ao poder que os chama de produtores de todas as riquezas.

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