31/03/2011

Costa de Marfim. Uma nova guerra civil.

Artigo tirado de aqui. O artigo dá umha visom muito pró-ocidental. Como indicava o missionário estremenho Chema Caballero no seu artigo "Serra Leoa: diamantes, menores soldado e fútbol" no número 171 da revista Encrucillada (xaneiro-febreiro 2011):
Non existen guerras étnicas nin de relixión, aínda que estes elementos poden ser modificados para exacerbalos (...). Todas as guerras son para tirar recursos de África e (...)o Estado español é o maior exportador de armas lixeiras neses estados.
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Issouf Sanogo/ AFP


Os paralelismos sucedem-se. África cuspe um novo tirano fazendo uso da violência contra a sua própria população para aferrar-se ao poder. Mas a diferença de Líbia, a crise política que está a levar a Costa de Marfim à beira da guerra civil não goza de uma atenção mediática similar nem da apressada e unânime intervenção da comunidade internacional. E as cifras apontam já a um drama humanitário: desde o mês de Dezembro, mais de 500 pessoas foram assassinadas, 700.000 foram deslocadas pela violência na principal cidade do país, Abidjan, e 100.000 procuraram refúgio no vizinho Libéria.

Desde que o passado 28 de Novembro se celebraram as eleições presidenciais, Costa de Marfim viu-se imersa em uma espiral de violência desatada pela confrontação política e armada entre os dois principais líderes que iam às eleições. Nos mesmos, auspiciados e baixo observação das Nações Unidas, o líder do Rassemblement dês Houphouétistes pela Democratice et a Paix (RHDP), Alassane Outtara, conseguia uma margem de 350,000 votos sobre o seu adversário, Laurent Gbagbo, representante da Majorité Presidentielle (LMP) e assentado no poder desde faz mais de dez anos.

Procurando dar um viro ao resultado eleitoral, o Conselho Constitucional, máximo órgão judicial largamente controlado por leais a Gbagbo, anunciou que se tinham produzido "flagrantes irregularidades" em sete regiões do norte e o centro do país, feudo indiscutível de Ouattara e onde Gbagbo obtinha tão só um 10% dos votos na primeira volta. O Conselho apressou então a anulação nestes departamentos de 660,000 votos da segunda volta, outorgando a Gbagbo o 51.4 % do total, a diferença de 45.5% que obtinha.

O palco consequente é um conflito armado entre as forças armadas leais a Laurent Gbagbo, quem recusa assumir a sua derrota e abandonar o poder, e as Forces Novelles (FN), um grupo de insurgentes que controlam o norte do país, quem nunca chegaram a desmovilizar-se depois da guerra civil de 2002 e que agora, movidos pelo seu ódio a Gbagbo, prestam o seu apoio a Alassane Outtara, ganhador oficial reconhecido pela União Africana, as Nações Unidas, Estados Unidos e a União Européia.

Gbagbo foi às eleições presidenciais com o lema "Ganhamos ou ganhamos", algo que parece estar disposto a conseguir a toda a costa. Desde que conhecesse-se o resultado das eleições, as forças de segurança e milícias de rua leais a Gbagbo, além de combaterem os rebeldes das Forces Novelles,  impuseram uma campanha de terror contra a população civil, designadamente contra a coalizão de Alassane Ouattara ou aqueles que lhe prestam o seu apoio. Em três meses de violência organizada, mais de 500 pessoas foram assassinadas, 700.000 abandonaram Abidjan por medo aos confrontos ou às represálias, e outros muitos sofreram violações, torturas e desaparecimentos forçados, o que constitui segundo a organização defensora de direitos humanos, Human Rights Watch, crimes contra a humanidade.

