16/06/2011

Comentário do professor Navarro sobre os feitos acontecidos frente do Parlament de Catalunya

Vicenç Navarro. Artigo tirado deste site.

Um dos movimentos mais positivos que surgiram na vida política de Catalunya (e do resto do Reino de Espanha) foi o movimento definido como o dos Indignados ou 15M. A sua força baseia-se em que as causas da sua indignação são largamente partilhadas pela maioria da população, como dão testemunho os inquéritos publicados em vários meios. Uma destas causas foi os recortes da despesa pública nas transferências e serviços públicos do estado do bem-estar em Catalunya (e, muito designadamente, em previdência, educação e serviços sociais). Estes recortes estão a realizar-se apesar de que nenhum deles estava anunciado no programa eleitoral de Convergência i Uniu, o partido que ganhou as eleições faz só em uns meses. É mais, o então candidato de CiU, Artur Mas, durante a campanha eleitoral sublinhava que não faria recortes nem em previdência, nem em educação. E agora o está a fazer com o apoio do Partido Popular, cuja soma de parlamentares significa a maioria do Parlamento. Estes recortes são impopulares e isso apesar de que a maioria dos meios, incluindo os meios públicos da Generalitat de Cataluña, tais como TV3 e Cataluña Ràdio, os apresentaram como necessários e inevitáveis, sem considerar alternativas aos recortes como o aumento dos impostos dos setores mais pudientes que se beneficiaram durante estes anos dos recortes de impostos, recortes que sempre contaram com o apoio de CiU e do PP. O governo da Generalitat, e por tanto o Governo CiU, tem plena responsabilidade fiscal para aumentar tais impostos.

Os recortes da despesa pública que afectarão muito negativamente ao estado do bem-estar em Catalunya, bem como outras medidas e propostas (que contam e/ou contarão com o apoio do Partido Popular) magoarão sobretudo às classes populares. Daí a grande simpatia destas classes populares para o movimento dos indignados e inclusive nos meios de maior difusão (tanto escritos, como orales, como visuais), que são de clara persuasão conservadora e/ou neoliberal, apareceram vozes de apoio a tal movimento, embora são claramente a excepção. Algumas vozes, no entanto, foram claramente hostis, embora a maioria foram condescendentes, considerando ao movimento como gente jovem, bem intencionada, mas profundamente equivocada. Esta atitude para o movimento persistiu até hoje, em que uma mudança importante ocorreu.

O QUE OCORREU ESTA MANHÃ NO PARQUE DA CIUTADELLA

O movimento dos indignados decidia na sua última assembleia fazer um acto simbólico de protesto em frente às decisões que se iam tomar no Parlamento esta manhã, que incluía a abertura de um processo parlamentar que conduziria a tais recortes aprovados por CiU com o apoio do PP. Neste ato simbólico incluía-se rodear o Parlamento com uma corrente humana, protestando pelas decisões que se iam tomar no Parlamento, dificultando ademais o acesso ao mesmo por parte dos parlamentares. Estava claro que uma consigna deste movimento (como consta no seu site) era ser meticulosamente anti-violência, tendo enviado a consigna a todos os participantes. Esta consigna não se respeitou e teve uns grupos não representativos do colectivo general que cometeram actos de violência, agredindo a alguns parlamentares (paradoxalmente alguns parlamentares de partidos de esquerda que se iam opor a tais recortes).

