05/10/2011

Marx e a Mensagem de 1850 – Revolução Permanente sob a égide de um Programa de Transição

Tirado de Diário Liberdade (aqui). Por Gustavo Henrique Lopes Machado. O autor é militante do PSTU

"Mensagem do Comitê Central a Liga dos Comunistas"(1), escrita por Karl Marx em março de 1850, é mais um exemplo de textos fundamentais do pensador alemão que continua até os nossos dias pouco conhecido. As organizações ditas "marxistas" o escondem dado que seu conteúdo seria demasiadamente comprometedor, uma vez que colocam em cheque as diversas "novas velhas" vias ao socialismo que hoje imperam. As polêmicas encerradas no texto também se afastam daquelas travadas no interior da academia.


Após a experiencia das revoluções europeias de 1848 e em particular na Alemanha, onde Marx participara cotidianamente editando o jornal Nova Gazeta Renana, este concluíra que a concepção esboçada no Manifesto Comunista revelou-se “a única acertada”. Neste sentido, elabora o texto que ora comentamos vislumbrando a possibilidade de uma revolução iminente na França. Parece revelador que embora o país usado como pano de fundo para a analise encetada na Mensagem de 1950 seja a Alemanha, o alvo imediato do mesmo é a França. Ou seja, não se trata unicamente de uma análise específica de um caso específico, mas de reflexões cujos pressupostos são as categorias do próprio capital, fazendo-se valer ao conjunto dos países dominados pelo modo de produção capitalista. Neste mesmo sentido, cabe ainda mencionar que a Mensagem foi direcionada ao Comitê Central da Liga dos Comunistas, a mesma organização para qual ele escrevera o Manifesto Comunista dois anos antes, que já era um embrião de uma organização internacional, não obstante suas debilidades.

Seja como for, esta Mensagem dissolve vários mitos; o partido, a centralidade do proletariado, o papel da pequena-burguesia, a democracia pequeno-burguesa, as palavras de ordem, as alianças, as eleições, a dualidade de poderes, o governo dos trabalhadores, ou ainda, a revolução permanente, são tratadas por Marx ao longo de todo o texto. Não como definições estanques e acabadas, mas como noções que se articulam e se reforçam mutuamente, conforme pretendemos mostrar.

Nos parágrafos que se seguem, procuraremos sempre que possível, seguir a letra de Marx, segundo o texto da Mensagem. Para fins didáticos, nem sempre seguiremos estritamente a ordem do texto, optamos por uma abordagem temática. Todavia, estamos convictos de que esta opção expositiva em nada altera o conteúdo original do texto.

É comum escutarmos que Marx não possuía uma reflexão sobre a questão do partido do proletariado e que esta só foi trazida à tona no inicio do século XX. Muito embora estejamos de acordo que não existe no autor d`O Capital uma teoria do partido, existe sim uma reflexão sobre o tema e este, de maneira inequívoca, remete aos elementos mais gerais apontados por Lenin décadas mais tarde. Um partido legal e secreto e que tenha como princípio irrevogável a independência de classe. Neste sentido diz Marx: “Em vez de descer mais uma vez ao papel de coro laudatório dos democratas burgueses, os operários e, sobretudo, a Liga devem procurar estabelecer, junto aos democratas oficiais, uma organização independente do partido operário, ao mesmo tempo legal e secreta, e fazer de cada comunidade o centro e núcleo de sociedades operárias, nas quais a atitude e os interesses do proletariado possam ser discutidos independentemente das influências burguesas”(grifo nosso). Refletindo sobre as lições dos recentes processos revolucionários, Marx ressalta que “o partido operário deve agir de modo mais organizado, mais unânime e mais independente, se não quer de novo ser explorado pela burguesia e marchar a reboque desta, como em 1848”. A independência do proletariado enquanto partido é ressaltada e determinada ao longo de todo o texto.

