08/11/2010

Dificuldades do comunismo

Vicente Romano. Artigo tirado e traduzido desde aqui.

Depois do fracasso do "socialismo real" na URSS e nos países de Europa Oriental, os vozeiros do capital propagaram aos quatro ventos o fim do comunismo, das utopias e até da história. A Revolução de Outubro de 1917 foi uma tentativa de estabelecer uma sociedade igualitaria e autodeterminada, uma organização socialista das relações humanas e da economia, heraldo da sociedade comunista do futuro.

As dificuldades externas de semelhante empenho são bem conhecidas: agressões militares, bloqueios, acosso material e espiritual, etc. Com essa experiência afundou-se também a experiência de proporcionar trabalho, educação, assistência sanitária, alimentação e moradia para todos.

No entanto, foi incapaz de superar suas dificuldades internas, isto é, o socialismo de quartel imposto por uma burocracia mais interessada em seu próprio poder que no bem-estar e o autogoverno de seus povos, em seu emancipación material e espiritual.

Karl Marx parece ter previsto já este tipo de dificuldades. Sem quase experiências práticas, salvo a breve tentativa da Comuna de Paris (18 de março a 28 de maio de 1871) escrevia já o seguinte em 1842 : "Temos o firme convencimiento de que não é na tentativa prática, senão no desenvolvimento teórico das ideias comunistas onde está o verdadeiro perigo, pois as tentativas práticas, ainda que sejam tentativas em massa, quando se reputan perigosos, podem-se contestar com os canhões, mas as ideias que se fam donas da nossa mente, que conquistam nossa convição e nas que o intelecto forja nossa consciência, são as correntes às que não é possível sustraerse sem rasgar nosso coração". (MEW, I, p. 108. Sublinhado de Marx).

Alfonso Sastre, conhecedor já das experiências do socialismo burocrático do século XX se enfrenta ao pesimismo e abandono dominantes. É impossível, proclamam por todas partes e por todos os meios os vozeiros "bem pensantes", e bem cebados , do capitalismo. Lasciate ogni speranza, afirmam com o Dante. Mas Sastre defende a utopia comunista, isto é, a utopia de uma sociedade igualitaria e autodeterminada. Não é que seja impossível, como clamam os voceiros do capital, senão que a imposibilitan entre uns e outros. Não é o mesmo uma autoderterminación impossível que uma imposibilitada, dificultada pelas travas impostas pela heterodeterminação.

Todo movimento emancipatorio, de autodeterminação económica, política e cultural que se deu na história conheceu estas dificuldades e foi combatido a morte. Daí que para Sastre o comunismo contenha "umha carga enorme de libertação".

Bertolt Brecht, que viveu criticamente as dificuldades da construção do socialismo na República Democrática Alemã. Termina seu Elogio ao comunismo com estas palavras: "É o singelo, tão difícil de fazer". Toda sua obra. Como é bem sabido, está encaminhada ao esclarecimento dessas dificuldades para assim as superar.

Hermann Kant, outro excelente escritor alemão, também tomou parte activa na construção do socialismo na RDA. Quando fala das dificuldades que semelhante empenho implica refere-se, sobretudo, às internas. Em seu alocução aos jovens Kommen und Gehen adverte-lhes de que a tarefa não é nada fácil. ¡Aí é nada, mudar toda uma sociedade! Com toda a sua aparatagem material e espiritual: seus meios de produção, de transporte, os alimentos, as formas de vida, os comportamentos, as maneiras de pensar, e os hábitos. Estes são precisamente o mais difícil. Entre eles, por exemplo, o hábito de distinguir e julgar às pessoas por sua maneira de vestir. Ou o de equiparar o grossor de suas carteiras com o de seus corpos. Ou o costume de avançar abrindo-se passo com os codos. Menuda façanha abandonar os hábitos que se denominam com os termos de inveja, indiferença, ânsia de domínio, servilismo, etc.

Sim, o comunista é um outsider do sistema. Está interessado nas coisas que estão fora dele. E todas suas soluções contêm tarefas. Os valores que ele defende são contrapostos aos vigentes. Em frente ao individualismo imperante, defende que a felicidade está na cooperação e a solidariedade. Para ele a pior desgraça é a solidão. Está convencido de que a autodeterminação começa com o reconhecimento da heterodeterminação. Por isso, chama ladrões aos munícipes venais, blasfemos aos curas, pirómano ao latifundista, farsantes aos académicos que reprimem o pensamento crítico e impedem que aceda aos centros de ensino.

Viveu todo o que se pode viver, a marginação, a humillación e o acosso trabalhista e social. Tem-se-lhe reconhecido como causa do mau. Por isso, o melhor é não se acercar a ele. Alguns "bem-pensantes", isso é, bem situados, tentam-no convencer de que suas ideias são antiquadas, de que as desigualdades e a exploração de uns seres humanos por outros faz parte da condição humana, que é algo natural. Mas ele comunista sabe que essa resignação não é satisfatória, que a vida estimulante é divertida, bela, refrescante... Por isso não aceita como natural todo o que se apresenta como tal, em particular o bom e o mau. A frase de que as coisas são e foram sempre assim prove dos tempos nos que os seres humanos se viam obrigados a dizer tolices para salvar a pele.

O que o comunista genuino propugna é uma vida cheia de aventuras, um trabalho que ninguém queira mudar por outro, uma escola cujo final não se considere uma redenção. Deseja abrir os ouvidos aos rumores mais finos que anunciem a mudança. E temperar os nervos mais fortes para que não se rompam quando a terra brame. Ter valor para dizer-lhes a verdade aos amigos, e coragem para dizer-lha também aos inimigos, ou, se chega o caso, para não lhes dizer nem uma palavra. E, sobretudo, valor para pensar.

Sim, longe do carácter totalitário e opresor que interesadamente lhe atribuem seus detractores, o comunismo genuino é a expressão máxima de liberdade e dignidade humanas. É a utopia possível, tão fácil de entender mas tão difícil de realizar.

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