A partir de então teve uma tentativa dos meios de maior difusão de utilizar os actos irresponsáveis de alguns grupos pouco representativos do movimento 15M para desacreditar a todo o movimento. Teve uma mobilização em massa, incluindo dos meios públicos da Generalitat para desacreditar tal movimento. Daí que me veja na necessidade de fazer as seguintes declarações:

1. O meu apoio ao movimento dos indignados, à sua causa e aos seus métodos não violentos. São continuadores das gerações anteriores que lutaram e lutamos pela democracia durante a ditadura e outras, mais tarde, que lutaram para a melhorar. Como indiquei em uma conversa na praça Catalunya aos indignados na semana passada, têm que ser conscientes de que são herdeiros dos nossos pais que perderam a Guerra Civil defendendo a República democrática, da minha geração que nos anos 50 e 60, em condições muito duras, lutamos contra a ditadura e dos trabalhadores que com as suas greves forçaram a queda daquele odiado regime nos anos 70. Daí o seu enorme valor e responsabilidade, na sua tentativa de reformar a democracia tão incompleta e o bem-estar tão insuficiente que ainda existe em Catalunya e em Espanha trinta e três anos após terminar a ditadura.

2. A sua grande força deriva de ter razão, ter a simpatia da maioria da população e ser herdeiros de outros que lutaram para atingir a democracia que o povo catalão e os povos das outras nações de Espanha se merecem. Isso implica também uma grande responsabilidade, o qual implica que devam se organizar e excluir do seu movimento àqueles que com os seus métodos violentos (que até agora são uma minúscula minoria) fazem ao movimento muito vulnerável a que percam o recurso mais valioso que têm, que é o apoio das classes populares. A estrutura de poder em Catalunya e os seus meios são enormemente poderosos e utilizarão todos os meios para os desacreditar. Daí a necessidade de organizar-se, o qual não quer dizer se converter em partido ou qualquer outra associação, senão ter um critério claro de pertence e de acção com um compromisso de não dar pé a que o adversário os destrua.

Daí que devem reconhecer que foi um erro (tal como lho comuniquei quando o estavam a planificar) o tentar evitar o acesso dos parlamentares ao Parlamento, já que isso implicava um elevado risco de violência e ademais assumia erroneamente que todos os políticos são iguais, postura que também criticava na apresentação do domingo em Praça Catalunya. As forças democráticas ficam debilitadas enormemente quando estes erros são utilizados automaticamente para desacreditar ao movimento, como está a ocorrer agora. O objectivo de um movimento reformista não é a anulação do Parlamento, se não a sua necessária e urgente melhora, exigindo-lhe que seja mais sensível aos desejos cidadãos e que não o seja só a cada quatro anos para, ao dia seguinte de sair eleito, fazer o contrário.

3. O que ocorreu esta manhã não deve ocultar que a causa maior de tais distúrbios são aqueles políticos dirigentes em Catalunya e os seus aliados, o PP, que estão a actuar de uma maneira antidemocrática, levando a cabo políticas que não estavam explicitadas nos seus programas eleitorais. Como bem disse recentemente o Arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, na sua denúncia aos recortes de despesa público social de David Cameron, em Grã-Bretanha, recortes que também não era anunciados no seu programa eleitoral, -o governo não tem nem moralidade, nem legitimidade democrática para levar a cabo estes recortes, escusando-se baixo o argumento de que o deficit do Estado era maior do esperado-. Como disse tal dirigente eclesiástico britânico, a rapidez com que o governo fez estes recortes mostra claramente que isto já estava planificado. É uma lástima, embora seja previsível, que os mau chamados "porta-vozes da moralidade de Catalunya e de Espanha" não faça declarações semelhantes. É um indicador da sua baixa qualidade moral e escassa consciência democrática que as autoridades eclesiásticas permaneça silenciosas em frente a tais recortes não programados nas ofertas eleitorais dos seus partidos afins.

4. O argumento que se está a utilizar mais no discurso político e mediático em Catalunya é que tais recortes são necessários devido à pressão dos mercados financeiros. Esta nota é plena admissão de que a democracia não funciona em Catalunya (e em Espanha), já que ninguém elegeu a estes mercados. Mas a realidade é que não são os mercados os determinantes destes recortes, já que estas e outras medidas, como a desregulamentação do mercado de trabalho, são as medidas que os grupos que predominantemente apoiam e financiam a CiU e PP têm estado desejando que se fizessem, muito dantes de que aparecessem os mercados financeiros.

