26/11/2011

Sobre Tahir, Sol e Wall Street

Artigo tirado de Outras Palavras (aqui).



Os protestos no Cairo obtiveram melhores resultados porque é mais fácil articular verbalmente as demandas coletivas por uma democracia que já existe em Madri ou Nova York
É um textinho curto, até porque muito já se escreveu — e melhor — sobre as manifestações do Cairo, Madri e Nova York. Queria apenas pontuar algumas diferenças que me parecem essenciais na hora de comparar — ou menosprezar — umas e outras. Não precisamos gastar mais de uma frase para dizer que, até agora, o movimento mais vitorioso é o egípcio. Também por isso, e em grande medida, Tahir inspirou os demais. Isso não quer dizer, porém, que as ocupações da Puerta del Sol ou do Zucotti Park tenham sido derrotadas ou estejam perdendo a peleja.
O que acontece é que as demandas que emanaram da juventude cairota em fevereiro de 2011 tinham um objetivo bastante claro: derrubar o ditador Hosni Mubarak, que estava há 40 anos no poder. As pessoas, pois, pediam democracia, essa mesma que já conhecemos, que nos leva às urnas de tempos em tempos para escolher nossos líderes políticos.
Já na Espanha, o protesto é exatamente contra o sistema democrático vigente. Claro, em Madri as manifestações foram catalisadas pela crise financeira, que “obrigou” o governo a realizar cortes nos gastos públicos e investimentos sociais, mesmo contra a vontade do conjunto da população. Portanto, é lícito perguntar: que democracia é essa?, assim como também é legítimo pedir, como estão pedindo por lá, “democracia real já”.
No Zucotti Park, o sentimento é parecido. Porém, como a ocupação acontece no centro nervoso do capitalismo mundial, a indignação foi direcionada com mais virulência aos mercados financeiros. Os jovens se plantaram em Wall Street para gritar que, ao contrário do que acontece hoje em dia, não são os megainvestidores, as agências de risco, os bancos de investimentos, as consultorias econômicas e os organismos multilaterais de crédito que mandam no mundo: são as pessoas.
Daí o “somos 99%”, ou seja, a maioria absoluta, que nunca pisou numa Bolsa de Valores, não sabe o que é spread bancário nem entende porquê os governos devem se dobrar aos desígnios de senhores engravatados e podres de rico cujo único poder é possuir alguns papéis conhecidos como “títulos da dívida”. Quem elege esses caras, afinal? Não sou eu e, provavelmente, também não é você: a gente vota nuns bunda-moles que dizem amém a tudo que Wall Street diz — e não para o que nós dizemos. Algo está errado, pois. Mas, o que exatamente?
São brilhantes as sucessivas vitórias do povo egípcio reunido na Praça Tahir, lugar que se transformou em referência mundial de rebeldia após ter aberto e estar fechando o ano com mobilizações massivas e contundentes. Lá, as vítimas, bastante visíveis, são ditaduras e governos fantoches, civis ou militares, que pretendem sufocar as ânsias populares por democracia. Porém, me parece que as conquistas que observamos no Cairo estão como que numa espécie de estágio anterior no curso das liberdades políticas humanas.
Quero dizer, espanhóis e estadunidenses já votam para prefeito, governador e presidente há algumas décadas. Isso não quer dizer que sejam melhores ou piores que os egípcios, nem muito menos, mas que, depois de anos comparecendo às urnas, viram que o ato de escolher representantes é pouco — ainda mais quando os governantes fazem ouvidos surdos às reivindicações populares.
Eis uma frustração que os egípcios ainda irão sentir, quando finalmente derroquem do poder os resquícios do regime Mubarak e sejam convocados periodicamente a votar. Então — e só então — começarão os problemas mais espinhosos e, como em Madri e Nova York, difícieis de ser verbalizados e sistematizados em “alternativas concretas” ao sistema que vivemos.

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