No inicio do texto ele destaca que a Liga dos Comunistas nas revoluções de 1848 “estiveram na vanguarda(2) da única classe verdadeiramente revolucionária - o proletariado”. Mas a centralidade do proletariado e a sua independência não podem ser confundidas com seu isolamento. Pensando até que ponto o proletariado e em particular o seu partido, podem se aliar a organizações que expressam a perspectivas de outras classes, o pensador alemão caracteriza de maneira meticulosa o caráter da pequena-burguesia, a qual, segundo ele “longe de desejar a transformação revolucionária de toda a sociedade em benefício dos proletários revolucionários, a pequena-burguesia democrata tende a uma mudança da ordem social que possa tornar a sua vida, na sociedade atual, mais cômoda e confortável. Por isso, reclama em primeiro lugar uma redução dos gastos do Estado por meio de uma limitação da burocracia...”, e esta ainda, pede “a criação de instituições de crédito do Estado e leis contra a usura, com o que ela e os camponeses teriam a possibilidade de obter, em condições favoráveis, créditos do Estado, em lugar de serem obrigados a pedi-los aos capitalistas. [...]No que toca aos operários, é indubitável que devem continuar sendo operários assalariados; os pequeno-burgueses democratas apenas desejam que eles tenham salários mais altos e uma existência mais garantida e esperam alcançar isso facilitando, por um lado, trabalho aos operários, através do Estado, e, por outro, com medidas de beneficência. Numa palavra, confiam em corromper os operários com esmolas mais ou menos veladas e debilitar sua força revolucionária por meio da melhoria temporária de sua situação. ”. Neste sentido, “a atitude do partido operário revolucionário em face da democracia pequeno-burguesa é a seguinte: marchar com ela na luta pela derrubada daquela fração cuja derrota é desejada pelo partido operário; marchar contra ela em todos os casos em que a democracia pequeno-burguesa queira consolidar a sua posição em proveito próprio”(grifo nosso).

O longo trecho anteriormente citado não podia se assemelhar mais as situações que atualmente se colocam diante de nossos olhos. Ao que parece, para Marx, a maioria dos partidos “socialistas” de hoje nada mais seriam do que democratas pequeno-burgueses. Ironicamente, nada temos de novo neste fato. O filósofo alemão destaca que os pequeno-burgueses republicanos na França à época, já se chamavam socialistas e destaca que “a mudança de nome deste partido não modifica de modo algum sua atitude para com os operários”. Como vimos, a aliança com a democracia pequeno-burguesa só se aplica com a finalidade de derrubar esta ou aquela fração nos interesses do proletariado, sem abrir mão um só momento de sua independência e de seus interesses. É fácil notar que a quase totalidade das organizações de esquerda, postergam os interesses dos trabalhadores para um futuro indefinido, justificando alianças com programas pautados nos limites dos interesses dos chamados setores médios, que nada mais querem do que “tornar a vida na sociedade atual, mas cômoda e confortável”. Marx não nega a necessidade de alianças, desde que estas façam o proletariado avançar e a todo momento dificulte “aos democratas burgueses a possibilidade de se imporem ao proletariado pela força das armas”, o que deve-se fazer, ao contrário é “ditar-lhes condições sob as quais o domínio burguês leve desde o princípio o germe de sua queda”.

No final do texto, Marx determina ainda mais o sentido das reivindicações a serem postas pelo partido do proletariado em luta, ou seja, as condições a serem colocadas que conteriam em seu interior os germens para a queda do domínio burguês. Estas, ao mesmo tempo, devem impulsionar permanentemente o conjunto do proletariado e desmascarar o reformismo dos “aliados” temporários. Assim, é necessário “levar ao extremo as propostas dos democratas, que não se comportarão em todo o caso como revolucionários mas como simples reformistas, e transformá-las em ataques diretos contra a propriedade privada”. Neste sentido, não se trata aqui de propor desde o começo medidas “comunistas”, mas de levar as revindicações e aspirações imediatas do proletariado até as últimas consequências. Portanto, aqui não se trata o comunismo como um mero projeto de futuro, mas como resultado imanente da luta do próprio proletariado. De maneira cada vez mais determinada, Marx segue dando exemplos destas revindicações ou palavras de ordem transitórias: “se os pequeno-burgueses propuserem comprar as estradas de ferro e as fábricas, os operários têm de exigir que essas estradas de ferro e fábricas, como propriedade dos reacionários, sejam confiscadas simplesmente e sem indenização pelo Estado”, “se os democratas propuserem o imposto proporcional, os operários exigirão o progressivo; se os próprios democratas avançarem a proposta de um imposto progressivo moderado, os operários insistirão num imposto cujas taxas subam tão depressa que o grande capital seja com isso arruinado”, e ainda, “se os democratas exigirem a regularização da dívida pública, os operários exigirão a bancarrota do Estado”.

Marx relaciona os diversos elementos abordados à dinâmica da revolução mundial, assim uma revolução nacional aparece como um elo desta revolução. Sem este impulso permanente, qualquer revolução local seria reabsorvida pelo mercado mundial, somente quando a “competição entre os proletários” dos diversos países cessar, estarão dados os pressupostos históricos para desenvolvimento de uma nova sociedade, uma sociedade emancipada, ou em uma palavra, do comunismo. Citemos o trecho integralmente:

Enquanto os pequeno-burgueses democratas querem concluir a revolução o mais rapidamente possível, depois de terem obtido, no máximo, os reclamos supramencionados, os nossos interesses e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução permanente até que seja eliminada a dominação das classes mais ou menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o poder do Estado, até que a associação dos proletários se desenvolva, não só num país, mas em todos os países predominantes do mundo, em proporções tais que cesse a competição entre os proletários desses países, e até que pelo menos as forças produtivas decisivas estejam concentradas nas mãos do proletariado. Para nós, não se trata de reformar a propriedade privada, mas de aboli-la; não se trata de atenuar os antagonismos de classe, mas de abolir as classes; não se trata de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma nova. (grifo nosso)

Mas neste momento poderíamos nos perguntar: como as reivindicações transitórias poderiam conduzir o proletariado a tomada do poder? Ou ainda, como tais reivindicações poderiam levar o proletariado a sua auto emancipação e não apenas a uma mera substituição do governo? Seria esta nova forma de sociabilidade (o comunismo) um projeto de futuro a ser integralmente implantado, por medidas administrativas, após a tomada do poder por um novo governo?

Certamente, este não é o caminho apontado por Marx na Mensagem. Em certo sentido, o desenvolvimento do comunismo já estaria contido no interior da longa marcha a ser percorrida pelo proletariado no interior do próprio capitalismo, das reivindicações mais imediatas até tomada do poder. Não como um projeto acabado e ideal a ser realizado messianicamente pelo conjunto da classe trabalhadora, mas como desenvolvimento imanente de sua própria luta, de suas próprias reivindicações, levadas de maneira independente ao limite, desvencilhadas das influencias pequeno-burguesas. Este desenvolvimento começaria a se manifestar com a dualidade de poder no interior das unidades de trabalho e do conjunto dos trabalhadores com relação ao Estado. Esta dualidade de poder não seria uma medida meramente política, mas, ao mesmo tempo, uma nova forma de organização social gestada no interior do mundo do trabalho. Neste sentido, diz Marx: “Logo que os novos governos se tenham consolidado um pouco iniciarão suas lutas contra os operários. A fim de estarem em condições de oporem-se energicamente aos democratas pequeno-burgueses, é preciso, sobretudo, que os operários estejam organizados de modo independente e centralizados através dos seus clubes (...) A rápida organização de agrupamentos - pelo menos provinciais- dos clubes operários é uma das medidas mais importantes para revigorar e desenvolver o partido operário.” E apontando para a generalização da dualidade de poder, afirma que “ao lado dos novos governos oficiais, os operários deverão constituir imediatamente governos operários revolucionários, seja na forma de comitês ou conselhos municipais, seja na forma de clubes operários ou de comitês operários, de tal modo que os governos democrático burgueses não só percam imediatamente o apoio dos operários, mas também se vejam desde o primeiro momento fiscalizados e ameaçados por autoridades atrás das quais se encontre a massa inteira dos operários”.

