“O capital tem horror à ausência de lucro. Quando fareja um benefício, o capital torna-se ousado. A 20% fica entusiasmado. A 50% é temerário. A 100% enlouquece à luz de todas as leis humanas. A 300% não recua diante de nenhum crime”KARL MARX.
Agora é o petróleo. E amanhã continuará a ser: virão à tona a Síria, a Jordânia, o Irã... Mas, num futuro próximo, serão outras cousas. E, dentre elas, a água. Ao ritmo que avançamos no consumo insustentável dos recursos e na sua destruição, e ao ritmo que desestabilizamos o sistema natural, asinha a preocupação do petróleo deixará de ser motor de guerras e esses outros recursos virão servir de estímulo. E em função deles e da riqueza potencial que tenha a sua comercialização num mercado em que escasseiem, dependerá muito o futuro de territórios e povos como o nosso, tão rico em águas.
Não se pense que é apocalíptico: as guerras da água já apareceram nos jornais. Em 1998, um projeto da Turquia para construir represas no rito Eufrates originou um conflito muito sério com a Síria, que acusou os turcos de quererem intervir o rio principal que atravessa o país como retaliação por Damasco apoiar pretensamente os independentistas curdos. Em 2000, a Índia acusou a China de tentar desviar o rio Brahmaputra, que atravessa o noroeste índio. Mais recentemente, os projetos da Namíbia de conduzir o rio Okavango para abastecer a sua capital motivaram os protestos irados da Angola e de Botswana, que veriam reduzido o caudal ao passo polos seus territórios. Do mesmo modo, arredor do Nilo a tensão está a crescer dia a dia enquanto a Etiópia pressiona por uma percentagem maior de controlo sobre o Nilo azul e o Egito olha de soslaio para os usos que a Uganda e o Sudão dão ao tramo do Nilo branco. E, mesmo na atualidade, um dos conflitos mais complexos e irresolúveis do momento, o da ocupação israelita da Palestina, tem um componente de água que é estrategicamente ocultado (mas, disso falaremos outro dia). Todos estes casos têm uma constante: trata-se de países com necessidades acima das suas reservas de água, e com grande capacidade bélica – nomeadamente o Egito, Israel, a Índia e a China.
Em qualquer caso, não só haverá problemas entre países que compartilhem determinados recursos hídricos como os rios ou os aquíferos. O ritmo crescente de exploração dos recursos impõe necessariamente, segundo a lógica do capitalismo mais selvagem, que alguém recolha o lucro potencial da sua comercialização. De modo que os conflitos não virão apenas de construir uma barragem que limite a chegada de água a um território vizinho, mas do modo como as pessoas – as de dentro – acederão à água, também nos países ricos. E, por isso, a guerra da água não será apenas como a do petróleo, que consiste principalmente em invadir países – quer militarmente quer via FMI e Banco Mundial–, senão também fundamentalmente interna. O motor não será então apenas a quantidade de água, mas a portagem que deverá ser pagada para aceder a ela. O exemplo mais claro disso deu-se em 2000 em Cochabamba, quando o presidente boliviano Banzer assinou um protocolo de colaboração com a empresa Bechtel e o Banco Mundial para a exploração do serviço de águas da cidade: imediatamente as tarifas aumentaram 50% e, na prática, a corporação ficou com o monopólio sobre todos os recursos hídricos. O governo declarou a lei marcial para terminar com os protestos populares, em que morreu uma pessoa e mais de 170 foram feridas – segundo cifras oficiais. Outro exemplo: há só uns dias, a cidade do Rio lançou protestos polo projeto com que São Paulo pretende abastecer-se de água desviando o curso do rio Paraíba do Sul: duas cidades reclamam o seu direito á água e surge o conflito... dentro da mesma nação.
Na realidade, o problema reside só em quê conceito vigore a respeito dos recursos naturais. Mas, se tomarmos em consideração o modo claro como esses recursos são considerados polo sistema económico de exploração maciça que nos submete, a questão fica bem clarificada: em 2009, o V Fórum Mundial da Água terminou com cem países a pedirem água limpa e saneamento, mas sem acordo sobre a noção do acesso à água como um direito. A partir daí atuações com a da Bechtel estão garantidas, não só naqueles lugares que Ocidente considera o sujo terceiro mundo. O mês passado a Junta da Galiza avançou decididamente por esse caminho com a sua Lei da Água, que na prática privatiza qualquer consumo de água de qualquer procedência e leva o benefício gerado diretamente em forma de lucro ao grande capital, como sempre. O problema, pois, não é só da América do Sul, da Ásia ou da África, nem é apenas dos países com poucas reservas de água: o problema é de todos, como demonstra o caso galego. E cumpre apresentarmos um conflito sério contra o capital que enlouquece e contra o governo que não vigia, senão que encoraja. O objetivo é não cairmos numa guerra da água mais real e mais devastadora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário