30/03/2011

INSIDE JOB – A PERVERSÃO DO CAPITALISMO

Recomendamos que antes vejades esta outra ligaçom. A presente resenha foi tirada de aqui.

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjpFlmUeqVHtxEiN0QQkXrg3ClRpHtEM0z8yuK-PiEPIauXJGNSx1cJaB_TiI_n4uMJ07HRPwhlKw2PgGTgsELFqJD8o_BGvJCeIgrE6FD0nSs2p9sHBdja6vl91L9VSr77lMTqaBu8aYE/s200/Trabalho+Interno.jpg
Sensacional! Eu não poderia encontrar uma palavra que expressasse melhor a minha satisfação pelo que vi. Estou me referindo ao documentário “Inside Job”, premiado com o Oscar 2011, denominado em português Trabalho Interno, sabe-se lá por que [também Trabalho Confidencial].
Segundo Luis Gonzaga Beluzzo(1) Inside Job é uma expressão idiomática e não caberia uma tradução literal. O documentário é dirigido por Charles Ferguson, que não chega a ser um cineasta famoso. Empresário e formado em matemática ele conseguiu realizar um trabalho brilhante que consegue expor com rara clareza todo o processo que culminou com a grave crise econômica de 2008, cujo ápice se deu com a quebradeira de três das principais instituições financeiras dos EUA: Lehman Brothers, Merrill Lynch e AIG, e com o efeito cascata gerado por especulação desenfreada com o uso de hipotecas e empréstimos subprimes.
Aconselho a todas as pessoas, que tem interesse em saber o real funcionamento do sistema capitalista, nessa etapa de financeirização, e inclusive, da mais completa e definitiva relação entre aqueles que controlam o dinheiro e o Estado, a assistirem Inside Job. E também para melhor entender essa relação com o poder político, que determina a maneira como se controlam os mecanismos que garantem a acumulação da riqueza nas mãos de uma ínfima minoria. Tudo isso é mostrado às claras no documentário. As entrevistas, algumas delas feitas com personagens que estiveram no centro do escândalo, chegam a ser hilárias, diante da maneira como Ferguson derruba todos os argumentos que são apresentados a partir de uma competente pesquisa com informações sobre o envolvimento de cada um abertamente ou feito de forma dissimulada.
Tudo começa e gira em torno da chamada “desregulamentação”. Naquele ano de 2008, quando estourou a crise econômica, na primeira aula que dei para uma turma de Geopolítica, após apresentar um outro documentário, igualmente imperdível, “Enron, os mais espertos da sala”, escrevi no quadro este palavrão – desregulamentação – e disse aos alunos que me assistiam que certamente dali em diante eles ouviriam muito essa palavra. Eu já tinha informações, por leituras alternativas na internet em blogs como Carta Maior, Vermelho e acompanhando a revista Carta Capital, que a crise já se avizinhava. Afinal, desde o final de 2007 (e agora se sabe, bem antes, como é mostrado em Inside Job) era perceptível aos analistas independentes, mais críticos do comportamento neoliberal, que se aproximava uma grave crise imobiliária nos EUA. Resolvi começar minhas aulas, então, tratando dessa temática, porque pelas leituras que eu fazia era possível perceber que teríamos pela frente uma crise de uma enorme gravidade, de tal forma que colocaria em xeque toda a política neliberal, de desgulamentação e de evitar que o Estado estabelecesse formas de controle sobre os ganhos de capital e sobre a movimentação financeira mundo afora.
Desregulamentação, enfim, veio a ser todo o processo político e econômico que possibilitou uma enorme virada na economia mundial e deu início ao que passou a se chamar “Globalização”. Partia-se do princípio que era necessário a economia ver-se livre de todas as amarras que eram impostas pelo Estado e garantir ampla liberdade para o comércio mundial. Mas, o que não se percebeu no primeiro momento, era que essa liberdade reivindicada tinha como alvo principal a movimentação do capital financeiro pelo mundo. Claro, também para as mercadorias. Mas a mercadoria mais importante a ser “libertada” era o dinheiro, garantindo-se a especuladores todas as possibiidades de “inventar” fórmulas que garantissem às grandes corporações aumentar de forma espetacular os seus lucros.
Transformou-se, assim, o mundo em um verdadeiro cassino e fez de analistas e acadêmicos das famosas escolas de administração, economia e finanças dos EUA, espertos oportunistas que foram os responsáveis para teorizarem, tornarem-se consultores e até mesmo assumirem cargos elevados da alta administração das finanças estadunidenses. Já nos anos 1980, do século XX, François Chesnais(2) e Perry Anderson(3), críticos da forma como se dava a globalização financeira, acusava ter sido criado nas escolas de administração dos Estados Unidos, tanto o termo “globalização”, assim como a idealização de toda a política ultraliberal.
Na esteira da crise do socialismo o caminho abria-se para um discurso que procurava determinar o fracasso de uma política de cunho social a partir da ação do Estado e tentava convencer a todos, e conseguiu transmitir isso à maioria das pessoas, inclusive os mais pobres, que o capitalismo era a única alternativa capaz de solucionar os problemas do mundo. Desde que se garantisse liberdade àqueles que visavam investir seus capitais em rentáveis negócios de forma a espalhar desenvolvimento por toda a parte.