O caráter dual do poder aparece de maneira mais patente quando Marx versa sobre a necessidade do proletariado organizar-se em armas, para “pôr-se às ordens, não do governo, mas dos conselhos municipais revolucionários criados pelos próprios operários”. E ainda destaca que “sob nenhum pretexto entregarão suas armas e munições; toda tentativa de desarmamento será rejeitada, caso necessário, pela força das armas”. Como vimos, apesar de Marx realçar a possibilidade do uso da força contra os oponentes do partido revolucionário, ressalta a necessidade da mais ampla democracia interna no interior da organização proletária, a qual se desenvolve em meio a dualidade de poder, salientando que “nenhum núcleo operário seja privado do direito de voto, a pretexto algum, nem por qualquer estratagema das autoridades locais ou dos comissários do governo”.

Cabe aqui algumas palavras no que concerne a dualidade de poder em particular e a política no geral. Para tal, recorreremos a outros momentos da obra do autor. Desde a sua juventude, Marx reflete sobre a separação entre esfera pública e privada, estado e sociedade civil, ou melhor, o Estado político teria se transformado em uma esfera abstrata e formal em contraposição a sociedade civil a qual perdera “o conteúdo imediatamente político” . Não existiria assim, uma unidade entre uma e outra esfera, mas uma separação. Esta contraposição entre Estado e sociedade civil foi possível graças ao desenvolvimento da propriedade privada e a circulação de mercadorias que propiciaria a existência de uma “vida privada livre” por um lado e uma esfera pública e abstrata por outro, contraponto interesses públicos e privados. Neste sentido, o interesse público aparece como uma formalidade, representado abstratamente no Estado moderno, o qual não contempla a vida material do povo; ou seja, o interesse universal não abrange efetivamente o interesse particular, mostrando-se assim como uma ilusão ou uma alienação política. Esta separação faz com que a política não seja imediatamente social, mas necessita de mediações para se realizar, na figura do Estado. Ora, este programa de transição contido na Mensagem de 1850, o político não é uma manifestação autônoma e separada da vida material do “povo”, não é sujeito mais predicado da sociedade civil, sua manifestação imanente.

Ora, poderíamos nos perguntar: o que permitiria esta separação entre Estado e sociedade civil? Como seria possível um Estado expressar formalmente conceitos mistificadores de liberdade e igualdade assentado sobre uma sociabilidade nada igual e nada livre? Esta esfera estatal seria produto de uma conspiração de capitalistas que dominam o conjunto da sociedade através de “ideologias” e manobras meramente políticas? Este Estado seria capaz de fundar toda uma uma forma de sociabilidade? Evidentemente não. Em O Capital, Marx mostrará que a igualdade e liberdade jurídicas presentes no Estado Moderno, só são possíveis porque os fundamentos para sua efetivação estão postos na maneira como se desenvolve a produção e a reprodução do capital sob o modo de produção capitalista. Neste processo de reprodução, a liberdade e a igualdade aparecem como inerentes às relações entre os agentes da esfera de circulação de mercadorias e neste sentido a “esfera da circulação ou do intercâmbio de mercadorias, dentro de cujos limites se movimentam compra e venda de força de trabalho, era de fato um verdadeiro éden dos direitos naturais do homem. O que aqui reina é unicamente Liberdade, Igualdade, Propriedade e Bentham” (3). Todavia, ao adentrar no mundo oculto da produção será desvelada o segredo da produção de mais-valia, a apropriação do trabalho excedente, o salário do trabalhador é inferior ao valor por ele produzido, a troca de equivalentes será transmutada em troca de não-equivalentes, cujo conteúdo é a exploração e a apropriação de trabalho não pago.