Vítimas e testemunhas entrevistadas por esta organização identificaram entre os responsáveis pelos abusos à Guarda Republicana e o Centre de Commandement dês Opérations de Sécurité (CECOS), dois corpos de segurança de elite baixo o controlo de Gbagbo, e os Jovens Patriotas e a Federação de Estudantes de Costa de Marfim (FESCI), duas milícias armadas próximas ao líder. De igual forma, a televisão estatal Radiodiffusion Télévision Ivorienne (RTI) lançaria mensagens de incitação à violência contra as forças de paz das Nações Unidas, nacionais procedentes de países vizinhos na região e condicionais de Outtara, tal como fizesse o próprio líder das milícias juvenis Charles Blé Goudé, o passado 25 de Fevereiro. "Dou-vos uma ordem que deve ser imposta em todos os bairros. Deverão estabelecer postos de controlo e denunciar a todo estrangeiro que entre neles", disse Goudé fazendo referência a imigrantes e grupos étnicos procedentes do norte, controlado pelos rebeldes do FN. O termo ivorité foi carimbado pelos nacionalistas para denominar aos habitantes do sul e este do país, os verdadeiros marfilenhos, excluindo o "estrangeiro" do norte e imigrantes. Em Costa de Marfim, o 26% da população procede de países vizinhos, particularmente de Burkina Faso.
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Jahne Hahn / NYT. Mulheres manifestam-se a prol da paz nas ruas da capital marfilenha em presença de tropas leais a Gbagbo.
No último mês, o conflito intensificou-se com combates violentos nas cidades de Duekoue (ao oeste), Daloa (centro-oeste) e Bondoukou (ao leste). Também os ataques contra a população civil foram generalizados, como o ocorrido o passado 18 de março, quando as forças de Gbagbo empregaram fogo de morteiro contra um mercado no subúrbio de Abobo, um bairro na cidade Abidjan conhecido por ser próximo de Outtara, em que morreram 30 pessoas e uma dúzia resultaram feridas. No mesmo bairro e a princípios de mês, seis mulheres foram também assassinadas durante as manifestações pacíficas que exigiam a Gbagbo abandonar o poder. As forças do Presidente deposto dispararam contra a marcha de mulheres que gritavam "queremos paz", desatando o pânico entre as assistentes.
A violência política desatada depois das eleições elevou ao pouco a atenção da comunidade internacional envelope os ataques contra a população civil, um interesse que parece ter caído em desánimo depois dos acontecimentos vividos na Tunísia, Egipto e Líbia. A Secretária de Estado estadounidense Hillary Clinton fez depois das eleições um apelo ao fim da violência assegurando que "os responsáveis pela violência contra civis terão que responder pelas suas ações". No mês de janeiro, o Conselho de Segurança enviava 2.000 novos efetivos para reforçar a sua missão de paz (a UNOCI) e a União Européia impunha sanções sobre o governo derrocado que incluíam a congelaçom de bens e limitações comerciais. Organizações como International Crises Group advogam agora por uma resposta contundente que obrigue a Laurent Gbagbo a abandonar o poder com o fim de evitar uma nova guerra civil.

Crimes baixo jurisdição da CPI

A Promotoria do Corte Penal Internacional está a analisar informação relevante envelope os crimes cometidos no país depois da segunda volta das eleições presidenciais. O passado 21 de Dezembro, o Fiscal Chefe, Luis Moreno-Ocampo assegurava não ter aberto nenhuma investigação sobre o caso, no entanto não duvidaria no fazer se se tivessem cometido crimes baixo a sua jurisdição. "O meu escritório está muito preocupado pelas atividades de Charles Blé Goudé", disse o Promotor em relacionamento ao líder das milícias juvenis. "Está a incitar à violência. Se essa gente comete atrocidades em Costa de Marfim, Blé Goudé será julgado por ter incitado à comissão de crimes. Os capacetes azuis e as forças de paz não podem ser objeto de ataques, julgaremos esses factos. Também estamos a analisar as atividades das milícias, as quais foram organizadas baixo o comando de generais".
Os mensagens de incitaçom à violência de Blé Goudé poderiam bastar para demonstrar uma política governamental organizada para cometer crimes. É isto o que lhe compete à CPI e o que tem de analisar: se os assassinatos, os desaparecimentos forçados, as violações e a perseguição de nacionais de outros países da região atendem a um plano organizado, generalizado e sistémico, tal como define o Art.7 do Estatuto de Roma os "crimes contra a humanidade".

Pese a não ser um estado parte do tribunal, Costa de Marfim aceitou a jurisdição do Corte em 2003 através de uma declaração formal baixo o art.12(3) do Estatuto. A Promotoria assegurou que poderia solicitar aos juízes a abertura de investigações sobre os crimes cometidos se estes se ajustam ao critério de gravidade e se não tivesse procedimentos judiciais nacionais em marcha. Outra opção poderia vir da mão do Conselho de Segurança, que ao igual que fizesse com Líbia, poderia ordenar à Promotoria pesquisar os crimes baixo o seu mandato.

Ciclos de violência política

O ocorrido nos últimos meses em Costa de Marfim encontra as suas raízes imediatas na crise política de 2000, a qual levou ao país à guerra civil também depois de umas eleições presidenciais. Mesmo palco, mesmas personagens e o ódio étnico na sombra. Uma lei eleitoral aprovada com celeridade pelo governo pouco dantes das eleições exigia que os pais do candidato presidencial nascesse em Costa de Marfim, uma pretensão que deixava fora ao candidato do norte, Alassane Outtara, representante da maioria muçulmana desta região do país, habitada por imigrantes pobres procedentes de Mali e Burkina Faso.

O recurso à violência não se fez esperar, e em setembro de 2002 os rebeldes do norte começavam uma guerra pelo direito a voto e a representação no governo de Abidjan. Desde então, pese aos acordos de paz assinados em 2007, o país viveu imerso em anos de confrontaçom política, golpes de estado e violência. As eleições do 28 de Novembro do passado ano eram a esperança para conseguir certa paz e estabilidade no país, no entanto reabriram feridas encetadas.
A seguir reproduzimos também um comentário no site original que achamos interessante:
Várias coisas. Canso-me de repetí-lo, mas bom. Gbagbo foi eleito democraticamente no 2000 e leva no poder 10 anos porque teve uma rebelião armada no 2002 e não se deu uma situação adequada para votar em todo este tempo. Os rebeldes também estavam no governo e não tinham pressa por celebrar as eleições. Gbagbo é o governante legítimo de Costa de Marfim. GBAGBO NÃO É KHADAFFI. Não é nenhum ditador. Seguimos com a história das últimas eleições, nas que não se sabe quem é o ganhador, mas nas que o procedimento legítimo e constitucional foi seguido por Gbagbo enquanto Ouattara se autoproclamaba presidente ante os meios estrangeiros, com o apoio da ONU e os embaixadores da França e Estados Unidos. De novo: com resultados provisórios não consensuados por todas as partes e anunciados no quartel geral de Ouattara fora de tempo. A isso chamo-lhe golpe de estado mediático. Seguimos? A ONU tomou partido e precipitou o desastre. A população civil impede-lhes o movimento, animada pelo governo, porque tem-se-lhes visto combatendo junto aos rebeldes e apoiam-nos logisticamente. perderam a sua credibilidade e a sua "neutralidade" e vê-se-lhes como força inimiga. Eles dispararam contra marfilenhos, coisa que os marfilenhos não fizeram por enquanto. Seguimos? Esse reporte de atentados das forças legais de segurança do país contra civis teria que o verificar. Inclusive há dúvidas de que o de Abobo não fosse uma montagem. Seguimos? Os rebeldes que agora são o exército legítimo de Ouattara levam cometendo barbaridades contra os civis de Costa de Marfim desde o 2002 e evidentemente desde as eleições, mas isso não aparece por nenhum lado. A demonização de Gbagbo e o exército marfilenho parecem-me inexcusáveis porque há (e muita) informação sobre terrorismo urbano de pró-Ouattara, atrocidades em povos ocupados por eles e demais. Seguimos? Vejo a RTI e não é a Rádio Mil Colinas. Não lança mensagens de ódio. Passa informação governamental. Obviamente não a vejo 24 horas ao dia nem o entendo tudo, mas não provoca ao ataque nem à violência. Ble Goudé faz apelos à resistência pacífica, mas resistência. Seguimos? O TPI deveria começar por julgar a Soros e companhia dantes de seguir por Gbagbo. Leio parcialidade justificativa de um ataque a um governo legal. Seguimos, Gbagbo sempre mostrou a sua predisposição ao diálogo, algo que não fez Ouattara. Salvando as distâncias, vejo-me como se observassem como atacam a Allende, mas em africano e no século XXI. E a desinformação é algo muito grave.

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