O que não se via, mas que viria a ser a essência das novas políticas econômicas adotadas pelos quatro cantos do mundo, a partir de mecanismos implementados via FMI, Banco Mundial e outras “governanças” globais que se tornaram mais fortes do que os Estados Nacionais. À exceção, claro, daqueles que davam as cartas e fortaleciam seus sistemas financeiros, e ao mesmo tempo criavam leis que davam todas as liberdades para que grandes corporações transgredissem até mesmo os limites da usura e da ganância. Se é que há limite para tais perversões.
Enquanto a grande mídia mundial, deslumbrada pelo papel que a propaganda e/ou marketing passava a ter, manipulava e escondia a verdadeira face do que estava se espalhando pelo mundo, vendendo a idéia de modernização e progresso, poucos, muitos poucos, ganhavam milhões em todo esse processo. Esse é um detalhe a ser observado quando se assiste Inside Job, as cifras citadas são de valores grandiosos, a mostrar que a desgulamentação abriu as portas do “inferno” para todos os tipos de gananciosos e criminosos financeiros (ironicamente Fergusson começa o documentário dizendo que o mesmo teria custado mais de 20 trilhões de dólares, soma gasta para cobrir as quebradeiras do sistema financeiro estadunidense e mundial).
Tudo isso à custa do crescimento da pobreza no mundo, principalmente em países de onde se retirou todos os tipos de investimentos produtivos, principalmente a partir da pressão para que o Estado se afastasse de determinados setores da economia. O resultado disso se assiste hoje também com a crise da produção de alimentos e o encarecimento dos mesmos, afetando principalmente a população mais pobre.
Hoje, com a extensão da crise para todos os continentes, com menor impacto em alguns poucos países que se apoiaram em um mercado interno em expansão, percebe-se com maior clareza todo o estrago feito pelas políticas neoliberais. Mas, isso não significa que os agentes responsáveis pela quebradeira, pela ação gananciosa que ampliou a pobreza inclusive em países como os Estados Unidos, tenham sido punidos por isso. Ao contrário, o próprio documentário mostra que muitos deles ocupam hoje cargos importantes na estrutura administrativa daquele país, indicado por Barack Obama, ilusoriamente visto como a saída para o caos econômico que os atingiu. O documentário explica isso.
Sugiro que antes de verem Inside Job, assistam outros dois documentários, que eu inclusive já citei aqui mesmo neste blog, quando apresentei a proposta do mini-curso que realizei, “Decifrando o sistema capitalista”. O primeiro deles, que falei anteriormente, é ENRON, os mais espertos da sala”, o outro, CORPORATION, e se tiverem tempo, vejam também, de Michael Moore, Capitalismo, uma história de amor. A partir daí será difícil entender porque tantos defendem que o capitalismo é o melhor sistema para a humanidade.
Seria cômico, se não fosse trágico.
O que deduzimos de Inside Job é que a maioria dos seres humanos não vivem no sistema ali mostrado. Vivem sob ele. Quero dizer que a enorme maioria das pessoas vive no submundo do que se pode caracterizar como Capitalismo. Algo já dito, de outra maneira, pelo historiador francês Fernand Braudel, para quem o capitalismo deveria ser dividido em uma economia superior, onde se faz o capital, e uma economia inferior, onde praticamente as pessoas trabalham e produzem para sobreviverem. Aí se encontra a enorme maioria da população. O impressionante é a quantidade daqueles que, vivendo nesse submundo, são submetidos à uma verdadeira lavagem cerebral e acreditam poder atingir a riqueza daqueles que controlam os meios pelos quais ela é conquistada. Talvez isso explique, pela ganância que caracteriza sempre essa obsessão, porque há tanta corrupção no mundo.
Mas é evidente que creio ser possível superar os abusos do capitalismo. Pode-se mesclar algumas coisas que são positivas, com a necessidade de se distribuir a riqueza de forma mais democrática. E o Estado é essencial para isso, portanto é necessário que o mesmo possa regular os abusos cometidos por verdadeiros psicopatas financeiros (como os apresentam o documentário Corporation). Não sou pessimista. E jogo no time dos que acreditam que um outro mundo é possível!


NOTAS:
(1) Inside Job, documentário imperdível. Artigo de Luis Gonzaga Beluzzo, publicado originalmente no jornal Valor Econômico. (http://fmauriciograbois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=12&id_noticia=4957)
(2) CHESNAIS, François. “A emergência de um regime de acumulação financeira” in Praga, estudos marxistas, número 03. São Paulo: editora hucitec, 1997.
(3) ANDERSON, Perry. “Balanço do neoliberalismo”, in SADER, Emir e GENTILI, Pablo (org.), Pós-neoliberalismo – as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1995

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