5. Embora a crítica maior do movimento 15M é para os partidos conservadores e neoliberais, o facto é que também inclui a forças e partidos políticos de esquerdas, que têm também realizado políticas criticáveis em Catalunya e inaceitáveis em Espanha. Devessem fazer uma autocrítica mais profunda da que estão a realizar.

6. A democracia catalã e espanhola é dramaticamente insuficiente. Indicadores deles são múltiplos. Um deles é que nas últimas eleições autárquicas em Catalunya os votos aos partidos de esquerda somam mais que os votos aos partidos de direita. E se a eles se somam os votos em alvo e a abstenção (a maioria de esquerda, segundo mostram as sondagens de intenção de voto), resulta que Catalunya continua sendo um país de esquerdas e centro esquerda. E é também interessante ressaltar que inclusive muitos votantes de centro-direita e direita simpatizam claramente com políticas redistributivas e políticas expansivas do estado do bem-estar, com uma reforma fiscal profunda e progressista. Daí que ter ganhado umas eleições não é suficiente para levar a cabo políticas que não contam com um apoio amplo da sociedade. Como consequência, a distância entre os governantes e os governados se está a alargar perigosamente, questionando a própria legitimidade do sistema democrático, o qual é sumamente preocupante para todas as pessoas que lutámos por ter democracia neste país.

7. A democracia não é só democracia representativa (que em Catalunya e em Espanha é muito limitada), senão democracia directa e participativa. Democracia não é só votar a cada quatro anos, democracia é também a participação cidadã através de várias formas e modos, tais como referendos, formas comunitárias e assembleares de participação, e outras formas de intervenção mais direta e menos delegada por parte da cidadania. A transição imodélica da ditadura à democracia fez-se em termos muito favoráveis às forças conservadoras que controlavam o estado. Daí que tenhamos uma democracia que parece temer à população, limitando enormemente as vias de participação. A população não tem mecanismos para corrigir decisões que não têm o apoio popular, limitando-se a expressar a sua frustração quatro anos após o voto anterior. Isto é o que está a passar hoje em Catalunya. O governo está a propor e fazendo políticas que não estavam no seu programa eleitoral, o qual também está a ocorrer com o governo espanhol. Isso explica o enorme descrédito do partido dirigente espanhol. Não é democrático em Catalunya dizer à população frustrada e indignada que se espere mais quatro anos.

8. Para que exista uma democracia é necessário que os meios de comunicação sejam plurais e diversos ideologicamente. Isto não ocorre em Catalunya, como o mostra que o maior debate que teve local em Catalunya sobre os recortes foi como os fazer, sem nunca (ou quase nunca) incluir vozes que apresentassem outras alternativas como a correcção das políticas fiscais regressivas que se foram seguindo nestes últimos anos. Por cada recorte há uma alternativa que nem sequer se considerou no debate mediático. Um dos maiores problemas que tem a democracia catalã e espanhola é precisamente esta falta de diversidade ideológica dos maiores meios de comunicação.

9. A criminalização deste movimento 15-M por parte de um número significativo destes meios é profundamente antidemocrática e é uma defesa grosseira e vulgar do pensamento conservador e neoliberal dominante em tais meios que está a asfixiar a este país.

10. A violência deve denunciar-se, já seja física, oral ou emotiva. Daí que os que agrediram aos parlamentares devem denunciar-se com toda a intensidade. Mas os meios que estão a utilizar esta evidência para desacreditar a um movimento autenticamente democrático e não violento, devessem também denunciar e condenar a violência da polícia e os seus responsáveis, bem como os insultos e as agressões verbais que realizam algumas e alguns jornalistas, incluindo colunistas dos meios públicos da Generalitat de Catalunya que abusam do seu fórum público, pago por todos os cidadãos, para insultar constantemente àqueles com os que estão em desacordo (quase sempre são de esquerdas) e que sabem que não lhes podem responder porque não têm acesso a tais meios. Isto é também violência.

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