Mas, conforme mostrará Marx nesta obra, em paralelo com a extensão da miséria e da exploração reproduzida pelo capital com a finalidade de ampliar a taxa de exploração do trabalho e assim a mais-valia dele extorquida, também aumenta “a revolta da classe trabalhadora, sempre mais numerosa, educada, unida e organizada, pelo próprio mecanismo de produção capitalista”(grifo nosso) (4). E conclui, “Lá tratou-se da expropriação da massa do povo por poucos usurpadores, aqui trata-se da expropriação de poucos usurpadores pela massa do povo”(5). Desenvolve-se, assim, a dualidade de poder: por um lado temos aquele poder oriundo do Estado e legitimado pela esfera aparente da circulação de mercadorias, e por outro temos aqueles novos organismos produto da organização e educação da classe trabalhadora, os quais são engendrados pelo “próprio mecanismo de produção capitalista”. Neste sentido, a dualidade de poder não é um “tipo ideal”, nem tampouco uma construção conceitual a priori a ser aplicada por um universo político autônomo segundo uma receita pré-definida, mas ao contrário, é o movimento imanente da classe operária, desenvolvimento possível, cuja potencialidade já se encontra presente nas próprias categorias do capital. Neste caso, a política e o poder são predicados do proletariado em luta, o único sujeito capaz de abalar os fundamentos da sociabilidade burguesa, a única classe cujos interesses coincidem com o fim da propriedade privada dos meios de produção e com a emancipação do homem no geral e por isto, dirá Marx que “de todas as classes que hoje se defrontam com a burguesia, apenas o proletariado é uma classe revolucionária”. Este trecho do Manifesto será citado no desfecho do Livro I d´O Capital, no exato momento da exposição em que é anunciada a hora final do capitalismo, a “expropriação dos expropriadores”, a revolução socialista, a “dissolução de toda esta merda”.

Reforçando a nossa tese a respeito da reflexão de Marx sobre a questão do partido, ele reflete sobre a participação do mesmo nas eleições. Suas conclusões como sempre são claras e diretas, ele diz que “ao lado dos candidatos burgueses democráticos figurem em toda parte candidatos operários (…) mesmo que não exista esperança alguma de triunfo, os operários devem apresentar candidatos próprios para conservar a independência, fazer uma avaliação de forças e demonstrar abertamente a todo mundo sua posição revolucionária e os pontos de vista do partido”. Tendo em vista tais indicações e a sua coerência com o conjunto dos outros elementos até aqui analisados, questionamos sobre a atuação daqueles partidos ditos “socialistas”, os quais, se misturam e se confundem com os partidos tradicionais. Alianças e mais alianças são realizadas mundo a fora, com as eternas justificativas de luta contra o imperialismo e luta pela libertação nacional, ou ainda, como uma etapa necessária para a revolução. Marx vai além e diz que: “Ao mesmo tempo, os operários não devem deixar-se enganar pelas alegações dos democratas de que, por exemplo, tal atitude divide o partido democrático e facilita o triunfo da reação. Todas essas alegações tem o objetivo de iludir o proletariado. Os êxitos que o partido operário alcançar com semelhante atitude independente pesam muito mais do que os danos que possa ocasionar a presença de uns quantos reacionários na assembleia representativa”.

O papel dos trabalhadores e pequenos proprietários vinculados a terra não é negligenciado pelo autor d´O Capital no texto que ora comentamos. Conforme indica lucidamente, o caráter revolucionário dos camponeses em geral, não podem ir além da propriedade privada. A reforma agrária, como ilustra Marx com o caso da Revolução Francesa, conserva o proletariado agrícola e cria “uma classe camponesa pequeno-burguesa, que passará pelo mesmo ciclo de empobrecimento e endividamento progressivo”. Segundo ele “tal como os democratas com os camponeses, os operários têm de unir-se com o proletariado rural”. Refletindo sobre a realidade brasileira, perguntamo-nos sobre os limites da luta pela terra e em particular do MST.

