30/03/2011

A falsa ilusom da austeridade

Paul Krugman. Artigo tirado de aqui e traduzido para o galego-português por nós.





O Governo de Portugal acaba de cair por uma disputa com respeito às propostas de austeridade. A rendabilidade dos bonos irlandeses superou  10% pela primeira vez. E o Governo britânico acaba de retificar à baixa a sua previsão económica e à alça a sua previsão de déficit.

Que têm em comum estes acontecimentos? Todos eles som provas de que reduzir drasticamente a despesa quando um se enfrenta a um desemprego elevado é um erro. Os defensores da austeridade prediziam que os recortes da despesa reportariam rapidamente dividendos em forma de aumento da confiança e que teria poucos efeitos adversos, ou nenhum, para o crescimento e o emprego; mas equivocavam-se.

Por isso é uma pena que agora mesmo, em Washington, a um nom se lhe considere sério a nom ser que professe lealdade à mesma doutrina que está a fracassar tão estrondosamente na Europa.

Não sempre foi assim. Faz dois anos, ante o reponte do desemprego e dos grandes déficits orçamentas -ambos consequência de uma grave crise financeira-, os dirigentes dos países mais avançados pareciam compreender que os problemas deviam abordar-se por ordem, centrando-se primeiro na criaçom de emprego combinada com uma estratégia em longo prazo de reduçom do déficit.

Por que nom reduzir os déficits imediatamente? Porque as subidas de impostos e os recortes da despesa governamental deprimiriam mais as economias, com o que pioraria o problema do desemprego. E recortar a despesa em uma economia profundamente deprimida é contraproducente em grande parte, inclusive desde um ponto de vista puramente fiscal: qualquer poupança que aparentemente se consiga  vê-se contrarrestada em parte pelo descenso dos rendimentos, à medida que a economia retrocede.

De modo que dedicar-se agora ao emprego e depois aos déficits era e é a estratégia acertada. Desgraçadamente, é uma estratégia que se abandonou por culpa de uns riscos imaginários e umas esperanças ilusórias. Por um lado, nom param de nos dizer que se no reduzimos drástica e imediatamente a despesa, terminaremos como Grécia, incapaz de adquirir empréstimos como não seja a umas taxas de juro desorbitados. Por outro, dizem-nos que nom nos preocupemos pelo impacto dos recortes da despesa sobre o emprego porque a austeridade fiscal criará de facto postos de trabalho ao aumentar a confiança.

Como funcionou essa história até o momento? Os autodenominados falcons do déficit têm estado gritando "que vem o lobo" em relacionamento com as taxas de juro de EE UU mais ou menos ininterruptamente desde que a crise financeira começou a remeter, e interpretaram a cada pequena subida dos tipos como um indício de que os mercados se estavam a voltar contra EE UU. Mas a verdade é que os tipos nom têm flutuado por causa dos temores sobre a dívida, senão pela maior ou menor esperança na recuperação económica. E com a plena recuperaçom ao que parece muito longínqua ainda, os tipos estám agora mais baixos que faz dois anos.

Mas, ainda assim, nom poderia EE UU terminar como Grécia? Sim, claro que sim. Se os investidores decidem que somos uma república bananera cujos políticos não podem ou não querem lutar contra os problemas em longo prazo, desde depois que deixarão de comprar a nossa dívida. Mas essa nom é uma perspetiva que dependa, de um modo ou outro, de se nos castigamos a nós mesmos com recortes da despesa em curto prazo.

Se nom, que lhes perguntem aos irlandeses, cujo Governo -depois de ter assumido o ónus insustentável da dívida ao tratar de resgatar a uns bancos fora de controlo- tentou tranquilizar os mercados impondo umas medidas de austeridade absolutamente radicais aos cidadaos correntes. Os mesmos que instavam a realizar recortes da despesa em EE UU aplaudiram. "Irlanda brinda-nos uma liçom admirável sobre responsabilidade fiscal", declarava Alan Reynolds, do Instituto Provo, quem afirmava que os recortes da despesa dissipava os temores sobre a solvência irlandesa e predizia uma rápida recuperaçom económica.

Isso foi em junho de 2009. Desde entom, a taxa de juro da dívida irlandesa duplicou-se; a taxa de desemprego da Irlanda situa-se agora no 13,5%.

E depois está a experiência britânica. Como acontece com EE UU, os mercados financeiros ainda consideram que Reino Unido é solvente, o que lhe dá verdadeira margem para seguir a estratégia de se dedicar primeiro ao emprego e depois aos déficits. Mas o Governo de David Cameron optou em mudança por passar à austeridade imediata e voluntária, na crença de que a despesa privada compensará de sobra a retirada do Governo. O plano de Cameron baseava-se na crença de que a fada da confiança arranjá-lo-ia tudo.

Mas nom o fez: o crescimento britânico estancou-se e o Governo revisou à alça as suas previsões de déficit como consequência disso.

O que me leva de novo ao que passa por ser um debate orçamental em Washington nestes dias. Um plano fiscal sério para EE UU teria em conta as causas em longo prazo da despesa, sobretudo os custos sanitários, e quase com segurança incluiria algum tipo de subida de impostos. Mas não somos sérios: a mera mençom de usar os fundos de Medicare de maneira eficaz topa-se com gritos sobre "listas da morte", e a postura oficial do Partido Republicano -mal questionada pelos democratas- parece ser a de que ninguém deveria pagar jamais impostos mais altos. Em vez disso, somente se fala de recortes da despesa em curto prazo.

Em resumem, temos um clima político no que os autodenominados Falcons do déficit querem castigar os parados ao mesmo tempo em que se oponhem a qualquer medida que aborde os nossos problemas orçamentas em longo prazo. E isto é o que sabemos da experiência estrangeira: a fada da confiança nom nos salvará das consequências da nossa loucura.

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