Marx termina este importante e esquecido texto reafirmando uma vez mais a revolução permanente. Destaca que a revolução alemã deverá ser levada a cabo pelo próprio proletariado alemão, e ainda que apareça como algo distante, seria certamente acelerada por uma revolução iminente na França, e conclui:

“Mas têm de ser eles [alemães] próprios a fazer o máximo pela sua vitória final, esclarecendo-se sobre os seus interesses de classe, tomando o quanto antes a sua posição de partido autônomo, não se deixando um só instante induzir em erro pelas frases hipócritas dos pequeno-burgueses democratas quanto à organização independente do partido do proletariado. Seu grito de batalha tem de ser: a revolução permanente.”(grifo nosso)

Certamente muitos poderão questionar se o programa acima comentado não dizia respeito a uma especificidade alemã ou francesa, válida para um momento da história e inaplicável para os períodos que se sucederam. Não negamos a necessidade de se analisar as particularidades de cada momento e local e tampouco negamos a necessidade de incorpora-las nos programas de cada organização do proletariado. Todavia, é inegável que independente destas, certos elemento são constituintes do próprio capital enquanto tal. Nesse sentido, não é a situação nacional ou local que define o caráter e o papel das classes sociais, mas antes, a posição que elas ocupam no interior da apropriação privada das forças produtivas. O caráter permanentista da revolução socialista não é uma elaboração tirada da cabeça de um filósofo, mas uma necessidade posta objetivamente pelo caráter global do próprio capital. Neste sentido, o caminho abstrato, mas real, apontado por Marx no texto da Mensagem não é uma formula geral da revolução, certamente pode ser adaptado, e o será, segundo as circunstâncias impostas em cada momento histórico, mas isto não elimina, sob nenhuma hipótese, os lineamentos gerais acima expostos. Ainda vale mencionar que tais lineamentos não estão presentes unicamente neste texto, mas no conjunto da obra do pensador alemão. Os diversos elementos da teoria da revolução permanente já aparecem na Ideologia Alemã, passando pela célebre crítica a economia nacional de List em 1845, pelo Manifesto Comunista, nos Grundrisse, nas atas e estatutos da Associação Internacional dos Trabalhadores e, no interior de sua grande obra, O Capital. Qual o caminho deste programa desde Marx até os dias de hoje?

Como sabemos, na Revolução Russa de 1917 sob direção do partido Bolchevique este programa, a luz das especificidades da época, foi levado a cabo. Mantendo sua independência frente aos partidos democráticos pequeno-burgueses mencheviques e socialista revolucionário, e apoiado sobre o desenvolvimento espontâneo da dualidade de poder através dos comitês de fábrica e dos sovietes, o partido bolchevique conduziu a classe trabalhadora ao poder. A luz desta experiência, os quatro primeiros congressos da internacional comunista e posteriormente Trotsky, no Programa de Transição, desenvolveram de maneira cada vez mais determinada este mesmo programa elaborado por Marx na Mensagem de 1850. Como podemos ver, estes programas, não foram fruto de uma mente brilhante, mas a sistematização teórica da experiência de luta, dos caminhos e descaminhos do próprio proletariado. Na esteira da revolução russa, os levantes da classe trabalhadora varreram a Europa. Todavia, sob controle dos reformistas sociais-democratas e com muita repressão, estes levantes foram contidos. A revolução russa, isolada, em um país atrasado e dilacerada pela guerra civil sofreu um profundo processo de burocratização. A partir de então, em conformidade com os interesses desta burocracia soviética novas teorias foram elaboradas. A revolução permanente foi negada e em seu lugar surgiu a revolução por etapas concomitante a teoria do socialismo em um só país. As alianças ora eram negadas unilateralmente, ora alimentadas ao extremo, sem qualquer diferenciação com os partidos pequeno-burgueses. A dualidade de poder passou a ser combatida e, em troca, os partidos comunistas ora se aliavam aos burgueses e pequeno-burgueses em frentes populares que buscavam conter a radicalização dos trabalhadores, ora tentavam assaltar ao poder em meros golpes descolados das massas trabalhadoras, como fora a título de exemplo a “quartelada” brasileira em 1935.

Muitos revolucionários, decepcionados, partiram para a elaboração de novos programas. Um exemplo notório neste caminho é Antônio Gramsci. Negando os mecanismos de duplo poder, os quais denominou guerra de movimento, elaborou uma teoria baseada na tomada de posições no interior das instituições da sociedade civil, uma conquista de hegemonia. Neste sentido, Gramsci desconsiderou o problema da autodeterminação da classe trabalhadora no interior do sistema produtivo, transformando a luta pelo socialismo numa mera questão de tomada do poder, realizada através da conquista de hegemonia nas diversas instituições da sociedade civil (parlamento, escolas, sindicatos etc...). Autonomizando a esfera política e fazendo crer que o socialismo se constituiria através de medidas únicamente institucionais e legais, tais concepções levaram muitas organizações a se institucionalizarem, dentre as quais, podemos citar, significativos setores do PT os quais desde a sua origem foram profundamente influenciados por Gramsci. Outros, refletindo sobre as experiências revolucionárias do século XX nos limites e no interior da possibilidade do socialismo em um só país, começaram a elaborar programas socialistas para o futuro, medidas administrativas que permitiriam uma revolução nacional “socialista” transitar para além do capital, como fez István Mészáros.

Hoje, ironicamente, e tragicamente, no exato momento em que o mercado se torna efetivamente global, quando o capital abrange o conjunto dos países do mundo, quando o proletariado concentra-se em proporções anteriormente inimagináveis na China, vários declaram a falência do marxismo, ou a necessidade de se construir um neosocialismo, ou ainda, o socialismo do século XXI, que não se sabe por quem, nem como, será efetivado.

Pensamos que, após a “feliz” queda da URSS e no bojo dos acontecimentos que hoje, uma vez mais, mostram a impossibilidade da humanidade continuar se desenvolvendo sob o domínio do capital, é chegado a hora de rememorarmos o “antigo” programa contido nesta Mensagem de Marx. Ao que nos parece, ele nunca foi tão atual.

. (1850). Disponível em: http://orientacaomarxista.blogspot.com/2008/09/mensagem-do-comit-central-liga-dos.html

(2) A tradução do Editoral Boitempo deste mesmo texto, utiliza no lugar de “vanguarda” o termo “a frente”. Pensamos que não existe diferenças substanciais entre as duas traduções. Muito embora a tradição burocrática vulgar tenha essencializado o significado de vanguarda como um grupo estático, predestinado e que além de direcionar a classe trabalhadora, quer substituí-la, para nós vanguarda nada mais é do que a classe, o grupo, o partido, as pessoas que estão à frente das lutas em um determinado momento. Neste mesmo sentido, aponta Nahuel Moreno: “vanguarda é um fenômeno, não um existente (um ser); quer dizer, diferente das classes e superestruturas, a vanguarda não tem uma existência permanente durante toda uma época. Na luta, os setores que estão á frente são vanguarda. É um termo relativo. Seu próprio nome indica que existe uma retaguarda. Nesse sentido geral, o partido é vanguarda da classe operária; a classe operária é vanguarda de toda a sociedade. Vamos à exemplos concretos: na França de 1936, o movimento operário foi a vanguarda; porém em 1968, foi o movimento estudantil. Na Argentina, de 1955 até 1966, foram os operários metalúrgicos; em 1968, os estudantes. No Peru, sob a ditadura de Hugo Blanco, os camponeses foram a vanguarda; durante a presidência de Velasco Alvarado, foram os professores.” (grifo nosso)

(3) O Capital. Livro I. Tomo I. São Paulo: Nova Cultural. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, 1985. p.145

(4) ibidem Tomo II p.294

(5) ibidem

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